PS
08 maio 2024 às 22h57
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Isabel Moreira sugere crime de Ventura ao acusar Marcelo de traição

Deputado do PCP António Filipe recorda que o crime de insulto ao Chefe de Estado está previsto no Código Penal. Hemiciclo chumba em maioria proposta do Chega contra Marcelo.

Para Isabel Moreira, André Ventura proferiu “palavras difamatórias” quando acusou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de ter cometido uma traição à pátria. A deputada socialista vai mais longe e acusa o Chega de fazer um “número político”.

“É absurdo querer convencer alguém de que acredita que está preenchido o tipo de traição à pátria”, disse ao DN, acrescentando que “quando se fala de traição, quanto muito ele [André Ventura] é que está a cometer um crime. Não é mais ninguém.”

“Não sei se está em causa o Presidente ter oferecido a nossa soberania da mãe pátria ou ter posto em causa a independência nacional, para atos violentos, para não violentos”, afirma a deputada, com ironia, recordando o que está escrito na lei e que tem sido alegado pelo Chega para acusar Marcelo de traição por ter defendido, durante um jantar com jornalistas estrangeiros radicados em Portugal, a reparação histórica face às antigas colónias.

A lei diz que “o titular de cargo político que, com flagrante desvio ou abuso das suas funções ou com grave violação dos inerentes deveres, ainda que por meio não violento nem de ameaça de violência, tentar separar da Mãe-Pátria, ou entregar a país estrangeiro, ou submeter a soberania estrangeira, o todo ou uma parte do território português, ofender ou puser em perigo a independência do país será punido com prisão de dez a quinze anos”.

No entanto, para Isabel Moreira “é evidente que é patético. E André Ventura é jurista e sabe que está, ele sim, eventualmente a cometer um crime”. Para além disto, lembra a deputada, “não cabe à Assembleia da República estar a condenar o Presidente da República” e é absurdo [André Ventura] querer convencer alguém de que acredita que está preenchido o tipo de traição à Pátria. Não está.”

Isabel Moreira tinha apresentado esta quarta-feira esta posição durante a sua intervenção na Comissão de Assuntos Constitucionais, quando afirmou que “o Chega age conscientemente contra a honorabilidade do Presidente da República”, o que é “altamente difamatório”.

Ao DN, Isabel Moreira esclareceu que em nenhum momento disse que este processo levantado pelo Chega é “crime de difamação agravada”. “Eu não sou Ministério Público, não me cabe a mim qualificar”, sublinhou, enquanto recuperou as palavras do deputado do PCP António Filipe, que lembrou que o crime de insulto ao Presidente da República “está previsto e é punido no Código Penal”.

“Não estamos aqui para brincar com o dinheiro do povo, os deputados são pagos para fazer coisas sérias e não para gozar com quem trabalha”, considerou António Filipe.

Sendo público o crime de “ofensa à honra do Presidente da República”, tal como está previsto na lei, o DN contactou a Procuradoria-Geral da República para saber se o Ministério Público iria avançar com algum processo neste sentido. No entanto, até à hora de fecho desta edição não obteve resposta.

Ecos do passado

Não há nenhum caso político com contornos legais que se compare a esta contenda levantada pelo Chega contra Marcelo Rebelo de Sousa, mas, no caso de haver um contra-ataque, não seria a primeira vez que que um Chefe de Estado se insurgiria contra alguém com um mandato popular.

É preciso recuar até 1978, quando Helena Roseta, antiga deputada do PSD, na altura como diretora do Jornal Novo, publicou uma carta de um Paulo Portas de 16 anos com o título Três Traições. Na missiva, Paulo Portas, que anos mais tarde viria a tornar-se uma figura de proa do CDS, apontava o dedo a Mário Soares e Freitas do Amaral, por terem celebrado um acordo de governação (PS e CDS), e ao Presidente da República daquela altura, Ramalho Eanes, por o ter permitido e dado posse àquele Governo.
Ramalho Eanes tentou processar Paulo Portas, mas, por este ser menor de idade, não conseguiu.

Virou-se também para Helena Roseta, por ter publicado a carta, mas só conseguiu levá-la a tribunal em 1982, quando a social-democrata deixou de ter mandato popular.

Mais tarde, Helena Roseta venceria a contenda legal. De qualquer forma, este exemplo lembra que, de acordo com a explicação de uma fonte jurídica ao DN, “os deputados não respondem nem civil, nem criminal, nem disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem”.

Por este motivos, é possível que André Ventura não consiga de todo levar Marcelo ao Supremo Tribunal de Justiça, acabando também por não ver consequências legais para o seu lado.

Ainda assim, o líder do Chega acusou ontem Marcelo de ter coagido o Governo, que “sentiu necessidade de vir pelo menos dizer que não está a acompanhar esse processo”.

Já sobre a iniciativa do Chega contra Marcelo, foi reprovada por todas as forças políticas que estavam na Comissão de Assuntos Constitucionais.