Saúde
14 maio 2024 às 07h39
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Bloco de partos e Urgência do Hospital Santa Maria ainda não abrem portas este verão

A Região de Lisboa e Vale do Tejo ainda não vai poder contar com o novo Serviço de Obstetrícia de Santa Maria no verão. O serviço fechou a 1 de agosto de 2023 para obras, devendo abrir em março, depois em junho, mas o diretor do serviço assumiu que “não [poderão] estar em funções plenas no verão, como se esperava”.

O Serviço de Ginecologia-Obstetrícia do Hospital Santa Maria está em obras há quase um ano e sem poder dar resposta às grávidas em trabalho de parto e a situações de urgência de obstetrícia. Esta situação agravou a resposta global nesta especialidade na Região de Lisboa e Vale do Tejo desde agosto do ano passado, a qual tem estado a ser articulada com os hospitais Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) e com o Beatriz Ângelo, em Loures, e quando se pensava que tudo estaria pronto a funcionar este verão, o diretor do serviço, Alexandre Valentim Lourenço, assume ao DN que isso não vai acontecer. “Estamos todos desejosos de começar a funcionar. A obra está a decorrer a bom ritmo, mas não estaremos em funções plenas neste verão como se esperava.”

E explica porquê: “Mesmo que a obra em paredes esteja pronta em julho, depois há a parte da obra para equipamento e certificação, que deve levar mais um mês ou dois”, sublinhando que “a intenção é, mal haja possibilidade, abrir portas, mas com qualidade e segurança.”


O bloco de partos e a Urgência de Obstetrícia de Santa Maria fecharam portas no dia 1 de agosto de 2023, mas as obras só começaram efetivamente em outubro. De acordo com as previsões iniciais, deveriam estar finalizadas em março de 2024. Mas, “apesar de nos dizerem que os prazos estavam a ser cumpridos”, tal não aconteceu.

Na altura, a instituição anunciou o mês de junho como a nova data para a sua conclusão, esperando-se que já pudesse começar a funcionar ainda durante o verão, mas ao que tudo indica tal também não acontecerá. Alexandre Valentim Lourenço justifica que “é para segurança de todos”. “Não podemos passar de uma maternidade fechada para a maior maternidade do país de um dia para o outro. Temos de fazer uma abertura gradual, por fases, bem-feita e de forma a contribuirmos positivamente para a resposta do Serviço Nacional de Saúde.”


Recorde-se que este projeto, que irá tornar o serviço de Santa Maria no maior do país nesta área, gerou polémica e até demissões. Quando foi anunciado, a meio do ano passado, o diretor de serviço da altura, Diogo Ayres de Campos, não concordava com o encerramento total, nem com a transferência das equipas médicas para o Hospital São Francisco Xavier para apoiarem as escalas das urgências. A situação levou a administração da altura, liderada pela agora ministra Ana Paula Martins, a demiti-lo, seguindo-se a demissão em bloco pedida por toda a direção do serviço. E  sete especialistas acabaram mesmo por sair do hospital.


Plano de Verão deve definir respostas de proximidade


Alexandre Valentim Lourenço, na altura já diretor da área da Ginecologia, acabou por assumir as duas direções, tentando fazer a articulação deste serviço com o do São Francisco Xavier, mantendo em plenas funções o Serviço de Ginecologia. “Mantemo-nos em funcionamento e a fazer a urgência urbana de ginecologia, continuamos com muito trabalho, porque uma mulher que precise de uma cirurgia ginecológica de urgência é para este centro que vem, porque estamos preparados para isso”.

E, salvaguarda, “temos a Urgência de Obstetrícia encerrada, mas ainda no fim de semana passado, como estiveram quase todas as unidades fechadas, tivemos de receber situações obstétricas, mas sem a possibilidade de internamento”.


Por tudo isto, o médico defende ao DN que tem de “haver um plano para o verão, para haver a  atribuição de responsabilidades e de regras a todos os elementos do sistema, as quais têm de ser aceites e cumpridas por todos”. Mas espera também que o que foi aprovado para o verão do ano passado não se mantenha da mesma forma para este ano. “No ano passado, o plano assentava em  encerramentos rotativos entre hospitais, o que continua em vigor, mas há hospitais que devido à falta de recursos fazem os encerramentos  rotativos e ainda têm de encerrar noutros dias. Isto não é possível”, comenta.

“Espero que este ano haja uma organização de forma a tornar mais previsível e mais robusta a resposta do SNS, porque este sistema tem levado a um grande desgaste dos hospitais, nomeadamente dos mais centrais, que têm de estar abertos o ano inteiro, como, por exemplo, a Maternidade Alfredo da Costa, que  está sob muita pressão”.


Na verdade, a Região de Lisboa e Vale do Tejo tem sido das mais afetadas com a falta de recursos na área materno-infantil. O diretor de serviço de Santa Maria ressalva  que “temos menos partos do que há dez menos, mas também temos menos recursos”. Por isso, “é necessária uma reorganização que permita uma resposta efetiva e de maior proximidade às grávidas, senão estas continuarão a saltar de um lado para o outro, quando só deveriam ser deslocadas entre hospitais quando estivessem em trabalho de parto e a necessitar de internamento”.

Ou seja, “o que quero dizer é que a primeira observação destas doentes deveria ser feita no seu hospital, mesmo que este tivesse a Urgência encerrada, porque quando o Fernando da Fonseca, o Beatriz Ângelo ou o Garcia de Orta têm a porta fechada têm dois médicos presentes lá dentro, portanto a triagem deveria ser feita pelos médicos e não pela Linha SNS24, que não tem profissionais preparados para esta área”.


O médico conta que mesmo em Santa Maria, e na área da ginecologia, “temos visto doentes que vêm de Setúbal ou de Abrantes com dores menstruais, as unidades de proximidade estavam encerradas e a Linha SNS 24 encaminhou-as para aqui. E isto é mau para a população, porque ali chegadas não podemos fazer mais nada do que prescrever um medicamento. Se a triagem fosse feita por médicos nas unidades mais próximas, isto não aconteceria”.


Proporcionar mais formação poderia fixar mais médicos


Mesmo quando o serviço de Santa Maria entrar em funcionamento, o cenário não mudará “se não houver mais recursos humanos”, salienta Alexandre Valentim Lourenço. “Os recursos humanos que saem do nosso hospital e de outros vão quase todos para a medicina privada, porque ganham entre três a cinco vezes mais do que no serviço público nesta área. E não podemos ter a veleidade de pensar que vamos recrutar profissionais nesta área se não lhes oferecermos também entre três a cinco vezes mais”. Por outro lado, defende, “temos de criar oportunidades de carreira no SNS, o que significa não só pagar melhor, mas também dar oportunidades para mais diferenciação e mais organização”. 


Para o médico, isto é possível se houver uma aposta, por exemplo, na criação de ciclos especiais de formação para subespecialidades, como ginecologia oncológica, medicina de reprodução e uroginecologia. “Se houver estas oportunidades, os jovens especialistas ficarão connosco mais três anos e pode motivá-los a fixarem-se no SNS”, argumenta. Mas para se obter resultados a curto prazo “é preciso começarmos já e não perder mais tempo”. “Isto é possível e, por exemplo, no meu hospital poderíamos abrir estes ciclos em outubro. Se tal acontecesse, se calhar, resolveríamos o problema de recursos do próximo ano no verão”.


Por agora, mantém a confiança na task-force nomeada pela ministra Ana Paula Martins para a elaboração do Plano de Emergência e do Plano de Verão, que diz ter “pessoas conhecedoras do terreno e com grandes capacidades. É preciso dar-lhes tempo, mas também instrumentos que lhes permita elaborar um plano aplicável”.