Atletismo
20 julho 2024 às 11h04
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Associações de Lisboa e Setúbal questionam inscrição de Pichardo

"Não sei, mas é bom saber se a medalha e os mínimos olímpicos são válidos”, diz ao DN Luís Jesus da Associaçáo de Atletismo de Lisboa. A Federação defende que atleta sempre esteve registado. Benfica e atleta em silêncio.

Algumas associações de Atletismo, incluindo Setúbal e Lisboa, estão a questionar a validade da inscrição de Pedro Pichardo, bem como a participação do Campeão Olímpico do triplo salto em provas internacionais, junto da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA). Em causa, segundo a troca de e-mails  a que o DN teve acesso, está o facto de o atleta, que está em litígio contratual com o Benfica, surgir filiado (inscrito) no dia 8 de julho, às 19.55, sem a “necessária validação legal” da Associação de Atletismo de Lisboa (AAL).

E como a filiação administrativa aconteceu já depois de o triplista ter competido na Liga Diamante e ter conseguido a marca de qualificação olímpica para Paris2024, no dia 20 de abril, e de ter competido nos Europeus de Roma, onde no dia 11 de junho conquistou uma Medalha de Prata, “é legítimo” questionar se são válidas, disse ao DN Luís Jesus, presidente da AAL, entidade que valida as filiações dos atletas e clubes de Lisboa e que foi ultrapassada nessa função no caso de Pichardo.

“O atleta tem de estar registado na Federação e o registo é a filiação. Se ele não estava filiado até dia 8, também não estava registado. Por isso, olhando às regras do nosso atletismo, o atleta não podia ter ido representar Portugal nos Europeus, nem podia ter ido à Liga Diamante, mesmo que seja uma prova por convite. Não sei, mas é bom saber se a medalha vai ficar com o Pichardo e se os mínimos olímpicos são válidos. Esta é a minha interpretação. A Federação provavelmente terá outra”, disse ao DN o líder da AAL.

A mesma “indignação” mostrou o presidente da Associação de Atletismo de Setúbal, numa carta aberta enviada a todas as associações e à direção da Federação, a que o DN também teve acesso. José Serrano vincou o “atropelo dos regulamentos” e pediu igual tratamento para os 52 atletas setubalenses com filiação pendente.

A entidade federativa liderada por Jorge Vieira tem outro entendimento das regras. Para a FPA, o contrato plurianual que o clube da Luz registou na Federação em 2022 é válido até ao fim do mesmo, 2028, vinculando o atleta à Federação, que sempre o convocou como atleta do Benfica. Ao DN, a FPA só não esclareceu por que o registou então na plataforma oficial só no passado dia 8 de julho.

Essa também é uma questão que as associações colocam. Se já estava inscrito porquê o registo na plataforma oficial? “Nesse dia 8 à noite recebo um telefonema do vice-presidente da Federação, Paulo Bernardo, que me informou que o Pichardo tinha sido filiado administrativamente pela Federação, argumentando que o atleta tem um contrato plurianual com a Benfica. Questionei-o se o atleta e o clube sabiam e ele não respondeu”, acrescentou Luís Jesus.

O facto é que no dia a seguir, apesar de inscrito, Pichardo não se apresentou nas Nacionais de Atletismo, em Viseu, nem competiu pelo Benfica, que acabou por ser Campeão Nacional sem o contributo do Campeão Olímpico. Contactado pelo DN, Pedro Pichardo, através da Polaris, agência que o representa, remeteu explicações para o Benfica, apesar de devidamente informado de que o caso era pessoal e não contratual. Já o clube da Luz ignorou os contactos do DN e não mostrou interesse em esclarecer o assunto.

Como funciona a filiação?

Para se perceber este caso é necessário saber como funciona a filiação do atleta. “O clube regista o contrato na Federação e manda convites aos atletas através de um e-mail dentro da própria plataforma da Federação, a convidá-los para aceitarem ser atletas do clube. O atleta, quando recebe o e-mail, abre-o, carrega no link  e valida o convite ou ignora-o. A Associação de Lisboa, depois de ver que um atleta validou o convite, verifica se tem seguro, exame médico e, se está tudo correto, valida-o para competir. Neste caso do Pichardo não fomos tidos, nem achados”, explicou Luís Jesus, ressalvando que sem este processo, na sua opinião, não era possível competir a nível nacional ou internacional.

“Alegar interesse nacional como  Federação neste caso é aceitável”, mas a “dualidade de critérios é discriminatória”, segundo Luís Jesus. E deu o exemplo de Salomé Afonso, atleta dos 1500 metros, que também tem contrato plurianual com o Sporting e, tal como Pichardo, não aceitou o convite: “Neste caso, a Federação ouviu a Salomé e o Sporting e decidiu colocar a Salomé como atleta individual. Por que não fez isso com o Benfica e o Pichardo?”

Seja, como for, o desporto português “merece” que isso seja clarificado, segundo o líder da associação de Lisboa. “Com devido respeito até para o Pedro Pichardo, que sempre que ele vai ao pódio é uma honra para os portugueses, mas todos têm de cumprir os regulamentos, a não ser que a Federação vá abrir outro precedente para justificar que um atleta de certo valor mundial ou olímpico está numa elite à parte e acima das regras. Será isso?”, questionou, confessando não saber que consequências isto pode trazer, uma vez que nenhuma entidade clarifica em que condição o atleta competiu.

O DN contactou a European Athletics e a World Athetics, mas não teve respostas.

Já o Comité Olímpico de Portugal disse ao DN que “não tem indicação da Federação Portuguesa de Atletismo ou da World Athetics de qualquer problema como a utilização de Pichardo”. Ou seja, para já, nada indica que a participação em Paris2024 esteja em risco, mas a polémica está instalada.

isaura.almeida@dn.pt