Talento
19 abril 2024 às 08h44
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Laura Seixas, o contributo português para o sucesso Sonhar em Negro

Estreou-se há dias na Filmin a série que marcou o início da carreira de uma jovem portuguesa em Inglaterra. Sonhar em Negro tem uma estrela chamada Adjani Salmon, mas na sua origem está um projeto de amigos de que Laura Seixas faz parte. O DN conversou com a cocriadora deste êxito britânico.

Estávamos tranquilamente a pesquisar os nomes dos criadores da série Sonhar em Negro, uma das novidades fresquinhas da Filmin, quando deparámos com o apelido Seixas. Laura Seixas. Hoje em dia, uma pesquisa rápida leva-nos logo a uma base mínima de esclarecimento: sim, Laura é portuguesa e a série em causa é um projeto importante na sua ainda curta mas dinâmica carreira. Vai daí quisemos saber mais sobre o que a liga a este título nomeado aos BAFTA e acabámos por descobrir que a jovem de 32 anos está a viver no Canadá, ocupada com novos projetos, tendo um pezinho criativo em Portugal e uma rodagem prestes a começar em Nova Iorque... Mas antes de chegar a Vancouver, uma coisa é certa: foi Dreaming Whilst Black (título original) que lhe deu uma rampa de lançamento. 

Tudo começou em Londres. Um grupo de amigos, com quem fez o mestrado na MetFilm School, juntou-se para beber um copo, partilhar ansiedades e frustrações, e desse bate-boca veio a interrogação: “Porque é que não nos juntamos os quatro e tentamos fazer qualquer coisa? O “qualquer coisa” foi o Dreaming Whilst Black”, conta Laura ao DN, por chamada telefónica, explicando que a comédia agora em estreia no streaming da Filmin nasceu de um golpe inventivo em forma de websérie, que se tornou um pequeno grande fenómeno. “Criámos [em 2016] a 4Quarter Films, que era uma companhia minha, do Adjani Salmon, da Natasha Jatania e do Max Evans. E a websérie surgiu porque já estávamos todos fartos da falta de oportunidades para entrar na indústria. Então a ideia foi mesmo contar as nossas aventuras no showbusiness, relacionadas com o fazer coisas de assistente, etc., tudo isto através do Adjani, que acabou por ser o ator principal e assumir essas dificuldades na história.” 

Adjani Salmon, o jamaicano que interpreta o protagonista da série, Kwabena, é das figuras mais simpáticas que vamos encontrar na atual paisagem colorida das sitcoms - ainda recentemente chegou à plataforma Such Brave Girls, outro exemplo notável do sangue jovem que está a renovar a ficção televisiva britânica. Mas Sonhar em Negro tem mesmo uma linha própria. Trata-se de mostrar o quotidiano londrino dessa personagem, um aspirante a realizador que, fora do horário de trabalho numa empresa de recrutamento, tenta avançar com o projeto do seu primeiro filme, apesar dos sucessivos obstáculos. Uns mais absurdos, outros mais hilariantes. 

E aí estão espelhados os esforços na origem da série, de que Laura tem muito orgulho: “Obviamente, demorámos bastante tempo a fazer a webseries, porque éramos nós a financiá-la - quando tínhamos um bocadinho de dinheiro, fazíamos um novo episódio. Foi assim ao longo de quase dois anos. Depois, na altura em que saiu, fez imenso sucesso e houve uma produtora britânica que gostou, a Big Deal Films. Esta por sua vez apresentou à BBC, que também gostou, decidiram fazer um episódio piloto, a ver como funcionava, se teria algum impacto... e as pessoas gostaram! Logo com o episódio piloto, o Adjani ganhou um BAFTA como jovem talento, seguiu-se a compra pela A24, e agora pela Showtime, sendo que esta primeira temporada já foi renovada: eles estão neste momento em pré-produção.” 

É caso para dizer que o humor de Sonhar em Negro, desde as microagressões sociais à intimidade mais descontraída, vive de um conhecimento sério da realidade, que acaba por ser parte do seu encanto genuíno. Isto ao mesmo tempo que Kwabena/Adjani assume o infinito charme da boa onda: é o indivíduo que se permite a devaneios no autocarro e responde com espírito jazzístico às manifestações “suaves” de racismo, ou aos mitos sobre a negritude, enquanto liberta um traço doce na sua tristeza.

“Todos o sentíamos, de uma forma ou de outra”, confessa Laura. “Eu, por ser estrangeira, perdi trabalhos - diziam que estava tudo excelente, mas que o passaporte não era o ideal. Passavam ao seguinte. A Natasha era a mesma situação, por ser indiana... E é engraçado porque, enquanto na América do Norte há um pouco mais de franqueza, ou seja, tu sabes com quem estás a lidar, em Inglaterra às vezes é difícil perceber, há pequenos detalhes, pequenas ações no dia-a-dia, que não permitem identificar os problemas”, criativa e socialmente falando. Ainda assim, não haja dúvidas: a experiência de viver 10 anos em Londres foi “incrível” para esta criadora e realizadora portuguesa, já de si nascida na Suíça e criada em Lisboa (com um interregno de infância em França, por causa do trabalho do pai).   

O futuro visto de uma janela de Vancouver

Depois da aventura no Reino Unido, Laura Seixas estava a precisar de uma mudança, sem perder os laços com o que deixou para trás. Embora já não esteja tão ligada à nova temporada de Sonhar em Negro, continua a ter reuniões com os amigos, “para saber como é que a série está a ir”, e a frequentar cerimónias de prémios. “Ainda há pouco estive em Los Angeles para o Film Independent Spirit Awards, onde também estivemos nomeados!” 

Mas diz que este é o momento da tal mudança, iniciada com a ida para o Canadá, numa altura em que lhe chegaram propostas de Portugal... Entretanto, realizou um dos telefilmes da série Contado por Mulheres, para além da segunda temporada de A Espia (que está em pós-produção), ambas da Ukbar Filmes, e quer tomar as rédeas do seu futuro dedicando-se plenamente à realização. “Tenho alguns projetos. Já em junho, vou fazer uma curta-metragem em Nova Iorque, chamada Salome. É um thriller psicológico sobre abuso sexual, em particular sobre os efeitos a longo prazo; uma espécie de teste para uma longa-metragem. E aqui em Vancouver estou a criar outra curta, desta vez de animação e ficção-científica, havendo também alguns projetos em televisão, de que ainda não posso falar...”. Futuro não lhe falta. 

Tópicos: Filmin, Séries, Cultura