As conclusões do relatório da associação Quebrar o Silêncio (que é apresentado quinta-feira) são claras: há um “aumento de casos de violência sexual contra homens na idade adulta.” Mas nem todos estes casos se traduzem em queixas.
Segundo a associação - que nasceu para dar apoio a vítimas deste tipo de abusos -, foram feitos, em 2023,124 novos pedidos de ajuda de homens e rapazes abusados sexualmente. A estes, juntam-se 55 pedidos por familiares e pessoas amigas de homens sobreviventes, 21 de mulheres vítimas de violência sexual, 10 cuja informação é incompleta e cinco por homens vítimas de violência doméstica. No total, desde que começou a funcionar, a Quebrar o Silêncio já recebeu 718 pedidos de ajuda feitos por homens.
Há sete anos a acompanhar os números, o presidente da associação, Ângelo Fernandes, diz que este aumento se deve ao trabalho de consciencialização que tem sido feito. “Aquilo que queremos fazer é consciencializar as pessoas para saberem que a violência sexual contra homens não acontece só na infância ou na pré-adolescência e que pode acontecer em diferentes fases da vida. Ainda é um tema tabu, com muitos estigmas e preconceitos. É muito fácil as vítimas permanecerem em silêncio”, diz o responsável.
Segundo os dados hoje apresentados, a média de idades dos queixosos é de 37 anos. A vítima mais nova tem 19 anos, a mais velha 68. Isto deve-se ao facto de “a maioria dos homens demorar mais de 20 anos até procurar apoio”.
Compilando vários testemunhos no site da associação, Ângelo Fernandes explica que muitas vítimas dizem “nunca ter encontrado histórias como as deles”, existindo assim um espaço de partilha. “A questão do isolamento é-nos muito cara. Queremos trabalhar para chegar a mais homens.”
Ainda assim, o perfil destas vítimas não pode ser traçado. “Essa é uma questão muito importante e nas formações que se fazem com profissionais isso é deixado claro. Estes homens são parte da vida das pessoas. São os amigos, são os colegas, é o marido, o irmão, o primo, o amigo. São as pessoas com quem nós lidamos todo o dia. Só que não se tem noção do sofrimento que carregam internamente”, justifica o presidente da associação. No fundo, “qualquer homem pode ser vítima de abuso sexual”.
Este esconder do sofrimento deve-se, segundo diz, a perceções sociais. “Há aquela ideia de que o homem tem de estar sempre bem. Isto é uma pressão que muitos carregam e que acabam por referir que usam uma máscara para fingir que está tudo bem.”
De acordo com a Quebrar o Silêncio, estes abusos são cometidos, na sua larga maioria, por homens. Os dados mostram que 84,5% dos abusadores são do sexo masculino, os restantes 14,5% eram mulheres. Houve também casos, diz a associação, de abusos feitos em contexto médico. Isto significa que foram cometidos “por exemplo, em consultas ou exames médicos, nos quais os profissionais usaram o seu estatuto e a sua posição de poder para abusar dos utentes”.
Apesar de também haver dados agregados por região, a associação não os divulga. Tudo em nome da confidencialidade e da proteção das vítimas. Afinal, “às vezes há uma região que só tem um caso e isso pode comprometer este aspeto”.
Mas a ajuda não se limita apenas a Portugal, segundo conta Ângelo Fernandes. “Há casos que nos chegam que são de fora do país. No fundo, são homens portugueses que emigraram para outros países, mas como não há este tipo de respostas, procuram-nos a nós.”