Lesões pulmonares
30 maio 2024 às 08h11
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Pneumologistas alertam para casos de doença respiratória grave causada por cigarro eletrónico

"Os pneumologistas europeus têm um grupo de trabalho em que têm reportado diversos casos de doença respiratória aguda muito grave em pessoas muito jovens", diz especialista.

A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) alertou esta qui nta-feira que já foram registados em Portugal vários casos de doença respiratória aguda grave causada pelo uso de cigarros eletrónicos, que obriga a internamento e pode levar à morte.

"Já estamos a assistir a casos clínicos muito graves" de Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrónico, conhecida como EVALI, disse a coordenadora da Comissão de Tabagismo da SPP, Sofia Ravara, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Mundial Sem Tabaco, que se assinala na sexta-feira.

Segundo a especialista, é uma doença caracterizada por dificuldade respiratória aguda com necessidade de hospitalização, inclusivamente nos cuidados intensivos com ventilação mecânica.

Em 2019, o Centro de Controle e Prevenção de Doença dos Estados Unidos reportou uma epidemia de EVALI, informando que até fevereiro de 2020 tinham sido hospitalizadas 2.807 pessoas (80% jovens), das quais 68 morreram e algumas tiveram necessidade de transplante pulmonar.

Devido à pandemia de covid-19, a monitorização dos casos de Evali foi interrompida nos EUA, mas continuam a ser relatados casos neste país e na Europa.

"Os pneumologistas europeus têm um grupo de trabalho em que têm reportado diversos casos de doença respiratória aguda muito grave em pessoas muito jovens [utilizadores de cigarros eletrónicos] que não têm outros fatores de riscos para doença respiratória e não eram fumadores", salientou a especialista.

Pneumologistas portugueses também identificaram vários casos, tendo inclusivamente sido relatado no ano passado, no Congresso da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, um caso "muito grave" de um jovem que foi internado no hospital de Castelo Branco.

"E existem casos dispersos que até poderão não estar diagnosticados e terem sido rotulados como pneumonia, porque não existe um registo de casos sistematizado, como aconteceu nos EUA, e porque alguns profissionais de saúde podem não estar tão alerta" para estas situações, explicou.

Para Sofia Ravara, os especialistas deviam questionar quando um doente é internado por dificuldade respiratória grave, com necessidade de oxigenoterapia ou outra intervenção mecânica, sobre o seu comportamento tabágico e se utilizam os novos produtos do tabaco, nomeadamente cigarros eletrónicos.

A pneumologista adiantou que os especialistas também já estão a tratar pessoas que usam tabaco aquecido e "começam a adoecer na idade entre os 40 e 50 anos com doença cardíaca (enfartes, AVC), e também com um síndrome de queixas respiratórias recorrentes e dificuldade respiratória".

Diversos estudos indicam que os cigarros eletrónicos podem causar sintomas e doença respiratória em adolescentes e jovens como asma, bronquite, pneumonia, inflamação e irritação do trato respiratório com sintomas recorrentes de tosse, aperto torácico e falta de ar, dificuldade respiratória aguda, bem como elevar a pressão arterial e a frequência cardíaca.

O inquérito nacional escolar de 2019 mostra que o consumo de tabaco nos mais jovens (13-18 anos) diminuiu entre ambos os sexos, comparativamente aos dados de 2015, mas a experimentação e uso dos novos produtos (cigarros eletrónicos, sisha e tabaco aquecido) está a tornar-se mais significativa.

Esta tendência foi reforçada no inquérito nacional escolar de 2022 (SICAD, 2023, dados preliminares), mostrando um aumento no consumo dos produtos de tabaco e nicotina nos jovens à custa da sua experimentação.

Relativamente à iniciação do consumo, em 2019, 38,4% dos alunos do ensino público, disseram já ter experimentado fumar ou vapear. A experimentação foi mais alta nas raparigas (40,7%), do que nos rapazes (36,3%). 

Consumo de medicamentos para deixar de fumar baixou 51,35% nos últimos cinco anos

O consumo de medicamentos e produtos para deixar de fumar baixou cerca de 19% nos últimos cinco anos, sendo a quebra mais acentuada nos fármacos (-51,35%), segundo dados da Associação Nacional de Farmácias (ANF) avançados à Lusa.

Os dados do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (CEFAR) da ANF indicam que, em 2023, foram vendidos nas farmácias e parafarmácias 133.638 produtos de venda livre (gomas, pastilha, comprimido para chupar, sistemas transdérmicos e sprays), uma quebra de 5,60% relativamente ao ano anterior e menos 3,69% face a 2019.

Relativamente aos medicamentos antitabágicos sujeitos a receita médica, os dados revelam que foram vendidas 31.225 embalagens no ano passado, mais 33,26% do que em 2022, mas menos 51,35% comparativamente a 2019, quando foram dispensadas nas farmácias 64.183 embalagens.

No total, foram vendidos em 2023, 164.919 embalagens de medicamentos e produtos para a cessação tabágica, menos 38.085 relativamente a 2019 (-18,76%), adiantam os dados divulgados à Lusa a propósito do Dia Mundial sem Tabaco, que se assinala na sexta-feira.

A ANF sublinha que a categoria dos medicamentos sujeitos a receita médica (bupropiom e vareniclina) foi a que registou "a maior quebra", lembrando que era nesta categoria que se incluía o Champix, medicamento comparticipado em 37% pelo Estado, mas que foi retirado do mercado em 2021 por decisão do laboratório.

Até há pouco tempo, o Champix era o único medicamento comparticipado pelo SNS para deixar de fumar. No entanto, "foi recentemente comparticipado um medicamento genérico de Vareniclina", disse à Lusa o Infarmed.

No ano em que o Champix ainda estava no mercado, em 2021, os encargos do SNS com medicamentos com indicação para a cessação tabágica prescritos e dispensados nas farmácias comunitárias aproximaram-se dos 500 mil euros. No ano seguinte, passaram a ser residuais: 2.410 euros, dos quais metade eram medicamentos cuja substância ativa era a Vareniclina.

O Infarmed explica que estes valores "podem advir de consumos residuais de Champix e de regimes excecionais de comparticipação".

Já no ano passado, o SNS gastou menos de seis mil euros e nos primeiros três meses deste ano não chegou aos dois mil euros.

Comentando os dados à agência Lusa, a coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Sofia Ravara, adiantou que demonstram a necessidade dos fármacos terem um preço mais acessível e serem comparticipados.

"O preço muito alto constitui uma barreira para as pessoas usarem os medicamentos e deixarem de fumar", afirmou a pneumologista, defendendo ser necessário dar incentivos financeiros aos fumadores para os encorajar a largarem o vício do tabaco.

Segundo Sofia Ravara, esse incentivo "é baixar o preço da compra da medicação e comparticipar os medicamentos".

Adiantou que este apoio é fundamental para aumentar a adesão à terapêutica farmacológica, sobretudo das populações mais vulneráveis que precisam de deixar de fumar e dos doentes crónicos que têm múltiplas patologias e já gastam muito dinheiro em medicação.

Defendeu, por outro lado, o aumento dos locais de consulta de cessação tabágica e que "os números de fumadores atendidos no SNS, mas também no sistema de saúde privado ou social, aumentem".

Citando dados do último inquérito populacional, como uma amostra representativa da população portuguesa dos 15 aos 74 anos, a pneumologista disse que o consumo de tabaco "é muito alto" ao longo da vida adulta.

"É muito alto (...) nos adultos jovens dos 25 aos 34 anos e aumenta sobretudo a partir dos 34 anos até aos 65 anos", idade a partir do qual o consumo de tabaco começa a diminuir, mas os benefícios de deixar de fumar são menores.

Ressalvou, contudo, que "não há idade para deixar de fumar", porque "há sempre benefícios, melhora a qualidade de vida e a saúde".

"A esmagadora maioria dos fumadores tem uma dependência baixa a moderada, o que significa que a maioria deles com um pacote robusto de políticas de controlo de tabagismo conseguiria deixar de fumar até mesmo sem aceder a um programa de tratamento", defendeu Sofia Ravara.