Faz em 2024 10 anos desde que Inês Gonçalves emigrou pela primeira vez. Nunca tinha viajado. “Saí para fazer Erasmus em Berlim, por um ano, em 2014, e logo depois disso consegui uma Bolsa Ibero-Americana Santander Universidades para terminar os últimos seis meses da licenciatura em Ciência Política no México. Durante esse período, concorri aos estágios do Ministério dos Negócios Estrangeiros e fui selecionada para a Embaixada de Portugal no México.” À distância do tempo, e agora que os dedos das mãos já não lhe bastam para contar os países percorridos, consegue perceber ainda melhor a rapariga de 20 anos, natural de uma aldeia no concelho de Pombal, que “no final dos anos da troika só tinha como horizonte nacional um país em que o desemprego jovem rondava os 35%. “Havia muito poucas oportunidades – muito menos em Ciências Sociais – e as poucas que existiam eram muito mal pagas”, conta ao DN, numa conversa a partir de Paris, onde atualmente é gestora de projetos no Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa. Mas voltemos ao México.
“Durante o estágio surgiu-me uma oportunidade para trabalhar numa agência de business intelligence. Na altura, por falar fluentemente inglês, português e espanhol e poder cobrir todos os mercados das Américas, entrei a ganhar mais do que muitos amigos que estão em Portugal ganham hoje em dia.” Depois passou a trabalhar em business intelligence para o setor da energia e, quando regressou à Europa, entrou para a Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia. De Bruxelas mudou-se para Paris.
Inês é o protótipo do jovem português qualificado que dificilmente as novas medidas anunciadas pelo governo farão voltar. Sempre atenta ao que se passa no país, sobretudo no que respeita à habitação, considera que as medidas anunciadas “são uma pequena ajuda para quem ficou em Portugal”. “A grande frustração entre os meus amigos que ficaram é relativa ao facto de terem feito tudo o que era suposto – licenciatura, mestrado, trabalhar arduamente – e, mesmo assim, não conseguirem ter uma vida confortável, com muitos a viverem em casa dos pais já com 30 anos. Espero que este programa os ajude, mas a mim não me fará regressar”, afirma a jovem gestora, acrescentando que “racionalmente, um regresso a Portugal não poderia ser compensado com medidas do governo, porque os salários não são comparáveis com os praticados nos países europeus, com economias mais fortes. Além disso, o tipo de oportunidades que encontraria em Portugal seriam menos estimulantes e a progressão na carreira seria muito lenta”. Ainda assim, sublinha que tem pena de não trabalhar aqui algum dia. “Para além dos trabalhos que tive como adolescente, nunca trabalhei no meu país.”
É para os jovens como ela que falava o primeiro-ministro, Luís Montenegro, quando no final do Conselho de Ministros, em Braga, na semana passada, anunciava um pacote de medidas que vão desde alterações ao IRS Jovem e a isenção do IMT e do Imposto do Selo para todos os contribuintes até aos 35 anos (independentemente do rendimento), até ao acesso à habitação, passando por um programa de cuidados de saúde. A questão fiscal é aquela que tem suscitado mais discussão. As alterações ao IRS Jovem definem uma taxa máxima de 15% até ao penúltimo escalão para os contribuintes até aos 35 anos. O alargamento deste regime prevê uma redução das taxas marginais em dois terços face à situação atualmente em vigor. Este alívio aplica-se sobre os rendimentos do trabalho dependente (categoria A) e rendimentos do trabalho independente (categoria B).
No total, o programa vai custar aos cofres do Estado cerca de mil milhões de euros e tem suscitado algumas críticas. “O IRS Jovem criado pelo PS beneficiava todos de forma igual. O governo atual da Aliança Democrática (AD) beneficia mais os que mais têm. Os jovens que recebem até mil euros por mês (que são dois terços do total) vão apenas beneficiar em 55 euros por mês. Mas um jovem que recebe cinco mil euros (que está no oitavo escalão) vai beneficiar mil euros por mês. É esta a grande distorção”, apontou Miguel Matos, secretário-geral da Juventude Socialista, acrescentando que o partido vai opor-se à proposta no Parlamento caso o governo não a altere.
Alexandre Poço, líder da Juventude Social-Democrata e também vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD, contrapõe: “Um jovem que ganhe mil euros de rendimento por mês, hoje paga de IRS 1411 euros, mas com a nova proposta passará a pagar 471, o que representa uma poupança de 941 euros. Dizer a um jovem que ganhe mil euros que pode ter uma poupança de quase um salário por ano só pode ser uma boa política.”