Vera Amaro é cuidadora há 30 anos. Em 1994, o filho mais velho, Ricardo, hoje com 32 anos, adoeceu pela primeira vez. Então com 2 anos, foi-lhe detetado um tumor cerebral, que o obrigou a fazer tratamentos. A esse, seguiu-se um na coluna, depois outro nos pulmões. “Tirando isso”, diz a mãe, tem ainda “uma hidrocefalia aguda, epilepsia, diabetes, uma lesão degenerativa a nível do sistema nervoso central, demência e ataxia [falta de coordenação de movimentos musculares]”.
Cuidando do filho “desde que nasceu”, Vera coloca a “segurança” de Ricardo acima de tudo. Mas não chega. Há carências, sobretudo, a nível hospitalar. “Nós nem temos médico de família”, lamenta Vera. “Por exemplo”, se a cuidadora ficar doente, “é preciso que alguém dê um cuidado” a Ricardo, mas isso “também não existe”. “O estatuto de cuidador informal existe, mas de que vale tê-lo, nestas situações? Não tem qualquer sentido. E se ele ficar doente, internado, eu também não o posso acompanhar, não me deixam.”
Desde que é cuidadora, Vera nunca conseguiu trabalhar a tempo inteiro. A alternativa foram as “formações profissionais”, enveredando pela via da estética. “Na altura em que o Ricardo estava bem, era o que fazia. Mas foi muito pouco tempo”, conta. Entretanto o filho teve alguns acidentes vasculares cerebrais (AVC) e Vera teve de deixar de trabalhar. Até porque, explica ao DN, há mais dois filhos, ambos mais novos: Rafael, com 22 anos, e Miguel com 13. Articular os cuidados a Ricardo e o apoio aos filhos mais novos “não foi fácil”, mas o facto de terem “quase 10 anos entre eles” ajudou. “O Rafael, com 22 anos, foi tão cuidador informal quanto eu. Sempre soube tratar do irmão, sempre soube tirar uma fralda ou dar-lhe de comer”, diz Vera.
Cuidar dos cuidadores informais é algo que ainda não se sente. Vera confessa mesmo que até aos dias em que ela própria teve “grandes crises de sinusite e covid-19” nunca tinha pensado nisso. Aí, quando foi preciso, teve de pedir à mãe para lhe dar um auxílio.
“Ela mora aqui em frente, então levei o Ricardo para lá, esteve lá dois dias. Se eu precisasse de me levantar durante a noite para apoiar o Ricardo não conseguia, então foi a melhor solução”. No entanto, a lei prevê que os cuidadores possam ter apoio psicológico ou, até, direito a férias.
Ainda que cuide do filho desde 1994, Vera Amaro só em 2022 viu reconhecida, formalmente, a sua situação de cuidadora informal. Esta é, aliás, uma situação relativamente comum. Segundo a Associação Nacional dos Cuidadores Informais (que utiliza os números do Instituto de Segurança Social, ISS, referentes a julho), haverá, atualmente, cerca de 15 mil cuidadores informais reconhecidos com o estatuto em Portugal. Mas a estimativa é que o número seja maior.
“Muitas pessoas não têm estatuto de cuidador informal”, diz Maria Anjos Catapirra, vice-presidente da associação. E há três grandes motivos: “Desconhecimento. Há muitas pessoas que nem sabem o que é o estatuto. A burocracia também não ajuda, é difícil pedir o reconhecimento como cuidador. Depois, as pessoas não entendem que o estatuto não é um subsídio. E querem um subsídio. Como não se limita a sê-lo, mas sim um conjunto de medidas entre as quais um subsídio, quando as pessoas percebem isto e chegam à conclusão de que não é só ter um subsídio, não pedem. Até porque este apoio só é atribuído entre a faixa etária dos 18 anos e a idade da reforma [do cuidador]. A partir daí deixa de haver subsídio.”
Sandra Carvalho, 42 anos, é cuidadora há sete, altura em que começou a tomar conta do marido, doente com esclerose múltipla, que está reformado por invalidez e, de momento, tem um grau de incapacidade avaliado em 80%. Além disso, planeia também começar a ser cuidadora de “outra senhora, com 68 anos”.
Apesar disso, não tem ainda o estatuto de cuidadora informal. “Tenho alguma autonomia, apesar de tomar conta do meu marido há algum tempo. Trabalho por conta de outrem, de forma remota. Então, tenho mais facilidade de logística, de horários e por aí fora. Só agora vou pedir o estatuto, porque essa outra senhora, como já tem uma idade mais avançada, tem outro tipo de necessidades, até ao nível da mobilidade, de deslocações para consultas ou, até, em termos de alimentação”, explica.
Tal como Vera, Sandra também é mãe. Neste caso, uma adolescente, com 16 anos, e outra, mais nova, com 5, “ainda um pouco dependente”. Coordena, por isso, a vida de mãe com a situação de cuidadora, contando “com a ajuda dos familiares”. Mas “há coisas básicas, como vestir a filha mais nova, que a minha sogra não consegue, tenho de ser eu. Não é fácil articular tudo”.