Turquia
30 março 2024 às 11h00
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Erdogan quer Istambul de volta e vingar-se da sua maior derrota política

No domingo os eleitores das 81 províncias são chamados a escolher os representantes locais. As atenções estão viradas para Istambul, a “joia da coroa” que o presidente ambiciona voltar a controlar.

O Partido Republicano do Povo (CHP), da oposição secular, retomou o controlo de Istambul - a potência económica da Turquia - em 2019, pela primeira vez desde que Recep Tayyip Erdogan a governou como presidente da câmara na década de 1990. As eleições de 2019, que foram um marco, também viram a oposição reconquistar a capital Ancara e manter o poder na cidade portuária do Egeu, Esmirna, quebrando a imagem de invencibilidade política de Erdogan.

O presidente turco encarregou o seu antigo ministro do Ambiente, Murat Kurum, de concorrer à presidência da Câmara de Istambul nas eleições de domingo. Erdogan está a tentar vingar a pior derrota política das suas duas décadas de Governo, quando o arquirrival do CHP, Ekrem Imamoglu, conquistou a Câmara Municipal.

O presidente recuperou no ano passado, vencendo umas eleições presidenciais que decorreram no meio de uma crise económica e na sequência de um terramoto e réplicas que causaram mais de 53 mil mortos. Agora, Erdogan tem como objetivo reconquistar Istambul, a cidade onde cresceu e onde iniciou a sua carreira política como presidente da câmara em 1994.

Imamoglu superou um aliado de Erdogan numa eleição de 2019 que foi notícia internacional por ter sido anulada de forma controversa. Venceu uma nova votação por uma margem enorme que o transformou num herói instantâneo para a oposição e num inimigo formidável para Erdogan. Imamoglu, de 52 anos, é visto como a melhor aposta da oposição para vencer a presidência ao partido AKP de Erdogan em 2028. “Imamoglu é um ator político eficaz e, neste momento, representa um dos poucos vislumbres de esperança para os eleitores que se opõem a Erdogan e ao AKP”, disse à AFP Anthony Skinner, diretor de investigação da empresa de consultoria geopolítica Marlow Global.

Mas o fraco desempenho nas eleições gerais do ano passado fraturou a oposição e levou o partido pró-curdo DEM - o terceiro maior no Parlamento - a apresentar os seus próprios candidatos para as eleições locais da próxima semana. Isto poderá custar caro à oposição. “O fraco desempenho da oposição política nas eleições de maio de 2023 demonstrou a sua incapacidade de desafiar eficazmente o statu quo  político e, por extensão, a resiliência e a desenvoltura de Erdogan”, disse Skinner.

Em 2019, Imamoglu, do CHP, herdeiro político do fundador da Turquia republicana, Ataturk, recebeu o apoio de um vasto leque de partidos políticos, incluindo de direita, os curdos e os socialistas que se opõem a Erdogan. Mas a falta de unidade desta vez deverá custar a Imamoglu vários pontos percentuais.

Ekrem Imamoglu, candidato a novo mandato em Istambul, é visto como forte candidato às presidenciais de 2028. YASIN AKGUL / AFP

Erdogan lidera a campanha do AKP e os seus comícios são transmitidos diariamente na televisão, enquanto os candidatos da oposição têm pouco tempo de antena. Em vez disso, utilizam as redes sociais. O facto de o Governo de Erdogan não ter conseguido controlar a inflação de 67% poderá prejudicar as hipóteses do seu candidato, Kurum. “Abriremos a porta de uma nova era a 31 de março”, disse Erdogan num grande comício em Istambul, no domingo, na esperança de unir os apoiantes de Kurum. “Vamos trabalhar muito e reconquistar Istambul.”

Osman Nuri Kabaktepe, o líder do AKP em Istambul, disse à AFP que a cidade é crucial porque é “a porta de entrada [dos turcos] para o mundo”, comparando-a com a importância de Nova Iorque e Berlim. Berk Esen, professor associado da Universidade Sabanci de Istambul, retratou aquela cidade como “o maior prémio da política turca”. Segundo ele, a reconquista da cidade é extremamente importante para Erdogan, de 70 anos, que afirmou que as eleições autárquicas de março serão as suas últimas. “Obviamente, esta é a sua cidade. Mas vai para além disso”, disse Esen. “Istambul é uma cidade com enormes recursos municipais que presta serviços a 16 milhões de pessoas”, explicou.

Além disso, vários analistas acreditam que uma vitória dos candidatos de Erdogan nas grandes cidades daria um impulso para este tentar emendar a Constituição e poder concorrer a novo mandato em 2028.

As sondagens sugerem que em Istambul a corrida será renhida. Erman Bakirci, da empresa de sondagens Konda, insistiu que Imamoglu estava “à frente” e sugeriu que poderia haver “um fosso entre as sondagens e os resultados reais das eleições”.

Na capital, Ancara, o autarca do CHP, Mansur Yavas, parece estar à frente nas sondagens. Mas poderá haver “uma corrida muito renhida”, disse o especialista em comunicação política Eren Aksoyoglu, acrescentando que os aliados nacionalistas do AKP estão a “colocar todo o seu peso na batalha”. Os observadores dizem que o Partido DEM - acusado pelas autoridades de ligações a militantes curdos ilegais - irá dominar as grandes cidades do sudeste de maioria curda, incluindo Diyarbakir. Mas Aksoyoglu disse que alguns eleitores no sudeste podem estar desiludidos com o sistema político depois de 52 autarcas eleitos em 2019 pelo HDP (agora DEM) terem sido substituídos por administradores nomeados pelo Estado.   

Fatih Mehmet Macoglu, de 55 anos, durante uma ação de campanha em Kadikoy, Istambul. BULENT KILIC/AFP

O único autarca comunista tenta agora a sorte num município istambulense

Fatih Macoglu, o popular autarca comunista de uma cidade no leste da Turquia, está agora a disputar o controlo de um bairro vibrante e moderno de Istambul, ao longo das margens asiáticas do Bósforo.

Em 2019, foi eleito presidente da Câmara de Tunceli, uma cidade de maioria curda alevita na Anatólia oriental, conhecida por ser extremamente secular e de esquerda. Durante o seu mandato de cinco anos, ganhou elogios por ter mandado retirar as portas do seu gabinete como forma de transparência. Desta vez, o seu alvo é o Distrito de Kadikoy, em Istambul, um bastião do Partido Republicano do Povo (CHP). O carismático bigodudo  de 55 anos é candidato pelo Partido Comunista da Turquia (TKP), que não tem assento no Parlamento Nacional.

Em 2019, Macoglu tornou-se o primeiro autarca comunista de Tunceli, uma cidade que era anteriormente conhecida como Dersim e que tem uma história turbulenta. Assumiu o controlo de uma autarquia que tinha sido dirigida pelo partido pró-curdo HDP, até ser entregue a um administrador nomeado pelo Governo na sequência do golpe falhado em 2016 que visava derrubar Recep Tayyip Erdogan.

Macoglu recusou-se a usar o seu carro oficial e afixou as finanças da sua câmara numa faixa pendurada na fachada da edilidade para mostrar às pessoas como gastava o dinheiro. Abriu uma cooperativa para promover o mel e o grão-de-bico biológicos, cujas vendas financiavam estudantes universitários de famílias pobres, e ofereceu transporte gratuito aos estudantes. Questionado sobre se manteria a mesma abordagem inovadora se fosse eleito presidente de Kadikoy, Macoglu disse: “Claro que sim. A nossa cidade funciona porque temos um programa.”

A candidatura de Macoglu a Kadikoy, um distrito artístico com cafés, bares e galerias animadas, suscitou a repreensão dos apoiantes do CHP e do partido pró-curdo DEM, que também se candidata em Istambul. Afirmaram que Macoglu deveria ter-se candidatado a um município operário de Istambul ou ter ficado em Tunceli.

Macoglu prometeu transparência, liberdade e responsabilidade, incluindo a abertura dos recursos da autarquia ao público em geral, em vez de reservar os fundos para indivíduos ou monopólios. Afirmou que iria ser inclusivo em relação a todos os grupos, incluindo a comunidade LGBTQ, que se exprime livremente em Kadikoy e é frequentemente atacada pela aliança de direita de Erdogan.

Questionado sobre se a alcunha de “autarca comunista” o incomodava, Macoglu foi perentório: “De maneira alguma. Faz-me feliz.”