Assembleia da República
27 março 2024 às 00h12
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Impasse. Votações polémicas são prenúncio da ingovernabilidade

Chega junta-se ao PS e impede eleição de Aguiar-Branco para a presidência da Assembleia da República, com André Venturaa desafiar Luís Montenegro a “não governar em cima do muro”.

A eleição do presidente da Assembleia da República, que não foi conseguida após três votações, ilustra as dificuldades que o primeiro-ministro indigitado, Luís Montenegro, terá para governar sem apoio parlamentar maioritário. O candidato da Aliança Democrática (AD), José Pedro Aguiar-Branco, nem sequer foi o mais votado, ficando dois votos atrás do socialista Francisco Assis na segunda e na terceira votações, realizadas ontem à noite. 

Aguiar-Branco conseguiu apenas 88 votos nas duas últimas votações. Apesar de o voto ser secreto, com cada um dos deputados a ser chamado para colocar o seu voto numa urna na sala do plenário, esse resultado indicia que o social-democrata teve apenas o apoio dos 78 parlamentares do PSD, dos dois do CDS-PP e dos oito da Iniciativa Liberal (IL).

No final da terceira votação, com um impasse que leva a que possam ser apresentadas novas candidaturas hoje de manhã, até às 11h00, André Ventura voltou a desafiar Luís Montenegro a “um entendimento à direita” que permita a eleição de um deputado da AD para a presidência da Assembleia da República. “Estou disponível à hora que ele quiser e no lugar em que ele quiser”, disse o líder do Chega, que foi alcunhado de “irresponsável” pelo líder da IL, Rui Rocha, que descreveu o episódio como o “triste espetáculo” provocado pela “birra de uma criança grande”.

Os sinais de que a segunda figura do Estado não ficaria definida na primeira sessão da legislatura tornaram-se claros na primeira votação, realizada durante a tarde, quando José Pedro Aguiar-Branco era o candidato único. Naquilo que o ainda líder parlamentar social-democrata Joaquim Miranda Sarmento descreveu como “a primeira coligação negativa desta legislatura”, as bancadas parlamentares do PS e do Chega contribuíram para que o social-democrata tivesse apenas 89 votos favoráveis, com 134 votos em branco e sete nulos.. 

Na segunda votação, o candidato socialista Francisco Assis foi o mais votado, com 90 votos, mais dois do que José Pedro Aguiar, enquanto a deputada do Chega Manuela Tender teve apenas 49 votos. Houve ainda dois votos em branco e um dos 230 deputados não esteve presente na votação noturna.

Os resultados foram anunciados pelo deputado comunista António Filipe, responsável pela condução dos trabalhos, que instruiu os deputados a “não saírem dos seus lugares”, de modo a que a segunda volta, entre Assis e Aguiar-Branco, enquanto candidatos mais votados, se realizasse logo que a ata da votação estivesse elaborada. Mas os resultados mantiveram-se inalterados, com 52 votos em branco.

Explicações do inesperado

À tarde, quando falhou a primeira tentativa de eleger Aguiar-Branco, nos corredores surgiram várias explicações para o “inesperado”. Um dirigente do Chega, sorridente, explicava o resultado com “deputados do PSD que não votaram no seu próprio candidato”. Quantos? “Cerca de de 10”, responde. Como é que sabe isso? Um sorriso e uma frase curta: “… porque os conheço”. E garante logo a seguir que “houve deputados” da sua bancada que votaram no antigo ministro da Defesa social-democrata. 

A “teoria”, como lhe chama um dirigente do PSD, “não faz sentido nenhum” porque Luís Montenegro “deu indicações a todos os deputados para que votássemos a favor de todos os candidatos”. A argumentação era simples: “respeitar o voto dos portugueses”. E os 10 que terão furado, como alega o Chega, essa disciplina de voto? “Ele que diga os nomes. Não acredito nisso”.

Há, no entanto, um “incómodo” com os socialistas. E tudo, alegadamente, por causa de uma chamada não atendida. “O Aguiar-Branco ligou ao Pedro Nuno Santos e ele não atendeu nem ligou mais tarde”, explica. E telefonou porquê?  “Para falarem sobre a votação desta tarde [ontem]”.

No entanto, assegura, “nem todos os socialistas recusaram votar em Aguiar-Branco. Houve um que o fez”. Como é que sabe disso? Um riso e uma resposta direta. “por causa da caneta que usou”.

IL fora do Governo

Logo de manhã, o PSD e a Iniciativa Liberal confirmaram que, como tinha sido avançado pelo DN, não haverá participação dos liberais no Governo de Luís Montenegro ou outro tipo de “entendimentos alargados”, nomeadamente acordos de incidência parlamentar. 

Apesar disso, os partidos concluíram que “o diálogo deve manter-se durante a legislatura”, sendo assumido que se comprometem a discutir, “sempre que tal se justificar, as melhores soluções em matérias relevantes para a vida e o futuro dos portugueses”.

A hipótese de a IL ter dois ministros foi discutida pelos dois partidos, mas não chegou a haver consenso sobre pastas e políticas. Tal inclusão não seria suficiente para assegurar maioria absoluta ao Governo, que passaria a contar com o apoio de 88 deputados, ou sequer a superação da soma dos 78 deputados do PS com os 13 eleitos do Bloco de Esquerda, PCP e LIvre, e com a deputada única do PAN.

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