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05 novembro 2024 às 00h54
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Processo judicial da brasileira Azul pode afetar privatização da TAP

DN revela notificação enviada pela companhia aérea brasileira à Bondholders, empresa que é “agente de segurança” do acordo de 2016, que emprestou 90 milhões à TAP SGPS.

A Azul acionou o agente fiduciário do empréstimo concedido em 2016 à TAP SGPS para que analise a situação de “incumprimento” das condições do contrato por parte da companhia portuguesa.

O DN teve acesso a uma notificação assinada pela presidência da Azul e enviada a John Perlaza, sócio da Bondholders - firma com sede em Valência, Espanha, que é “security agent” da negociação -, à Parpública, empresa que gere as participações financeiras do Estado português, e à direção da TAP. No documento, a Azul pede à Bondholders “urgência” na análise da situação e exige que este agente fiduciário realize “uma assembleia extraordinária” para discutir as faltas da TAP SGPS no cumprimento do acordo.

A empresa brasileira também pede que a Bondholders avalie “a possibilidade de desencadear a extinção antecipada dos bonds” por causa dos incumprimentos contratuais. Significa que o Governo português poderá ser obrigado a pagar, antes de 2026, o valor que, de acordo com o extrato mais recente feito pelo Banco Santander, no mês de junho, está em cerca de 165, 7 milhões de euros.

O processo poderá afetar a privatização da companhia aérea portuguesa. E caso haja uma decisão que antecipe o pagamento, o Estado terá de adiantar o valor em causa, já que a TAP S.A. - que era o principal ativo da TAP SGPS e que é a empresa que gere a operação aérea sob o nome TAP - deixou de integrar a holding, medida que a Azul denuncia como um dos incumprimentos do contrato.

A TAP SGPS ainda detém a Portugália, mas a companhia deve passar para a TAP S.A. através de uma injeção de capital do Governo, para que entre nos ativos a serem privatizados.

A medida, denuncia a Azul, é mais uma tentativa do Governo “de esvaziar” a TAP SGPS, emissora das obrigações, de forma que a empresa ficará sem recursos para o pagamento do empréstimo à companhia brasileira.

Governos acompanham litígio

No final do mês de setembro, a Azul enviou uma carta a representantes da diplomacia do Governo brasileiro a pedir apoio para uma “solução da disputa comercial com a empresa pública portuguesa, que põe em risco a cooperação bilateral no setor de aviação civil”.

O DN teve acesso ao documento e sabe que este chegou à Embaixada do Brasil em Lisboa e aos gabinetes dos ministros das Finanças e das Infraestruturas de Portugal.

No mesmo documento, a Azul acusa o Estado português de se estar a “apropriar de um ativo de propriedade do investidor estrangeiro, sem a correspondente indemnização”.

Pela negociação, a empresa aérea brasileira financiou a portuguesa com o valor de 90 milhões de euros ao adquirir bonds convertíveis em ações. O valor no vencimento, que será em 15 de março de 2026, será de aproximadamente 189,5 milhões de euros.

Durante uma reunião em Lisboa no final de outubro, o ministro de Portos e Aeroportos do Brasil, Silvio Costa Filho, discutiu a questão com o ministro das Infraestruturas de Portugal, Miguel Pinto Luz. O governante brasileiro disse ao DN que os dois países estão a acompanhar o diálogo entre as empresas, mas que aguardam o resultado do processo jurídico em curso.

Na notificação à Bondholders, a Azul afirma que “dado o contexto global que envolve a operação do Grupo TAP, os aspetos descritos e exigidos nesta comunicação são assuntos urgentes e devem ser tomadas medidas imediatas” por parte do agente, “para evitar consequências prejudiciais adicionais para todos os obrigacionistas”.

A empresa espanhola foi fundada em 2013 e presta serviços como um agente fiduciário independente, uma espécie de fiscal, que representa os interesses de quem detém as obrigações e que garante que os termos acordados entre o emitente, ou devedor (nesta caso, a TAP SGPS) e o emissor ou investidor, que é o credor, (neste caso, a Azul) são cumpridos através de uma negociação. No seu site, a empresa afirma trabalhar “sob a legislação inglesa, espanhola e portuguesa na Europa”.

O DN tentou contactar a Bondholders via e-mail, mas não obteve resposta até o fecho desta edição.


caroline.ribeiro@dn.pt