Debate
18 fevereiro 2024 às 22h48
Leitura: 8 min

Luís Montenegro deu lugar aos desafios de Rui Rocha na mesa das soluções

Debate entre os líderes da Aliança Democrática e Iniciativa Liberal decorreu em clima de entendimento pós-eleitoral, com Montenegro a garantir "aproximação" às posições de quem vê como futuro parceiro de governação. Mas sem deixar de apelar no voto útil que é contrário aos interesses de quem lhe lançou dez desafios.

Mesmo antes de pedir à moderadora Clara de Sousa que fizesse chegar a Luís Montenegro uma folha de papel, na qual estavam dez desafios da Iniciativa Liberal ao PSD, Rui Rocha olhou para o mobiliário do estúdio da SIC e disse algo que para grande parte dos eleitores que pretendem mudança a 10 de março não deixa de ser uma constatação: "A solução para o país está nesta mesa e qualquer voto que não esteja representado nesta mesa bloqueia as soluções e mantém o PS na governação."

Foi a resposta pronta do presidente da Iniciativa Liberal ao inevitável apelo do líder da Aliança Democrática à concentração de votos numas legislativas em que, além da eleição de deputados, "está em causa a escolha entre duas opções para liderar o Governo". Luís Montenegro disse que os eleitores "têm que ter esse factor em linha de conta", recordando que o partido liderado pelo seu interlocutor decidiu ficar de fora, "por vontade própria", da coligação que elegeu Carlos Moedas para a Câmara de Lisboa, "sem inviabilizar a vitória, mas tornando-a mais apertada do que poderia ter sido". E sem esquecer que o deputado liberal dos Açores se juntou ao PS e ao Chega na inviabilização da ação governativa, levando às eleições antecipadas que resultaram na "vitória histórica" da AD.

Rui Rocha argumentou que "a proposta do PSD não é suficiente para a transformação necessária" do país, defendendo o "voto estratégico de mudança" na Iniciativa Liberal. E por isso fez chegar às mãos de Luís Montenegro os tais "dez desafios ao PSD para um Portugal com futuro". O realizador não fez zoom, mas o documento enumera uma redução significativa de impostos no IRS, IRC e tributação sobre profissionais liberais e trabalhadores individuais, uma reforma da saúde com um modelo de parceria público-privada "similar ao alemão", "respeito pelo dinheiro dos contribuintes com modernização e simplificação administrativa", "mais soluções para as famílias, com cheque-creche no valor de 480 euros mensais", redução da tributação sobre rendimentos prediais de arrendamento, construção e aquisição de habitação própria, introdução de um pilar de capitalização na Segurança Social, novo sistema de avaliação para definir remunerações na Administração Pública, aumento da oferta, frequência e concorrência dos diferentes transportes coletivos e expansão da rede ferroviária, introdução do círculo de compensação nacional no sistema eleitoral e resolução do problema da escassez de água em Portugal.

Debater cada um destes pontos acarretaria um tempo de debate mais próximo de alguns filmes de Manoel de Oliveira do que menos de meia hora, pelo que não foi possível assistir a muito mais do que harmonia condicionada entre os líderes. Luís Montenegro defendeu a "ambição muito grande de transformar o país" que vê no PSD e na AD, procurando não hostilizar Rui Rocha quando este acusou a alteração nos impostos que a coligação defende de desagravar apenas cinco euros mensais na carga fiscal incidente sobre alguém com 40 anos e que tenha um salário de 1500 euros brutos, enquanto os liberais retirariam 109 euros ao que tal pessoa pagaria de IRS.

Para defender o seu programa, o líder da AD recordou as medidas complementares que incluem uma taxa máxima de 15% de IRS para quem tenha até 35 anos e a isenção de 100% nos prémios de desempenho até ao valor de um salário mensal. Admitindo que a proposta de Rui Rocha "é diferente da nossa", realçou que dirigir apoios a esse segmento da população é "dar argumentos aos jovens para ficarem cá" e "estimular a produtividade no país".

As divergências entre Montenegro e Rocha, ainda com o segundo a defender que as reduções de carga fiscal da Iniciativa Liberal "são para todos" e "representam mesmo a transformação do país", foram mais evidentes na saúde. A "divergência concetual", como lhe chamou o social-democrata, reside no facto de a AD "entender que a base do sistema é o Serviço Nacional de Saúde" que, "como não tem capacidade ilimitada", precisa de colaborar com os sectores privado e social. Enquanto isso, para a Iniciativa Liberal "a escolha deve existir sempre", como já sucede com os funcionários públicos devido ao sistema da ADSE, "mas sem sair mais dinheiro do bolso das pessoas". O líder da AD admitiu que poderá vir a ser assegurada liberdade de escolha aos utentes em algumas especialidades médicas e em alguns tratamentos, aproximando-se da "visão mais concorrencial" do eventual futuro parceiro de governação.

Ainda maiores foram as distâncias entre Montenegro e Rocha na questão da privatização da Caixa Geral de Depósitos. O líder do PSD e da AD defendeu a necessidade de Portugal ter um banco público, agora com "excelente gestão e resultados que ajudam a equilibrar as contas públicas", vendo-o como "uma válvula de segurança" no sistema financeiro português. Nada convencido, o presidente da Iniciativa Liberal voltou a defender a privatização, temendo a "intervenção política" na Caixa, na senda da proposta do Bloco de Esquerda para que o banco público intervenha no mercado para baixar spreads no crédito à habitação. Algo que permitiu a ambos concordar que um entendimento entre Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua seria "gravoso para os portugueses".

Após novo consenso, quanto à necessidade de reprivatizar a TAP, Montenegro e Rocha terminaram a concordar na necessidade de um pacto para reformar a Justiça. O debate começara justamente pelas implicações de uma investigação judicial na política, com Rui Rocha a reafirmar que Miguel Albuquerque não tem condições para continuar à frente do Governo Regional da Madeira e que "a melhor solução é ir para eleições", afastando a possibilidade de o deputado único liberal substituir a eleita do PAN na viabilização do governo minoritário de centro-direita.

Menos taxativo, Montenegro reconheceu que a manutenção do atual executivo em gestão é "uma solução provisória" até o Presidente da República readquirir a possibilidade de dissolver a Assembleia Legislativa Regional, mas mesmo aguardando o "desenvolvimento processual e da atividade política", o que poderá alterar as circunstâncias de Albuquerque, "não é a condição de arguido que diminui capacidade de governar".