Debate
21 fevereiro 2024 às 02h04
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Partidos sem assento na AR testam limites da democracia

Os dez partidos que procuram um lugar no Parlamento, e que ainda não o alcançaram, debateram esta terça-feira as suas propostas eleitorais para 10 de março. Entre o combate assumido à imigração e a luta por "ordenados europeus", apesar de implicarem a "flexibilização dos despedimentos", tudo os separou.

"Não há nada para celebrar", disse sobre o 25 de Abril o líder do Ergue-te, José Pinto Coelho, na sua primeira intervenção, que acabaria por não destruir as expectativas de quem estava à espera de tiradas xenófobas e racistas, mas só mais para a frente.

Ao todo, encontraram-se na Nova SBE, em Carcavelos, transformada em estúdio da RTP, os dez partidos que não elegeram deputados, mas que procuram um lugar no Parlamento nas próximas eleições legislativas, no dia 10 março. 

PCTP/MRPP, Volt, ADN, Ergue-te, PTP, Nós Cidadãos, RIR e JPP já tinham tido esta experiência de debater na televisão pública as suas propostas eleitorais para as legislativas, mas neste encontro houve duas estreias: a Alternativa 21, que é a coligação entre o MPT e o Aliança, e o Nova Direita, que trouxe ao debate a vontade de mediar o espaço político entre o Chega e o PSD, ainda que sem sucesso.

Neste debate, que assumiu a função de dar voz aos extremos da direita e da esquerda e aos mais moderados desconhecidos da política nacional, houve de tudo.

No RIR (Reagir Incluir Reciclar) houve uma mudança de cara em relação às últimas legislativas, com a nova líder do partido, Márcia Henriques, a substituir Vitorino Silva, conhecido como Tino de Rans. "Esta mudança de líder foi estratégica", começou por explicar Márcia Henriques, que prometeu que agora é que o RIR vai começar a ser compreendido. "Vitorino era incompreendido e chegava a ser ridicularizado", disse.

Entre as medidas apresentadas, a líder do RIR, que também é advogada, começou por defender que a reforma da Justiça passa por reforçar os recursos humanos do setor. "Os tribunais não têm pessoas suficientes para tramitar" os processos, sustentou Márcia Henriques, após defender de forma breve o aumento do cúmulo jurídico das penas.

Depois de arrumar o assunto dos jovens, insistindo que a emigração é um problema que tem de ser resolvido com um reforço da Economia, uma vez que até agora, defendeu, só há "pensos rápidos" e não soluções para o problema, a líder do RIR argumentou que "os portugueses não se importam de pagar mais impostos se receberem em retorno bons serviços" públicos. Por isso mesmo, propôs uma redução das taxas máxima e intermédia do IVA, afirmando que o Estado iria recuperar a perda de receita fiscal através do aumento de poder de compra que as pessoas iriam ter.

E foi precisamente no tema de receita fiscal que a estreante neste debate, a líder da Nova Direita, Ossanda Líber, assumiu um choque, com uma redução de 12,5% no IRC das empresas. De acordo com o programa eleitoral da Nova Direita, ainda está contemplada uma redução de 5% em todos os escalões do IRS. "O país terá de se adaptar", considerou enquanto tentava explicar a sua proposta fiscal.

Apesar de garantir que o partido fez as contas para pagar a diferença de receita fiscal, Ossanda Líber acabou por assumir que os resultados das suas propostas trazem "ganhos imensuráveis", mas que vão "requerer sacrifícios". Uma das vias que referiu para conseguir reduzir a despesa pública era também um corte, não-especificado, no número de trabalhadores do Estado, apontando que há demasiados funcionários públicos - 750 mil. Por fim, insistiu que a prioridade é o nascimento de mais portugueses. 

A representar um partido jovem, Inês Bravo Figueiredo, do Volt Portugal, trouxe ao debate a vontade de aproximar "Portugal da Europa", não só no que diz respeito a salários, mas também da forma como devem resolver-se os problemas, até no que diz respeito àquilo que separa o PS do PSD, defendendo que é através do diálogo.

A representante do Volt, que assume que o partido é diferente, sendo "europeísta", ou mais, um "partido da Europa", propôs também que, para resolver o problema da habitação, se utilizasse um modelo de rendas acessíveis que, segundo disse, vigora na Áustria, recuperando também a ideia de que se devem usar como resposta à crise no setor os edifícios devolutos do Estado.

No que diz respeito à Economia, depois de frisar que "a razão pela qual os jovens saíram de Portugal foi porque foram procurar empregos", Inês Bravo Figueiredo propôs "capturar o dinheiro que vem agora do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e do Portugal 2030" para criar "indústrias que vão impulsionar a Economia". São cerca de 45 mil milhões de euros, apontou.

Ainda em relação aos jovens, Inês Bravo Figueiredo trouxe ao debate a "flexibilidade para crescer", aplicada tanto a pessoas, como a empresas. Isto inclui flexibilidade para as empresas gerirem o seu trabalho, com liberdade para "contratar e despedir", o que também trará aos trabalhadores mais flexibilidade para "mudar de emprego facilmente".

Com um foco insular, muito apontado para a Madeira, o Juntos Pelo Povo (JPP), representado por Filipe Sousa, trouxe uma visão conciliadora para emigração e imigração. "Olho para o emigrante, com 'e' ou com 'i', exatamente da mesma forma", começou por explicar Filipe Sousa, acrescentando que são pessoas que "perderam a oportunidade nos seus países de origem".

"Isso é uma forma romântica" de olhar para o problema, interrompeu Ossanda Líber, optando por defender que os imigrantes devem ser acolhidos "com decência", o que implica um controlo com base na "pertinência do imigrante", ou seja, o que "faz falta" ao país.

"Nós defendemos uma sociedade aberta, livre", continuou Filipe Sousa, assumindo que, "como ilhéu, filho de emigrantes", vê "com alguma naturalidade abrir as suas portas de forma livre".

No extremo ideológico oposto, José Pinto Coelho, do Ergue-te, que, lembrou, era o antigo PNR, defendeu que "a nacionalidade herda-se, não se atribui na secretaria". Portanto, firmou a sua posição perante quem vem de fora, insitindo que este "é um dos maiores crimes deste regime". "Estamos a ser invadidos", destacou, enquanto lembrava que uma das medidas que o partido propõe é a reversão "dos fluxos migratórios". "A terra é nossa, não é deles. Vão-se embora", apelou.

Outra das proposta que o líder do Ergue-te trouxe para o debate foi o fim do direito à greve. "O direito à greve é uma profunda injustiça para com a nação", considerou, argumentando que "leva a um prejuízo para as populações". "Não é legítimo uma pessoa comprar um passe e depois haver greve nos transportes", começou por explicar, lembrando o que acontece "na zona de Lisboa quando entope a Ponte Salazar", quando as pessoas têm de recorrer aos transportes particulares.

Nesse momento do debate, o jornalista Carlos Daniel, da RTP, que moderava a conversa, retificou José Pinto Coelho, lembrando que o nome daquela travessia sobre o Tejo é Ponte 25 de Abril. "Salazar", insitiu o líder do Ergue-te.

Recuperando um tema do debate de há dois anos, o líder do ADN, Bruno Fialho, que agora esteve em presença no debate com os representantes dos outros partidos, em todas as suas intervenções vincou que "a desinformação jornalística tem de acabar", sem explicar em concreto o que é que queria dizer com isto. 

Começando por abordar uma das propostas do partido que passa por defender um "contrato eleitoral", isto é, "o deputado ou um partido que minta tem de perder a subvenção a que tem direito". Bruno Fialho apontou que isto só se consegue através de "um tribunal, que é quem resolve os litígios".

Por outro lado, defendeu também que "os magistrados têm de ser escrutinados", num processo que apelidou de "fazer uma limpeza à Justiça". Por fim, alertou a população para "o perigo, no dia 10 de março", nas eleições legislativas. Momentos antes, tinha referido que "os partidos vão juntar-se contra os portugueses".

Com uma preocupação perante a abstenção, por parte do PCTP/MRPP, João Pinto alertou que "metade dos portugueses não votam". O cabeça de lista por Lisboa do PCTP/MRPP era o único representante dum partido, no debate, que existe desde 1974.

Com um apontamento sobre o "agravamento constante das condições de vida da maioria da população", José Pinto criticou o facto de Portugal ter manifestado solideriedade com Israel na mesma medida em que apontou o dedo ao boicote feito à Rússia depois de este país ter invadido a Ucrânia em fevereiro de 2022. Defendendo que o que está a acontecer com a "Rússia é uma guerra civil", João Pinto disse que "Portugal não faz bem em apoiar a Ucrânia", defendendo que a consequência de todo o processo é a inflação.

Também houve oportunidade para recordar momentos insólitos entre os representantes dos partidos. José Manuel Coelho, do PTP, minutos antes, teve oportunidade de explicar que, quando no passado se despiu no Parlamento da Madeira, em protesto, "eram sátiras que tinham de ser feitas". "Tinham um certo exagero, chamar a atenção para a situação antidemocrática na Madeira", justificou, lembrando que agora "caiu o ditador".