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Sociedade
11 agosto 2024 às 09h03
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Supremo revoga decisão com 12 anos e “tira” 40 mil euros a indemnização

Em 2012, o tribunal condenou a SIC a pagar 115 758 euros, por ofensa à honra, ao socialista açoriano Ricardo Rodrigues. A SIC recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que considerou a quantia excessiva. Agora, o Supremo revogou o anterior acórdão, criando um imbróglio jurídico: que sucede a seguir?

Parece ser um caso único nos tribunais portugueses: uma indemnização decidida há 12 anos pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com trânsito em julgado e paga na totalidade, é alterada agora por um novo acórdão do Supremo, que a reduziu em 40 mil euros. 

Em causa está o processo cível movido pelo socialista açoriano Ricardo Rodrigues contra a SIC, por esta o ter apresentado, em dezembro de 2003 e janeiro 2004, como suspeito numa rede de abusos sexuais de menores na ilha de São Miguel - a rede investigada no chamado Caso Farfalha. Em 2012, o Supremo ordenou à empresa que pagasse a Rodrigues 115.758 euros por danos patrimoniais e não patrimoniais (morais), mais juros de mora desde a citação, num total de 145.988,28 euros (os quais foram integralmente pagos até outubro de 2013). É essa a decisão que um novo acórdão do STJ, transitado em julgado em maio, veio revogar, alterando o quantitativo da reparação monetária.

Tal alteração surge por força de uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) em resposta a uma queixa da SIC contra Portugal. Concordando embora com a condenação decretada pelos tribunais portugueses - para os juízes de Estrasburgo a atuação da SIC foi “irresponsável”, causando prejuízo a Ricardo Rodrigues e sendo assim merecedora de sanção -, o TEDH considerou “excessiva” ou “desproporcionada” a dita indemnização.

“Enquanto não é possível concluir que não foi causado dano ao direito de Ricardo Rodrigues à reputação e honra, o tribunal considera difícil de aceitar que o dano causado tenha um tal nível de gravidade que justifique uma indemnização daquela grandeza”, lê-se no acórdão do TEDH, de 27 de julho de 2021. “Um valor tão elevado, que é alto comparando com casos anteriores dizendo respeito a Portugal que o tribunal examinou […], é também capaz de desencorajar a participação da comunicação social em debates sobre matérias de legítimo interesse público e tem um efeito inibidor na liberdade de expressão e na comunicação social. O tribunal considera-o, assim, excessivo neste caso […] sendo a conclusão de que a interferência no direito à liberdade de expressão da empresa queixosa foi desproporcionada e não ‘necessária numa sociedade democrática’ […]” 

Porém, ao contrário do que é costume suceder num tribunal que julga Estados - os processos ali aceites têm sempre como réu o país no qual a situação ocorreu e como objeto de apreciação a legalidade das decisões dos tribunais desse país e sua conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), tratado internacional que vincula os países que, como Portugal, o assinaram -, não foi arbitrada uma reparação, a pagar pelo Estado português, de modo a remediar aquilo que o TEDH considera ter sido um julgamento violador do artigo 10.º da Convenção (que consagra o direito à liberdade de expressão) por parte do tribunal nacional. 

Limitando-se a ordenar a Portugal que pagasse pouco mais de quatro mil euros à SIC a título de despesas com o processo de recurso para aquela instância, os juízes de Estrasburgo passaram a bola aos tribunais portugueses: “No que respeita à violação [da CEDH] que identificou […], o tribunal considera que neste caso a forma mais apropriada de reparar as consequências dessa violação é reabrir, a pedido da empresa queixosa, o processo do qual se queixa. Uma vez que a lei do país permite que essa reparação tenha lugar, o tribunal considera que não há necessidade de atribuir à empresa queixosa qualquer soma a respeito de indemnização pecuniária.”

Seguindo as instruções do TEDH, a SIC deu entrada no STJ de um recurso de revisão, o qual foi aceite e resultou, em acórdão de 10 de abril último, na revogação do acórdão anterior e nova condenação da empresa. Com a diferença de que, mantendo a indemnização por danos patrimoniais e arbitrando o mesmo valor, baixa a quantia relativa a danos morais de 50 mil para 10 mil euros. 

O novo total é de 75.758 euros (mais uma vez acrescidos de juros de mora desde a citação, ou seja, desde 2007, quando a SIC foi notificada da existência do processo). Face à indemnização recebida em 2013 por Ricardo Rodrigues - 145.988,28 euros -, a diferença andará nos 80 mil euros. A questão é: a quem cabe arcar com essa diferença, reparando os danos pecuniários que o TEDH considera terem sido sofridos pela SIC? 


“Que eu saiba, o TEDH condena Estados, não particulares”

A decisão do Supremo não esclarece a quem cabe pagar as favas. Alguns juristas ouvidos pelo DN creem que só pode ser ao recipiente da indemnização (Ricardo Rodrigues), que terá de devolver a quantia que a SIC lhe pagou “a mais”, tendo assim o novo acórdão do STJ “eficácia retroativa”. Outros, porém, declaram que esta nova decisão põe em causa o princípio constitucional da segurança jurídica e do “caso julgado” e que o TEDH deveria ter ordenado ao Estado que indemnizasse a SIC, porque é do Estado a responsabilidade objetiva pela conduta dos tribunais

A ideia de que rever, por força de uma decisão internacional, decisões nacionais “fixadas” corresponde a uma inconstitucionalidade é, de resto, abordada num acórdão do STJ de novembro de 2012, da autoria de Oliveira Mendes, Maia Costa e Pereira Madeira, no qual se lê que o funcionamento do TEDH como “um novo grau de recurso” é “inconstitucional, por notoriamente violador do caso julgado.”

Ante tal argumentação, há, porém, quem contraponha que “os valores da segurança jurídica e do caso julgado não são absolutos e o recurso de revisão [o pedido de reabertura do processo nacional referido pelo TEDH] serve precisamente para mexer em decisões que já transitaram em julgado, porque em determinados casos outros valores devem prevalecer sobre os da segurança jurídica”. 

E há mesmo quem assuma não saber qual o caminho correto. “É um caso muito sui generis”, diz ao jornal um dos juristas contactados. “Para responder terei de estudar mais. Não conheço nenhum outro processo do TEDH, pelo menos dos relativos a violação do artigo 10.º da Convenção [o artigo que consagra o direito à liberdade de expressão], com este desfecho.” 

De facto, como explica ao DN um magistrado, que prefere não ser identificado, este tipo de decisão do TEDH não é muito comum, sobretudo por não dar instruções sobre o que será uma indemnização correta. Já a remissão para os tribunais internos não é algo de novo: “Antigamente havia a dúvida sobre se as decisões do TEDH poderiam ter efeito na ordem jurídica interna ou não. Mas em 2007 os Códigos de Processo Penal e Civil foram alterados [pela Lei n.º 48/07, de 29 de agosto], para que essas decisões fossem consideradas ‘factos novos’, possibilitando um recurso de revisão e alteração das sentenças nacionais. A partir daí, se o TEDH não atribui diretamente uma indemnização a pagar pelo Estado e diz que têm de ser as instituições internas a resolver, ou o Ministério Público ou o interessado requerem a reabertura e os tribunais são obrigados a rever as decisões à luz do acórdão do TEDH.” 

Ora, nota este magistrado, como “os recursos para o TEDH não têm efeito suspensivo [não impedem o trânsito em julgado] e como o tribunal não é nada lesto a decidir, pode suceder passarem muitos anos, e, por hipótese, a pessoa que recebeu a indemnização ter gastado tudo e não ter como devolver. Ou ter morrido e serem os herdeiros a ter de pagar”. Ou seja, alguém que recebeu uma indemnização ordenada pelos tribunais do seu país e legitimamente a considerou sua, fazendo dela o que lhe aprouve, pode ver-se, ou podem os seus herdeiros encontrar-se, numa situação em que são arrestados salários ou os bens (como a casa).

Uma situação que causa perplexidade, sentimento do qual Ricardo Rodrigues, contactado pelo DN, se faz eco: “Que eu saiba, o TEDH condena Estados, não particulares. Não fui sequer ouvido no processo no TEDH. Processei a SIC e o resultado do processo foi decidido pelos tribunais portugueses; em causa na decisão do TEDH está a atuação dos tribunais portugueses, não a minha. Não me parece que faça sentido ser um particular a arcar com as consequências daquilo que o TEDH considera uma violação da Convenção pelos tribunais.”

SIC noticiou que Ricardo Rodrigues fora detido, mas era falso

Certo é que até agora não houve qualquer resultado material do decidido - nem Ricardo Rodrigues “devolveu” qualquer quantia à SIC nem a SIC deu entrada a uma ação para executar a decisão do Supremo. 

Vamos então à substância do processo. Os factos têm mais de 20 anos: remontam a dezembro de 2003 e janeiro de 2004, mais precisamente a noticiários da SIC e SIC Notícias de 6 a 8 de dezembro de 2003 e de 9 de janeiro de 2004. 

A 6 de dezembro, o Jornal da Noite da SIC abriu com o que era apresentado como uma “rede de pedofilia” nos Açores, que nesse mesmo dia, sábado, era também objeto de uma reportagem no semanário Expresso da autoria da jornalista Felícia Cabrita. Tratava-se, como explicou o pivô, de uma investigação Expresso/SIC: “Notáveis dos Açores foram implicados no escândalo […]. Entre os suspeitos estão políticos conhecidos em todo o país e também professores, um padre, um magistrado, dois médicos, um arquiteto, um advogado e vários comerciantes.”

Na peça que se seguiu a este introito, a repórter entrevistava uma das alegadas vítimas, um rapaz que falava sob anonimato, relatando que este aos 13 anos “já conseguia reconhecer todos os homens que o procuravam. Foi em Porto da Calheta, onde vivia, que conheceu um advogado que viria a ser membro do Governo Regional dos Açores”. Mais à frente, outro repórter, o correspondente da SIC no arquipélago, Estêvão Gago da Câmara, falando em frente ao edifício do Executivo regional, certificava: “A investigação SIC/Expresso registou várias referências ao envolvimento de figuras conhecidas […], e essas referências apontam para o envolvimento de um membro do atual governo regional: um político atualmente no poder… Fomos informados pelo Partido Socialista e pelo governo regional de que não haverá comentários por agora.” 

No dia seguinte, o Jornal da Noite voltava ao assunto, reiterando, através do mesmo repórter, que o silêncio do governo continuava e que “alguns dos acusados tinham passado o fim de semana fora dos Açores”. 

Então secretário regional da Agricultura e Pescas e o único advogado membro do Executivo, Ricardo Rodrigues encontrava-se de férias no estrangeiro quando foi alertado para estas notícias. Regressando ao arquipélago a 8 de dezembro, apresentou a demissão, emitindo um comunicado: “Nada tenho a ver com o processo que tem sido noticiado relacionado com abuso sexual de menores. Mas não posso, no entanto, ignorar a existência de rumores, insultos que me são dirigidos, em relação ao processo em questão”, afirmou. Durante a divulgação desta declaração, no oráculo constante na emissão da SIC lia-se: “O escândalo de pedofilia nos Açores faz cair um membro do governo regional.” 

Às sete da tarde desse mesmo dia, o repórter Estêvão Gago da Câmara comentava, respondendo a uma pergunta do pivô da SIC Notícias: “É uma declaração de inocência mas, ao mesmo tempo, em termos políticos, é absolutamente extraordinário, na medida em que temos um membro do governo que decidiu demitir-se com base em rumores.” Às oito, o Jornal da Noite abria com a notícia da demissão, contextualizando-a assim: “O escândalo rebentou na sexta-feira [6 de dezembro], quando a investigação SIC/Expresso foi publicada […] A maioria dos jovens [alegadas vítimas da rede de abuso sexual] que falaram com a SIC e o Expresso menciona os mesmos nomes que estão na lista da polícia. Entre os suspeitos listados estão políticos conhecidos na região, professores, um padre, um magistrado, dois médicos, um arquiteto, um advogado e vários empresários.”

Um mês depois, às 10 da manhã de 9 de janeiro, a SIC Notícias anuncia que “oito dos 12 suspeitos de abuso sexual de menores [que haviam sido detidos no dia anterior para interrogatório] ficam em prisão preventiva”. De seguida, uma jornalista afirma: “Dos 12 suspeitos ontem detidos pela Polícia Judiciária, só quatro não ficaram detidos. É o caso do secretário Regional da Agricultura e Pescas, que […] saiu do tribunal já perto das três, das duas horas… Foi também por volta dessa hora que um carro celular abandonou o tribunal a caminho do estabelecimento prisional da cidade”.

Duas horas mais tarde, a SIC Notícias assumia como falsa (“um lapso”) a notícia de que Ricardo Rodrigues fora detido no dia anterior e ouvido no tribunal em referência ao seu envolvimento na rede de abuso sexual de menores. Efetuou essa retificação nos noticiários das 12 e das 13 horas. 

“Ofensa grave dos direitos fundamentais à honrae bom nome”

A 28 de abril de 2005 terminava em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, o julgamento daquele que ficou conhecido, a partir da alcunha do principal suspeito - um pintor da construção civil de nome José Augusto Pavão -, como o Caso Farfalha. 

Iniciado a 14 de março de 2005, resultou na condenação de 14 dos 18 arguidos por crimes de abuso sexual de crianças e menores, violação e exibicionismo. A pena mais elevada foi a de “Farfalha”: 14 anos de prisão efetiva por 13 crimes. Houve mais seis condenações a prisão efetiva, nomeadamente a de um médico, Luís Arruda, que fora delegado de saúde no concelho da Lagoa, a três anos, de um empreiteiro, José Luís Benzeiro Tavares, a sete anos, e de um bancário, José António Sousa, a quatro anos e seis meses.

De Ricardo Rodrigues nada constou; nunca foi arguido e, segundo o que se lê como factos provados no acórdão do Supremo de 2024 que reduz a indemnização a pagar pela SIC, não terá sido sequer suspeito: “A única referência que em todo o processo [de abuso sexual de menores] é feita ao autor [da ação contra a SIC, Ricardo Rodrigues] é a de um ‘suposto abusado’ que afirma nas suas declarações que uma repórter/jornalista havia insistido com ele e, mostrando-lhe fotografia do autor, perguntara-lhe por diversas vezes se o autor havia mantido ‘atos homossexuais’ com ele.”

Assim ilibado, o socialista avançou a 6 de novembro de 2006 com um processo cível contra a SIC, a SIC-N e o jornalista Estevão Gago da Câmara, pedindo 65 785 euros em danos patrimoniais – correspondentes à diferença entre os salários como membro do Governo Regional, que deixara de auferir no ano de 2004 por se ter demitido e o que recebera na sua prática de advocacia –, e 400 mil euros em danos não patrimoniais.

Na 1.ª instância (Tribunal de Oeiras), obteve, a 20 de agosto de 2010, a condenação dos dois canais e do jornalista e uma indemnização de 80 mil euros por danos morais mais 65 758,97 por danos patrimoniais, num total de 145 758,97 mil euros (dos quais o jornalista deveria pagar 40% e a empresa 60%); na 2.ª instância (o Tribunal da Relação de Lisboa), para a qual as partes recorreram, manteve-se a condenação dos canais, Estêvão Gago da Câmara foi absolvido e apenas a notícia da detenção e interrogatório de RR, difundida a 9 de janeiro de 2004, foi considerada difamatória. Mantendo a condenação dos canais, os juízes desembargadores arbitraram uma indemnização de 10 mil euros, e apenas por danos morais (consideraram que a demissão do político fora uma decisão sua, pela qual a SIC não podia ser responsabilizada).

Já o Supremo, em acórdão de 2012 (da autoria dos juízes conselheiros Mário Mendes, Sebastião Póvoas - que viria a ser presidente do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social - e Moreira Alves), manteve a absolvição do jornalista, mas aumentou a indemnização. “Para qualquer pessoa dotada de um padrão médio de razoabilidade e bom senso, apresenta-se como óbvio que a não fundada imputação, pública e reiterada, através de um órgão de comunicação social (no caso um relevante canal de televisão) a um cidadão (em concreto, um cidadão com demonstrada e reconhecida intervenção a nível cívico, público e político) de envolvimento em atos de pedofilia e envolvimento sexual com menores, ainda que objeto de posterior retificação, constitui, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos destituídos de relevância jurídica […]”, argumenta o acórdão do Supremo de 2012, que explica de seguida que ajuizou o valor da reparação por danos morais a partir de decisões sobre casos semelhantes, “ainda que menos graves”. “Ponderadas todas as circunstâncias relevantes que nos são fornecidas pelos factos provados, circunstâncias que indiscutivelmente apontam para uma ofensa grave dos direitos fundamentais à honra e bom nome do autor, uma ofensa que naturalmente provocou sofrimento tanto a ele como aos seus familiares mais diretos […], ponderados os montantes atribuídos para situações similares, ainda que menos graves […], julga-se adequado fixar a indemnização devida por danos não patrimoniais sofridos pelo autor em 50 mil euros […]

“10 mil euros não é um valor desajustadamente baixo”

12 anos depois, na sua revista do caso (por força da decisão do TEDH), o mesmo tribunal, agora pela pena dos conselheiros Nelson Borges Carneiro, Manuel Aguiar Pereira e Jorge Arcanjo, desceria a indemnização por danos morais para um quinto.  Isto malgrado reconhecer quer a gravidade do dano causado a Ricardo Rodrigues quer o facto de a responsabilidade civil por danos morais ter “uma dupla função: compensatória e punitiva” - “compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso”.

O coletivo de juízes conselheiros acabaria por considerar a quantia de 10 mil euros como “suficientemente compensatória” para Ricardo Rodrigues e “suficientemente punitiva” para a SIC, reputando-a de não “irrazoável face ao dano verificado” nem “desajustadamente baixa”.

“Tendo em atenção os critérios que pelo TEDH têm sido perfilhados na matéria, cremos que o montante de 10 mil euros se apresenta como uma interferência não desproporcional no direito à liberdade de expressão da recorrente [a SIC], não infringindo o artigo 10.º da CEDH. Tal valor constitui uma adequada tradução da operação de compatibilização prática entre a elevada gravidade das imputações que foram dirigidas ao autor e a mediana gravidade dos danos que lhe foram causados, na medida em que retomou a sua atividade política pouco depois das notícias em causa, tendo chegado a exercer as funções de vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS”, argumentaram os juízes conselheiros.

De notar que este acórdão estabelece o mesmo quantitativo por danos morais que fora arbitrado pela Relação, a qual tinha considerado apenas como violação do direito de RR ao bom nome a notícia de 9 de janeiro de 2004. Apesar de considerar, como aliás o fizera o TEDH, que também o noticiário de 6, 7 e 8 de dezembro de 2003 atentara contra os direitos do político - motivo pelo qual atribui a indemnização por danos patrimoniais, respeitante aos salários não auferidos por RR devido à sua demissão do Governo, a 8 de dezembro -, o Supremo acaba por valorizar menos a notícia falsa da detenção e interrogatório de RR que a Relação.

Um jurista ouvido pelo DN suspira. “A ideia de que em caso de conflito entre o direito ao bom nome e o direito à liberdade de expressão o segundo prevalece, mesmo nos casos em que se trata de informações falsas, é problemática. Os juízes do TEDH dizem que a Convenção dá prevalência à liberdade de expressão e é verdade. Mas não é líquido que a Constituição o faça nos mesmos termos. Seria interessante que o Tribunal Constitucional fosse levado a pronunciar-se.”