Tornar efetivamente o racismo, a xenofobia e a injúria racial um crime em Portugal. É o que um grupo de juristas e ativistas pretende fazer, através da campanha “Vamos criminalizar o racismo”. Uma primeira reunião foi realizada ontem em Lisboa para recolher ideias e debater o assunto. Cerca de 70 coletivos e associações apoiam a iniciativa até o momento.
Profissionais da área do Direito já começaram a analisar como escrever a lei e mais voluntários juristas são convidados a participar neste grupo técnico. A advogada brasileira Marina Caboclo, mestranda em Direitos Fundamentais na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, é uma das juristas. Na sessão informativa, a imigrante destacou aspetos da lei brasileira na matéria, que poderá ser um dos exemplos a serem seguidos para a proposta a ser lançada em Portugal.
Ao mesmo tempo, Marina frisou que outro problema a ser enfrentado é o combate à ideia de que o racismo já é crime em Portugal, com base no artigo 240 do Código Penal. “Mas a lei que existe torna praticamente impossível responsabilizar os crimes racistas, mesmo quando socialmente é completamente óbvio que são crimes que têm motivação racista”, explica.
O atual texto do artigo diz que “é exigível que o uso dos meios de divulgação destinados a fazer a apologia ou a negação de crimes contra a paz e a humanidade tenham um efeito ou resultado discriminatório concreto, traduzido na provocação de atos de violência, na prática dos crimes de injúria ou difamação, na ameaça e no incitamento à violência ou ódio contra ‘pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica’”.
Foram citados no encontro casos que podem ser considerados racismo, mas que a atual legislação não prevê. “Impedir o acesso de uma pessoa por preconceito ou por racismo não é crime, segregar turmas de alunos nas escolas não é crime, que é uma coisa que acontece muitíssimo em Portugal, segregar na habitação não é crime, se uma pessoa desliga o telefone depois que ouve você falar com sotaque brasileiro não é crime, se uma pessoa não te deixa entrar numa loja, isso não é crime”, refere Marina.
“Temos que discutir se é racismo ou não. Parece que não sabemos, parece que há aqui uma dissonância qualquer que não nos deixa perceber o que é racismo à partida, principalmente nos tribunais”, critica José Semedo, do coletivo Consciência Negra.