"Temos de pensar três vezes antes de mandar um jornalista para o estrangeiro, contratar um fotógrafo. E isso tem diminuído a nossa capacidade de recrutamento e, acima de tudo, de remunerar os jornalistas com alguma justiça face ao nível de qualificações e de responsabilidade que têm.”
A assunção é de David Pontes, diretor do Público. Reconhecendo que a situação deste diário de referência, fundado em 1990, está longe de ser das piores no panorama da imprensa portuguesa - o título, cuja redação tem mais de 150 jornalistas, é detido pela empresa grossista Sonae, a qual “tem encaixado ao longo dos anos uma certa margem de prejuízo” -, o jornalista diagnostica “um estado de penúria no setor” que não crê se possa ultrapassar sem a intervenção do Estado. “Por muito pouco que a desejemos, tornou-se obrigatória. Hoje na maior parte dos media estamos à beira do limiar de sobrevivência. E dada a urgência em que se encontram muitos órgãos, com muitos camaradas meus a não receber ao final do mês, seria quase cruel da minha parte não admitir a possibilidade, mesmo que transitória. Isto está a pedir um plano de emergência.”
Como motivo da penúria, aponta “sucessivas disrupções ao longo dos anos, das quais as pessoas nem sempre têm noção: é um setor de negócio que mudou muito mais que a maioria”. À cabeça, a digitalização: “Foi muito mais violenta que para outros. E estão sempre a aparecer novidades: podcasts hoje, vídeos ontem, Inteligência Artificial agora. Todos os anos temos de olhar para uma novidade em relação ao que fazemos e à forma como as pessoas passam a consumir informação.”
O que, prossegue, “estica os recursos, com os rendimentos a não acompanhar - pelo contrário - o movimento”. Até porque “neste momento toda a imprensa mundial enfrenta alguma fuga à informação e ao jornalismo. Olha-se para uma análise que fez o Financial Times sobre como podemos adaptar-nos aos públicos jovens, e algumas coisas lá descritas são contrárias à matriz jornalística: a ideia de que, por exemplo, os jovens ligam mais à personalização do emissor do que à instituição. Em França há um jovem que entrevista os políticos e faz noticiário e tem, só ele, mais seguidores no Instagram que qualquer jornal francês. É que já não é só a perda de receitas, é também a mudança do padrão de consumo. Podemos ir ambicionando que isto seja uma espécie de vale, que daqui a pouco a coisa suba, mas não creio que possamos estar tão otimistas em relação aos nossos concidadãos. Que aumentem assim tanto os níveis de literacia, de interesse., da consciência de que o que os jornalistas fazem, quando fazem bem, é demasiado essencial para podermos abdicar disso.”