Estávamos tranquilamente a pesquisar os nomes dos criadores da série Sonhar em Negro, uma das novidades fresquinhas da Filmin, quando deparámos com o apelido Seixas. Laura Seixas. Hoje em dia, uma pesquisa rápida leva-nos logo a uma base mínima de esclarecimento: sim, Laura é portuguesa e a série em causa é um projeto importante na sua ainda curta mas dinâmica carreira. Vai daí quisemos saber mais sobre o que a liga a este título nomeado aos BAFTA e acabámos por descobrir que a jovem de 32 anos está a viver no Canadá, ocupada com novos projetos, tendo um pezinho criativo em Portugal e uma rodagem prestes a começar em Nova Iorque... Mas antes de chegar a Vancouver, uma coisa é certa: foi Dreaming Whilst Black (título original) que lhe deu uma rampa de lançamento.
Tudo começou em Londres. Um grupo de amigos, com quem fez o mestrado na MetFilm School, juntou-se para beber um copo, partilhar ansiedades e frustrações, e desse bate-boca veio a interrogação: “Porque é que não nos juntamos os quatro e tentamos fazer qualquer coisa? O “qualquer coisa” foi o Dreaming Whilst Black”, conta Laura ao DN, por chamada telefónica, explicando que a comédia agora em estreia no streaming da Filmin nasceu de um golpe inventivo em forma de websérie, que se tornou um pequeno grande fenómeno. “Criámos [em 2016] a 4Quarter Films, que era uma companhia minha, do Adjani Salmon, da Natasha Jatania e do Max Evans. E a websérie surgiu porque já estávamos todos fartos da falta de oportunidades para entrar na indústria. Então a ideia foi mesmo contar as nossas aventuras no showbusiness, relacionadas com o fazer coisas de assistente, etc., tudo isto através do Adjani, que acabou por ser o ator principal e assumir essas dificuldades na história.”
Adjani Salmon, o jamaicano que interpreta o protagonista da série, Kwabena, é das figuras mais simpáticas que vamos encontrar na atual paisagem colorida das sitcoms - ainda recentemente chegou à plataforma Such Brave Girls, outro exemplo notável do sangue jovem que está a renovar a ficção televisiva britânica. Mas Sonhar em Negro tem mesmo uma linha própria. Trata-se de mostrar o quotidiano londrino dessa personagem, um aspirante a realizador que, fora do horário de trabalho numa empresa de recrutamento, tenta avançar com o projeto do seu primeiro filme, apesar dos sucessivos obstáculos. Uns mais absurdos, outros mais hilariantes.
E aí estão espelhados os esforços na origem da série, de que Laura tem muito orgulho: “Obviamente, demorámos bastante tempo a fazer a webseries, porque éramos nós a financiá-la - quando tínhamos um bocadinho de dinheiro, fazíamos um novo episódio. Foi assim ao longo de quase dois anos. Depois, na altura em que saiu, fez imenso sucesso e houve uma produtora britânica que gostou, a Big Deal Films. Esta por sua vez apresentou à BBC, que também gostou, decidiram fazer um episódio piloto, a ver como funcionava, se teria algum impacto... e as pessoas gostaram! Logo com o episódio piloto, o Adjani ganhou um BAFTA como jovem talento, seguiu-se a compra pela A24, e agora pela Showtime, sendo que esta primeira temporada já foi renovada: eles estão neste momento em pré-produção.”
É caso para dizer que o humor de Sonhar em Negro, desde as microagressões sociais à intimidade mais descontraída, vive de um conhecimento sério da realidade, que acaba por ser parte do seu encanto genuíno. Isto ao mesmo tempo que Kwabena/Adjani assume o infinito charme da boa onda: é o indivíduo que se permite a devaneios no autocarro e responde com espírito jazzístico às manifestações “suaves” de racismo, ou aos mitos sobre a negritude, enquanto liberta um traço doce na sua tristeza.
“Todos o sentíamos, de uma forma ou de outra”, confessa Laura. “Eu, por ser estrangeira, perdi trabalhos - diziam que estava tudo excelente, mas que o passaporte não era o ideal. Passavam ao seguinte. A Natasha era a mesma situação, por ser indiana... E é engraçado porque, enquanto na América do Norte há um pouco mais de franqueza, ou seja, tu sabes com quem estás a lidar, em Inglaterra às vezes é difícil perceber, há pequenos detalhes, pequenas ações no dia-a-dia, que não permitem identificar os problemas”, criativa e socialmente falando. Ainda assim, não haja dúvidas: a experiência de viver 10 anos em Londres foi “incrível” para esta criadora e realizadora portuguesa, já de si nascida na Suíça e criada em Lisboa (com um interregno de infância em França, por causa do trabalho do pai).