Emigração
02 junho 2024 às 13h11
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Mil milhões em apoios. E os jovens vão regressar?

Na última década, um em cada três jovens emigrou. O auge aconteceu em 2013, em plena intervenção da troika, e continuou nos anos seguintes. Não se vislumbra uma alteração do fenómeno. A maioria dos que partiu não tenciona voltar nem acredita que as novas medidas anunciadas pelo governo consigam estancar a saída.

Faz em 2024 10 anos desde que Inês Gonçalves emigrou pela primeira vez. Nunca tinha viajado. “Saí para fazer Erasmus em Berlim, por um ano, em 2014, e logo depois disso consegui uma Bolsa Ibero-Americana Santander Universidades para terminar os últimos seis meses da licenciatura em Ciência Política no México. Durante esse período, concorri aos estágios do Ministério dos Negócios Estrangeiros e fui selecionada para a Embaixada de Portugal no México.” À distância do tempo, e agora que os dedos das mãos já não lhe bastam para contar os países percorridos, consegue perceber ainda melhor a rapariga de 20 anos, natural de uma aldeia no concelho de Pombal, que “no final dos anos da troika só tinha como horizonte nacional um país em que o desemprego jovem rondava os 35%. “Havia muito poucas oportunidades – muito menos em Ciências Sociais – e as poucas que existiam eram muito mal pagas”, conta ao DN, numa conversa a partir de Paris, onde atualmente é gestora de projetos no Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa. Mas voltemos ao México. 

“Durante o estágio surgiu-me uma oportunidade para trabalhar numa agência de business intelligence. Na altura, por falar fluentemente inglês, português e espanhol e poder cobrir todos os mercados das Américas, entrei a ganhar mais do que muitos amigos que estão em Portugal ganham hoje em dia.” Depois passou a trabalhar em business intelligence para o setor da energia e, quando regressou à Europa, entrou para a Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia. De Bruxelas mudou-se para Paris.

Inês é o protótipo do jovem português qualificado que dificilmente as novas medidas anunciadas pelo governo farão voltar. Sempre atenta ao que se passa no país, sobretudo no que respeita à habitação, considera que as medidas anunciadas “são uma pequena ajuda para quem ficou em Portugal”. “A grande frustração entre os meus amigos que ficaram é relativa ao facto de terem feito tudo o que era suposto – licenciatura, mestrado, trabalhar arduamente – e, mesmo assim, não conseguirem ter uma vida confortável, com muitos a viverem em casa dos pais já com 30 anos. Espero que este programa os ajude, mas a mim não me fará regressar”, afirma a jovem gestora, acrescentando que “racionalmente, um regresso a Portugal não poderia ser compensado com medidas do governo, porque os salários não são comparáveis com os praticados nos países europeus, com economias mais fortes. Além disso, o tipo de oportunidades que encontraria em Portugal seriam menos estimulantes e a progressão na carreira seria muito lenta”. Ainda assim, sublinha que tem pena de não trabalhar aqui algum dia. “Para além dos trabalhos que tive como adolescente, nunca trabalhei no meu país.” 

É para os jovens como ela que falava o primeiro-ministro, Luís Montenegro, quando no final do Conselho de Ministros, em Braga, na semana passada, anunciava um pacote de medidas que vão desde alterações ao IRS Jovem e a isenção do IMT e do Imposto do Selo para todos os contribuintes até aos 35 anos (independentemente do rendimento), até ao acesso à habitação, passando por um programa de cuidados de saúde. A questão fiscal é aquela que tem suscitado mais discussão. As alterações ao IRS Jovem definem uma taxa máxima de 15% até ao penúltimo escalão para os contribuintes até aos 35 anos. O alargamento deste regime prevê uma redução das taxas marginais em dois terços face à situação atualmente em vigor. Este alívio aplica-se sobre os rendimentos do trabalho dependente (categoria A) e rendimentos do trabalho independente (categoria B).

No total, o programa vai custar aos cofres do Estado cerca de mil milhões de euros e tem suscitado algumas críticas. “O IRS Jovem criado pelo PS beneficiava todos de forma igual. O governo atual da Aliança Democrática (AD) beneficia mais os que mais têm. Os jovens que recebem até mil euros por mês (que são dois terços do total) vão apenas beneficiar em 55 euros por mês. Mas um jovem que recebe cinco mil euros (que está no oitavo escalão) vai beneficiar mil euros por mês. É esta a grande distorção”, apontou Miguel Matos, secretário-geral da Juventude Socialista, acrescentando que o partido vai opor-se à proposta no Parlamento caso o governo não a altere.

Alexandre Poço, líder da Juventude Social-Democrata e também vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD, contrapõe: “Um jovem que ganhe mil euros de rendimento por mês, hoje paga de IRS 1411 euros, mas com a nova proposta passará a pagar 471, o que representa uma poupança de 941 euros. Dizer a um jovem que ganhe mil euros que pode ter uma poupança de quase um salário por ano só pode ser uma boa política.” 

Nos Países Baixos, Matilde Azambuja integra o departamento de marketing e comunicação de uma empresa de calçado técnico. Está rendida à cultura local.

Salário e empresas

Nos Países Baixos, para onde emigrou há dois anos com o namorado, a designer Matilde Azambuja recebeu as notícias sem grande entusiasmo. “Nenhuma me faria regressar. As medidas são muito superficiais face ao problema real do país: um custo de vida elevado (em que a habitação é o maior problema) face aos salários.”

Quando terminou a licenciatura em Design Gráfico e Multimédia na ESAD (Escola Superior de Arte e Design) das Caldas da Rainha, a jovem de Leiria até conseguiu emprego. Mas rapidamente percebeu que era lá fora que estavam as melhores oportunidades de trabalho, “melhor ordenado, outro estilo de vida”. Aos 25 anos, Matilde integra o departamento de marketing e comunicação de uma empresa de calçado técnico nos Países Baixos e está rendida à cultura local. “O mercado é competitivo para as empresas, que precisam esforçar-se para reter trabalhadores, oferecendo salários atrativos e pacotes de benefícios extra que vão para além das horas de trabalho.” São seguros de saúde, atividades fora do trabalho, mais tempo livre, flexibilidade de horários. Em abril, no dia de aniversário, a mãe recebeu no Instagram uma mensagem calorosa da administração da empresa felicitando-a também. Pequenos gestos que afinal fazem grande diferença. 

Juntos na emigração

Os irmãos Tomás e Afonso de Oliveira Mesquita, de 30 e 25 anos, respetivamente, moram agora em Melbourne, na Austrália, depois de terem vivido separados nos últimos anos. Na verdade, toda a família acabou por emigrar. Os pais, ambos professores, trabalham atualmente na escola portuguesa de Díli, em Timor. Mas o primeiro a deixar o país foi precisamente o mais novo. Afonso emigrou em setembro de 2018 para Southampton, no Reino Unido, para estudar. Tinha 19 anos. No último ano do secundário cresceram-lhe dúvidas, enquanto frequentava o curso profissional de Técnico de Multimédia. Na verdade, sempre gostara de desporto, desde criança, mas desconhecia a existência de um curso específico de futebol. Quando ouviu falar numa licenciatura especializada (Football Studies), soube “que era isso que queria fazer”.

“O grande problema seriam as propinas, algo que então me tirou as esperanças. No entanto, os meus pais ajudaram-me imenso numa altura em que não sabia bem o que haveria de fazer e começámos a procurar mais informação em relação às matrículas, às candidaturas. Descobrimos que o governo inglês tinha modelos de financiamento para estudantes. Apesar de as propinas serem altas [quase 11 mil euros anuais], esse valor é financiado pelo governo britânico e após a conclusão do curso o estudante só começará a pagar o empréstimo de volta se auferir um salário bruto superior a um determinado montante.” Entretanto, começou a trabalhar, ao mesmo tempo que estudava. Com a mudança dos pais para Timor, o irmão mais velho candidatou-se a um emprego na Austrália, por forma a estarem mais perto. Afonso, que já terminara a licenciatura, decidiu ir também. Trabalha agora como treinador numa academia privada. 

Afonso Mesquita estudou Futebol em Inglaterra, com apoio do governo para pagar propinas. Depois mudou-se para a Austrália, onde trabalha como treinador numa academia privada.

As notícias das medidas para os jovens pareceram-lhe “vantajosas, sobretudo estudantes”. “No meu caso não sei se serão essas medidas que me farão repensar em viver em Portugal a longo prazo, porque na minha área ainda é difícil arranjar um trabalho a tempo inteiro”, explica ao DN. 

Tomás, o irmão mais velho, arquiteto, emigrou pela primeira vez em 2021, para Barcelona. “Na altura, obtive uma bolsa de estágio de seis meses num ateliê de arquitetura, que, após o seu término, foi convertida numa proposta de trabalho financeiramente bastante mais vantajosa do que qualquer uma que teria em Portugal.”

Foi a questão monetária que mais influenciou a decisão de ficar na vizinha Espanha, mas não só. “A verdade é que sempre tive a ambição de viver em outras cidades e países e conviver com novas culturas, por isso creio que foi esse o principal motivo para emigrar.” 

Tomás mantém-se sempre em contacto com a atualidade portuguesa, com as raízes familiares entre Coimbra e Aveiro. Consultou as novas medidas do governo ao detalhe. “Não só essas medidas não me farão regressar como acredito que ainda são insuficientes para fixar os jovens em Portugal. Todas estas medidas, desde a retenção do IRS à isenção do IMT, até ao apoio à renda para jovens estudantes, parecem-me medidas que, sim, devem ser discutidas, mas que, na minha opinião, se tornam pouco relevantes quando as massas salariais dos jovens continuam a ser indignas.” Essa é a questão principal.

De resto, desde que se mudou para Melbourne, em janeiro deste ano, percebeu todas as diferenças: “A maior de todas é mesmo a questão salarial, e que se reflete também no acesso à habitação. Um jovem formado numa universidade na Austrália, quando termina o curso, não só tem inúmeras oportunidades de emprego como também um salário correspondente à sua qualificação, além da possibilidade de progressão na carreira”, explica Tomás Mesquita. “Contrariamente a Portugal, aqui existe uma consciência de que, se se gastou dinheiro a formar um jovem, é necessário oferecer-lhe as condições necessárias para que se mantenha no país”, sustenta.

Tomás Mesquita, arquiteto, vive atualmente em Melbourne. Antes estava em Barcelona. A maior diferença que encontrou foi nos salários.

“Estas medidas não vão alterar nada na emigração jovem”

A principal razão para os jovens portugueses qualificados deixarem Portugal são o salário e o bloqueio na emancipação. Não acredito que as medidas agora anunciadas vão alterar a situação”, afirma ao DN o sociólogo João Teixeira Lopes, do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.  

Há anos que estuda o fenómeno e contribui para elencar os dados através do Observatório da Emigração, uma plataforma independente integrada no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) do ISCTE-IUL, onde está sediada. 

“Os jovens começaram a emigrar também pelo reconhecimento da qualificação, mas sobretudo por algo que lhes prometesse alguma estabilidade”, explica João Teixeira Lopes, antigo deputado do Bloco de Esquerda. Quando começou a estudar o fenómeno, a diferença já era abissal: “Os que aqui ganhavam à volta de mil euros iam imediatamente ganhar três mil lá fora.” Por outro lado, apesar de o problema da habitação ser transversal a várias cidades europeias e vários países, “ainda assim conseguiam mais facilmente arranjar casa lá fora. E isso possibilitava constituir família. O grande problema na altura eram as transições bloqueadas. Os jovens que já estavam fartos de ser jovens. Queriam na verdade ter alguma segurança, alguma estabilidade, uma remuneração boa. Ter uma vida, em suma.” 

O investigador acredita, por isso, que “estas medidas não vão alterar nada”. E recorda que “as migrações existem quando há diferenças significativas de desenvolvimento e quando há facilidade de mobilidade. É o que acontece atualmente na Europa, não só por causa  do acordo de Schengen, mas também pelos transportes e o que as novas tecnologias de comunicação favorecem. Simultaneamente, as diferenças de desenvolvimento continuam a ser grandes”.

“Enquanto houver grandes diferenças de salários, grandes divergências nos modos de desenvolvimento dos países europeus, e a mobilidade for facilitada, nada se vai alterar neste retrato”, assegura. A maioria dos jovens foge de um país cujo modelo de desenvolvimento é assente em cima de mão de obra barata, baixos salários, setores de exportação de baixo valor acrescentado. “Mesmo que agora estejamos a convergir um pouco com outros países, o nível de divergência é muito grande.” 

De acordo com o Observatório para a Emigração, que iniciou este trabalho em 2009, os números são um espelho implacável: entre 2008 e 2022 dispararam as saídas de Portugal para o Reino Unido, por exemplo. Foram pouco mais de 5600 nesse ano em que a crise deu os primeiros sinais, mas há dois anos foram mais de 21 mil. A maioria está no grupo etário entre os 15 e os 39 anos.

Segundo o Atlas da Emigração Portuguesa, lançado em janeiro deste ano, mais de 850 mil jovens  nessa faixa etária deixaram o país na última década e residem atualmente no exterior. O maior volume de saída verificou-se entre 2010 e 2019, com o auge em 2013, coincidindo com a intervenção da troika. Nesse ano, um total de  120 mil portugueses deixou o país. De acordo com o Observatório da Emigração, 70% dos que partem têm entre 15 e 39 anos.