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Emigração
09 setembro 2024 às 00h28
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Alfredo Vitorino: “Alguns cazaques sabem mais dos Descobrimentos do que eu”

Há uma década que Alfredo Vitorino decidiu apostar no Cazaquistão. Hoje tem uma empresa de tecnologia de segurança e defesa chamada Kazytec e continua a acreditar no maior país da Ásia Central como terra de oportunidades. “O povo cazaque é muito afável”, sublinha o empresário, com raízes em Peniche.

A conversa com Alfredo Vitorino, um empresário que apostou forte no Cazaquistão, começou há um ano em Astana, quando fomos apresentados durante um jantar organizado pela então embaixadora Maria de Fátima Mendes e conclui-se agora num almoço no Baleal, terra vizinha dessa Peniche que é a terra deste português que se apaixonou pelo maior país da Ásia Central.

“O Cazaquistão é um país com muitas oportunidades, porque é independente há pouco mais de 30 anos, tem uma potencialidade enorme, com muitas riquezas naturais, e está à procura de parcerias para alavancar a sua economia além do petróleo e do gás natural. As empresas portuguesas deviam olhar para lá, não se assustar com a distância, e não se assustar com a língua, porque muita gente fala inglês já”, diz Alfredo, que nesta década de experiência no Cazaquistão já aprendeu um pouco de russo, a língua franca dessa antiga república soviética, que é o nono maior país do mundo, umas 30 vezes o tamanho de Portugal. Para apoiar as empresas portuguesas, foi até criado um Conselho Económico Informal - Cazaquistão, do qual Alfredo faz parte.

Casado com uma professora, com duas filhas e um filho, Alfredo teve de procurar novas oportunidades de negócio quando a crise do início da década de 2010 deixou em dificuldades a empresa de construção de que era um dos sócios. A internacionalização foi a solução, e chegou a pensar na opção Marrocos, aqui perto, até que alguém lhe falou do Cazaquistão, longe e sobretudo misterioso como são os “tões”, mas que ia organizar em 2017 uma exposição internacional e isso significava oportunidades. Também a modernidade de Astana, cheia de edifícios de arquitetos famosos como Norman Foster, era um chamariz.

“Instalámos uma empresa local, com parceiros cazaques, ganhámos umas obras e fizemos uns trabalhos. Entretanto, fruto das oportunidades que apareceram e do conhecimento que fomos adquirindo, juntamente com novos sócios portugueses, criámos uma empresa na área da tecnologia de defesa e segurança que é aquela em que temos estado a trabalhar”, relembra Alfredo, hoje com 54 anos, que se formou como agente técnico de engenharia.

Com cerca de 20 milhões de habitantes, o Cazaquistão é um país de maioria muçulmana, mas um islão muito aberto como é tradição nos povos túrquicos, originalmente nómadas que percorriam com os seus animais as estepes da Ásia Central. Também há uma numerosa comunidade cristã, de origem russa e ucraniana, o que obriga o país a estar muito atento à atual guerra russo-ucraniana. 

Alfredo instalou-se sozinho no Cazaquistão. A família ficou em Peniche, até porque os três filhos estavam a estudar na época em que criou a primeira empresa no país. A vida do empresário passou a ser longas estadas no Cazaquistão, onde o inverno é gélido, com visitas a Peniche, com belas praias para aproveitar bem o verão. O outro membro da família que viveu quase um ano no Cazaquistão foi o filho Paulo, que conheci no tal jantar que deu origem à primeira parte desta conversa. Vi-o a pedir em russo o prato, e o pai conta-me que agora trabalha na Bélgica, depois de se ter formado em História e ter estagiado na UE.

Alfredo explica-me que a sua empresa, a Kazytec, tem como clientes vários serviços do Estado, e fornece tecnologias como geolocalização ou intercessão de comunicações. “Tivemos de competir com os fornecedores russos, que até há pouco tempo tinham mais de 90% do mercado cazaque. O Ministério da Defesa e o Ministério do Interior sentem-se na necessidade de saírem fora da esfera de influência da Rússia e procuram soluções europeias, ou americanas, mas no nosso caso europeias e até israelitas, e é isso que lhes oferecemos. Utilizamos os nossos técnicos portugueses para fazer integrações e para fazer um taylor made  das soluções às necessidades deles”.

Nem tudo foi fácil, porém, para o sucesso empresarial deste penichense. Alfredo conta que ainda no tempo da empresa de construção que tinha criado em Petropavl (cidade a norte de Astana, fundada por cossacos russos) ganharam um concurso para 200 quilómetros de ligação de água e estações de tratamento e, de repente, alguém detetou que havia no caminho uns aterros com vacas abatidas umas décadas antes por doença. Tudo parecia perdido, “mas de um dia para o outro, resolveu-se o problema, e deixou de haver vacas doentes”, diz Alfredo, entre risos.

Mais a sério, Alfredo conta que “há algumas amarguras. E eu, ao longo destes 10 anos, já aprendi e já vivi muita coisa lá e percebi muitas coisas ainda da herança da União Soviética. Estamos a falar de alguma corrupção no aparelho do Estado para se conseguir contratos, que existe e que nós temos que saber contornar ou saber trabalhar com eles”. O empresário reconhece, porém, que desde a chegada à presidência de Kassim-Jomart Tokayev, que substituiu Nursultan Nazarbayev, o pai da independência, “tem havido progressos”.

Sobre o conhecimento que os cazaques têm de Portugal, o dono da Kazytec diz que o nome de Cristiano Ronaldo é sempre referido quando sabem que é português. “É matemático”, sublinha. E também se confessa impressionado pelo conhecimento que as gerações mais velhas têm da história de Portugal, que fazia parte do currículo escolar na era comunista: “alguns cazaques sabem mais dos Descobrimentos do que eu”.