Iémen
21 setembro 2024 às 00h04
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Houthis no poder: 10 anos de guerra, provocações e pobreza acentuada

O movimento rebelde, que nasceu contra a influência religiosa saudita, tomou a capital há uma década, num trajeto cada vez mais repressivo para a população e desafiante para a região.

"Morte à América, morte a Israel, malditos sejam os judeus e vitória do islão!” é o mote dos houthis, milícia armada que há dez anos entrou pela capital do Iémen, Saná, e passou a controlar parte significativa do país mais pobre da região. Sem reconhecimento oficial de qualquer país, mas gozando de laços com o Irão, a liderança houthi tem mantido uma guerra civil contra vários atores e resistiu à campanha militar internacional liderada pela Arábia Saudita. Em resultado, a ONU chegou a classificar no Iémen “a pior crise humana”. Apesar de já não estar no auge da crise, estima-se que 17,6 milhões - cerca de metade da população -. sofrem de insegurança alimentar aguda. 

O Iémen não era um país rico nem pacífico, refira-se. Foi unificado em 1990 entre um sul regido por uma junta militar ao estilo nacionalista árabe e um norte comunista, tendo permanecido no poder Ali Abdullah Saleh (que já presidira à República Árabe do Iémen de 1978 a 1990) até 2012, quando, após meses de protestos contra a corrupção e pró-democracia, os ventos da primavera árabe o derrubaram. Deixou o poder ao seu vice-presidente, mas Saleh não se retirou da vida política, tendo urdido com os houthis o assalto ao poder de 21 de setembro de 2014. 

Cartaz com a imagem de Hussein al-Houthi, o fundador do movimento Ansar Allah, em Saná. (Abdallah ADEL / AFP)

Os houthis devem o seu nome a Hussein Badreddin al-Houthi, um clérigo e deputado na década de 1990 do norte do Iémen. Filiado na corrente do zaidismo do islão xiita, o movimento por si fundado, Ansar Allah (“Partidários de Deus”), nasce em reação à influência crescente da corrente fundamentalista importada da vizinha Arábia Saudita, o wahhabismo. Os zaiditas, concentrados no noroeste do país, constituem cerca de um terço da população iemenita. Al-Houthi liderou uma rebelião em 2004, tendo então sido morto pelas forças governamentais. Mas o movimento não perdeu força. Dez anos volvidos do golpe que levou o movimento a tomar a capital -- e que teria como capítulos seguintes o fim da aliança com Saleh e consequente assassínio, e o eclodir de guerras, que balanço?

O país “recuou 50 anos”, lamentou à AFP Yahya, de 39 anos, que, como muitos, prefere não revelar o seu nome completo com medo de represálias. “Antes, pensávamos em como comprar um carro ou uma casa. Agora, pensamos em como nos alimentarmos”, acrescentou Abu Jawad, de 45 anos. 

Centenas de milhares de mortos nas guerras, negociações falhadas ou em banho-maria, indicadores económicos e de saúde dos mais baixos do mundo, um regime que se tornou cada vez mais totalitário e repressivo, ao ponto de os houthis terem sido qualificados como organização terrorista pelos EUA (primeiro pela administração Trump, agora pelo governo de Biden). Interna e externamente o conflito não tem fim à vista, agravado pelas provocações dos houthis à comunidade internacional e a Israel desde o início da guerra com o Hamas, num alinhamento cada vez maior com Teerão.

No que dizem ser em solidariedade para com a Palestina, os houthis atacaram com drones e mísseis cerca de cem navios alegadamente com ligações a Israel. Entre os casos mais graves, um cargueiro com fertilizantes e um navio mercante afundaram, e um petroleiro ardeu parcialmente. Estes ataques levaram à criação da operação naval Guardião da Prosperidade, liderada pelos Estados Unidos, mas os rebeldes continuam a infligir danos. 

O governo reconhecido internacionalmente, fugido de Saná, tem sede em Adém, a cidade portuária que outrora foi a capital do protetorado britânico. Outros atores a ter em consideração são o Conselho de Transição do Sul, um partido secessionista apoiado pelos Emirados Árabes Unidos, e que controla áreas do sul do país; as Forças Conjuntas da Costa Oeste, uma associação de três milícias também apoiadas pelos Emirados e que combatem os houthis; sem esquecer a Al-Qaeda na Península Arábica, organização terrorista que nos últimos meses foi acusada de colaborar com os houthis.

Em 2018, um painel de peritos das Nações Unidas fazia uma análise que se mantém atual: “O Iémen, enquanto Estado, deixou praticamente de existir. Em vez de um Estado único, existem estados em guerra, e nenhum dos lados tem o apoio político ou a força militar para reunificar o país ou alcançar a vitória no campo de batalha.”

cesar.avo@dn.pt

Tópicos: Houthis, Iémen, guerra