Se o Estado fosse um banco, seria, entre todos, o que mais teria lucrado, só pelo valor que arrecadou em imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC) com os resultados “extraordinários” das cinco maiores instituições financeiras a operar no país. Em conjunto, BPI, Caixa Geral de Depósitos (CGD), Millennium BCP, Novo Banco e Santander pagaram 1,47 mil milhões de euros daquele imposto, o correspondente a 17% da receita total de IRC que deu entrada nos cofres públicos em 2023. Os cálculos foram feitos pelo DN/Dinheiro Vivo a partir dos relatórios financeiros divulgados pelas respetivas entidades.
De acordo com a síntese da execução orçamental, à responsabilidade da Direção-Geral do Orçamento, os impostos diretos aumentaram cerca de 16% no ano passado, face ao período homólogo, totalizando 27,1 mil milhões de euros.
A componente do IRC, em concreto, contribuiu com 8,68 mil milhões, mais 22% (ou 1,58 mil milhões de euros) do que em 2022. Trata-se de um crescimento significativo, para o qual o desempenho das cinco entidades demonstra ter sido decisivo, uma vez que permitiu encaixar por essa via mais 795,3 milhões de euros, isto é, o dobro (+117%) em comparação com o exercício anterior (681,6 milhões).
Olhando especificamente para esta tributação, a CGD foi o banco que liderou: de um resultado operacional consolidado de 1,93 mil milhões de euros, que conheceu um acréscimo homólogo de 71%, entregou ao Estado português (o seu acionista) 529 milhões de euros em IRC, o triplo do que pagou em 2022 e mais de um terço do imposto que as cinco entidades entregaram em conjunto.
O Santander, que reportou um resultado antes de impostos e interesses que não controla de 1,46 mil milhões de euros, 67% superior ao do ano anterior, pagou 431,1 milhões de euros sobre os lucros atingidos, o que representa uma subida de 62% relativamente aos 266,6 milhões passados.
Já o Millennium BCP obteve um resultado antes de impostos, ao nível do grupo, de 1,48 mil milhões de euros - destes, 1,05 mil milhões foram gerados pela atividade doméstica -, o que acabou por resultar num pagamento de 331,1 milhões de euros de IRC. Em 2022, os ganhos ilíquidos do grupo cifraram-se em 418,3 milhões de euros, impactados pela operação internacional - contudo, em Portugal, o BCP alcançou 546 milhões, sobre os quais pagou 207,6 milhões de euros em imposto, ou seja, no ano passado desembolsou mais 59% em termos homólogos.
O BPI, por seu turno, foi a quarta instituição que mais pagou de IRC: 179,9 milhões de euros, o dobro face aos 88,7 milhões que entregou no exercício anterior. Este valor é fruto de um ganho bruto de 623,5 milhões de euros, só em Portugal, que cresceu 91%, ou 296,4 milhões, relativamente ao período em comparação. Na lista segue-se, por último, o Novo Banco, com o valor mais baixo daquele imposto: 5,8 milhões de euros, o equivalente a 0,3% do total entregue ao Estado pelas cinco instituições bancárias.
Apesar de ter alcançado um resultado ilíquido de 789,3 milhões, o que traduz uma subida de 39% face aos 566,8 milhões de euros registados em 2022, o banco da Lone Star beneficiou de um “desconto” na fatura fiscal por conta dos ativos por impostos diferidos (DTA, na sigla inglesa) e do seu regime especial (REAID), que, na prática, permitiram ao banco ter saldo em sede de IRC, na sequência dos prejuízos acumulados desde a sua constituição, em 2014. Foi precisamente desta forma que, no período homólogo, a instituição reportou um IRC negativo de 53,3 milhões de euros.
Esclareça-se que aquele regime, criado em 2014, assegurava aos bancos que os ativos por impostos diferidos resultantes de perdas por imparidades pudessem ser convertidos em créditos sobre o Fisco, possibilitando igualmente a sua devolução futura. Apesar de ter terminado, em 2016, por ser considerado pela Comissão Europeia um “benefício à banca”, os ativos acumulados até ao final de 2015 podem continuar a ser usados. Todas as entidades bancárias que aderiram ao disposto estão obrigadas a constituir um depósito a favor do Estado no montante do crédito tributário, acrescido de 10%, que o próprio pode converter em ações - como, aliás, aconteceu no caso do Novo Banco.
O imposto sobre os lucros é apenas uma das contribuições fiscais às quais os bancos estão sujeitos, existindo ainda outros custos regulamentares - de que são exemplo a contribuição sobre o setor bancário e o adicional de solidariedade (o último já declarado inconstitucional) - e encargos sociais à responsabilidade do empregador. Logo, o valor que o Estado arrecadou através da atividade das cinco instituições bancárias não se cinge aos 1,47 mil milhões de euros de IRC.