“A confirmação da primeira gestação resultante de fertilização in vitro (FIV) em rinoceronte-branco-do-sul (Ceratotherium simum simum) é um marco de grande importância na história da reprodução assistida em espécies ameaçadas, e devolve alguma esperança à conservação dos rinocerontes-brancos-do-norte (Cerotheterium simum cottoni), uma subespécie que sobrevive hoje com apenas duas fêmeas no Quénia: Najin e Fatu”, explica ao DN Rafaela Fiúza, médica veterinária e curadora do Jardim Zoológico de Lisboa.
Esta FIV foi feita a partir de um embrião criado em laboratório como adianta a curadora do Zoo de Lisboa. “O que hoje foi reportado foi o sucesso de uma transferência embrionária num rinoceronte-branco-do-sul no Quénia com um embrião desenvolvido in vitro na Europa a partir de sémen e ovócitos recolhidos em rinocerontes-brancos-do-sul que vivem em zoos na Bélgica e na Áustria”. A veterinária do Jardim Zoológico de Lisboa vai mais longe e acredita que “este avanço é de grande importância porque é um dos últimos passos (e um dos mais exigentes) para o desenvolvimento potencial de crias de rinoceronte-branco-do-sul, uma subespécie funcionalmente extinta, para a qual esta é a última hipótese de resgate”.
À BBC, a cientista Susanne Holtez, do projeto Biorescue, avança: “Conseguir a primeira transferência bem sucedida de embriões num rinoceronte é um grande passo”. A mesma cientista adianta: “Agora penso que com esta pesquisa estamos muito confiantes de que seremos capazes de criar rinocerontes-brancos-do-norte da mesma maneira, e de que seremos capazes de salvar a espécie”.
Só que até chegar a este ponto foi preciso fazer um longo caminho, como dá conta ao DN a veterinária e curadora do Zoo de Lisboa, Rafaela Fiúza. “Os colegas do IZW-Berlim e do Biorescue Project têm trabalhado intensamente com a comunidade mundial de zoos desde o final dos anos 90, para desenvolver conhecimento e técnicas especializadas que possam ser empregues numa abordagem holística à conservação de espécies ameaçadas. Tal é o caso dos rinocerontes, em que todas as espécies estão ou estiveram ameaçadas de extinção nas últimas décadas, e que têm vindo a recuperar com base em múltiplos esforços de conservação”.
A veterinária acrescenta: “Para chegar a este ponto foram necessários muitos anos de trabalho colaborativo que permitiram aos médicos veterinários especialistas desenvolver as várias técnicas utilizadas neste processo: estudo da fisiologia feminina e masculina da espécie, estimulação hormonal, recolha de sémen, inseminação artificial, recolha de ovócitos, desenvolvimento de embriões e, por fim, transferência de embriões com um resultado positivo de uma gestação confirmada. Este esforço só é possível com envolvimento de muitas pessoas e muitos rinocerontes sob cuidados humanos na Europa, América, e Austrália, que usufruem do melhor acompanhamento médico e técnico em instituições zoológicas como o nosso Jardim Zoológico, e onde há recursos e dedicação à conservação de espécies ameaçadas de extinção”.
A fêmea esteve grávida durante 70 dias mas acabou por morrer. A morte não ficou a dever-se à gestação mas sim à infeção pela bactéria clostridia, que pode ser encontrada no solo e fatal para estes animais de grande porte, que podem chegar às duas toneladas de peso. No entanto, revela a BBC, a autópsia revelou que o feto, do sexo masculino, estava a desenvolver-se bem e tinha 95% de hipóteses de nascer vivo e de boa saúde. Ou seja, a FIV foi um sucesso e mostra que é viável em rinocerontes.
O próximo passo será realizar uma FIV em rinocerontes-brancos-do-norte. Existem 30 embriões preservados em azoto líquido, na Alemanha e em Itália. Estes foram criados usando óvulos colhidos de Fatu, a fêmea mais jovem, das duas que existem. Os espermatozóides foram recolhidos de machos de rinocerontes-brancos-do-norte, antes de estes morrerem. “A preservação de material genético de espécies ameaçadas é outra das contribuições das instituições zoológicas que têm, ao longo de décadas, reunido amostras de múltiplos indivíduos de espécies ameaçadas ou mesmo extintas na Natureza, e a partir das quais poderemos recuperar variabilidade genética perdida no decorrer do evento de extinção em massa que vivemos atualmente”, conclui a veterinária e curadora do Jardim Zoológico de Lisboa, Rafaela Fiúza.