África
03 maio 2024 às 23h22
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Estados Unidos e Rússia obrigados a partilhar base militar no Níger

O secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, disse não existir um problema de segurança para as tropas dos EUA, pois os militares russos estão num complexo separado.

A Base Aérea 101, nos arredores da capital do Níger, Niamey, que tem albergado forças norte-americanas, é agora ocupada também por tropas russas, admitiu o secretário da Defesa dos Estados Unidos, negando que isso constitua um problema. Uma decisão que é sinal da reconfiguração política do Níger desde o golpe de Estado de julho de 2023 - que derrubou o então presidente Mohamed Bazoum - sendo que a nova Junta procura uma aproximação a Moscovo, ao ponto de ter pedido a saída dos militares norte-americanos, o que Washington já aceitou.

Esta base fica localizada junto ao aeroporto internacional de Niamey e, segundo um alto funcionário do Departamento de Defesa norte-americano ouvido pela Reuters, os militares de Estados Unidos e Rússia não se misturam, estando os russos a usar um hangar separado dos restantes militares estacionados no local. “A situação não é ótima, mas administrável no curto prazo”, referiu a mesma fonte à Reuters. Não é conhecido o número de militares estacionados na Base Aérea 101 ou que equipamento os Estados Unidos ainda lá têm, sabe-se apenas que estão destacados no Níger cerca de mil soldados norte-americanos.

A entrada dos militares russos na Base Aérea 101 deixa as tropas dos Estados Unidos e da Rússia numa peculiar situação de vizinhança numa altura em que os dois países vivem uma época de grande tensão diplomática e militar devido, em grande parte, à guerra na Ucrânia. 

O secretário da defesa norte-americano, Lloyd Austin, explicou que “os russos estão num complexo separado, sem acesso às forças americanas ou ao seu equipamento”. “Estou sempre focado na segurança e proteção das nossas tropas, mas, neste momento, não vejo aqui um problema significativo em termos de proteção da nossa força”, acrescentou Lloyd Austin.

A junta militar do Níger confirmou em abril que estão em curso conversações com os Estados Unidos sobre a retirada das tropas, com o objetivo de determinar um calendário o mais rapidamente possível. O primeiro-ministro do Níger, Ali Lamine Zeine, deslocou-se recentemente a Washington para tentar fazer avançar este diálogo, sendo que os Estados Unidos já suspenderam a maior parte da cooperação, incluindo a militar, com o Níger depois do golpe. 

Em março, o Níger denunciou o acordo de cooperação militar assinado com os Estados Unidos em 2012, alegando que este tinha sido “imposto unilateralmente” por Washington. Os mil soldados norte-americanos presentes no Níger estão envolvidos na luta contra o extremismo islâmico no Sahel e têm uma importante base de drones em Agadez - na sequência do golpe de Estado, os Estados Unidos transferiram algumas das suas tropas da Base Aérea 101 para a Base Aérea 201, localizada precisamente em Agadez, construída por Washington, tendo custado mais de 100 milhões de dólares (cerca de 93 milhões de euros).

No mês passado, o Níger foi palco de várias manifestações a exigir a saída das tropas norte-americanas do país, a última das quais realizada em Agadez no dia 24, e organizada por duas dezenas de associações da sociedade civil que apoiam o regime militar que chegou ao poder através do um golpe de Estado de 26 de julho de 2023. Segundo a AFP, as bandeiras do Burkina Faso, do Mali, do Níger e da Rússia eram visíveis na manifestação, bem como faixas com dizeres como “Estamos em Agadez, não em Washington, exército americano sai”. 

Além do Níger, os Estados Unidos e outros países aliados têm vindo a ser obrigados a retirar as suas tropas de vários países africanos na sequência de vários golpes de Estado que levaram ao poder grupos que querem um afastamento do Ocidente. Só nos últimos tempos Washington teve de abandonar o Chade, enquanto que a França foi obrigada a sair do Burkina Faso e do Mali. 

A decisão da retirada das forças especiais norte-americanas do Chade acontece no contexto do corte de relações diplomáticas e militares entre vários países do Sahel, nomeadamente do Mali, Burkina Faso e Níger, e o Ocidente, sobretudo a França, mas também Estados Unidos, e do reforço paralelo das relações entre os mesmos países e a Rússia. Em janeiro, Moscovo havia anunciado que tinha concordado “em intensificar” a cooperação militar com o Níger. 

ana.meireles@dn.pt