"O prazo de 10 semanas pode ser “particularmente restritivo para adolescentes, mulheres em comunidades mais vulneráveis (incluindo migrantes), no limite da idade gestacional e residentes em cidades onde o aborto não é oferecido (devido a objeção de consciência ou outras razões). Estas mulheres podem não conseguir obter cuidados dentro do prazo legal.”
Esta é uma das considerações constantes do parecer do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos que dá luz verde ao aumento, de 10 para 12 semanas (como proposto em projeto de lei do PS), do limite da idade gestacional na interrupção de gravidez por vontade exclusiva da mulher. Este órgão da Ordem dos Médicos (OM), que representa os obstetras e ginecologistas, certifica que “aumentar o limite da idade gestacional não compromete a segurança clínica do procedimento no que respeita à taxa de sucesso e à morbimortalidade associadas” e que “o acesso ao aborto seguro vai ser incrementado com impacto favorável na saúde global e reprodutiva das mulheres em idade fértil”.
Dito por outras palavras: aumentar, para 12 semanas, o limite legal da interrupção de gravidez por decisão exclusiva da mulher não representa qualquer risco, pelo contrário, favorece globalmente a saúde das mulheres, sobretudo daquelas que estão em situação mais frágil.
A posição do Colégio, que invoca as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre interrupção de gravidez, uma resolução de 2021 do Parlamento Europeu (ambas no sentido de que devem ser removidos os obstáculos legais ao aborto seguro) e um estudo científico de 2022 sobre as consequências das restrições no acesso ao aborto, assim como o relatório de 2023 da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) sobre o acesso à interrupção da gravidez no Serviço Nacional de Saúde (SNS), é contrária à posição oficial da Ordem. Esta, que foi consubstanciada no parecer do Conselho de Ética e Deontologia Médica da Ordem dos Médicos (CNEDM), publicamente conhecido a 22 de outubro – por via de uma notícia do DN –, opõe-se à mexida no limite legal das 10 semanas.
Não fazendo qualquer menção às recomendações da OMS, a estudos científicos sobre prazos de interrupção de gravidez e/ou sobre as consequências das restrições legais ao acesso – nem tão-pouco, como o DN já assinalara, ao parecer do Colégio de Obstetrícia –, o parecer do Conselho de Ética da OM, por esta homologado, começa por sublinhar que “o verdadeiro conteúdo deste projeto de lei [o do PS, o único que analisa, malgrado existir um outro do BE] entra em direto conflito com o dever médico de proteger a vida, consagrado no Código Deontológico da OM”. E conclui:“Não é científica e deontologicamente sustentável, e face ao panorama atual, a necessidade de alargamento dos prazo”.
Tendo o Conselho de Ética, como confirmou ao DN o bastonário da OM (Carlos Cortes), recebido o parecer do Colégio de Obstetrícia antes de por sua vez exarar o seu, parece bizarro não o referir – é como se a posição dos obstetras não existisse. De resto, também no site da Ordem não há rasto do documento do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia, o qual o DN teve de pedir insistentemente à OM, acabando por invocar a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos.
Face a esta situação, o DN questionou a Ordem sobre o motivo pelo qual o parecer do Colégio não está disponível no site. Também contactou o presidente do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, José Manuel Furtado, a quem solicitou um comentário sobre o facto de o parecer do órgão ter sido ignorado pelo do Conselho de Ética. Em ambos os casos não houve resposta.