Exclusivo
Cultura
22 setembro 2024 às 00h03
Leitura: 7 min

'The Penguin' : o universo Batman em modo gangster

Colin Farrell volta a vestir a personagem que interpretou no último filme 'Batman' e o resultado é espantoso. Sobre esta muito aguardada série, 'The Penguin', já disponível na Max, o DN fez perguntas à coprotagonista, Cristin Milioti, e aos produtores executivos Matt Reeves e Dylan Clark.

Quando o vimos pela primeira vez, na confusão e barulho das luzes de um clube noturno, a travar o avanço agressivo do morcego de Robert Pattinson e a perguntar-lhe “estás à minha procura?”, não imaginávamos que esta personagem de mau aspeto, que exibe um par de dentes de ouro quando sorri, pudesse ser objeto de uma série. Mais: quando ele se apresenta ao mascarado, nessa cena de The Batman (2022), com um “tu és tudo o que dizem, não és? Acho que somos os dois”, é possível que já estivesse a piscar o olho à curiosidade do espectador: o que é que se diz sobre Oz, esse homem que caminha como uma ave palmípede? A série The Penguin (em estreia na Max), vai direto ao assunto, à figura, ao seu modus operandi e forma de estar, só aqui e acolá apanhando as impressões dos outros.

Acima de tudo está aquela silhueta perturbadora, qual metamorfose assombrosa de Colin Farrell, simplesmente irreconhecível debaixo de uma obra de arte de maquilhagem (créditos para Michael Marino), que terá tornado mais desafiante o trabalho dos outros atores da série. Caso de Cristin Milioti, não menos assombrosa no papel de Sofia Falcone, que divide com ele o protagonismo dos oito episódios, enquanto vilã que procura controlar o mundo do crime em Gotham, após os eventos do filme de Matt Reeves.

Ao falar dessa experiência numa entrevista coletiva onde o DN participou, Milioti não escondeu a admiração pelo colega e por todo o seu projeto físico: “O Colin é um ator e ser humano extraordinário, foi um prazer enorme trabalhar com ele e ter testemunhado a sua transformação... Estamos a falar de qualquer coisa incrível. A maquilhagem é tão real! Antes das filmagens eu só o tinha encontrado um par de vezes, no seu “corpo real”, e a sensação foi a de ter conhecido outra pessoa – aquela com quem estive a trabalhar todos os dias durante oito ou nove meses. Portanto, para mim ainda é muito estranho vê-lo agora fora da personagem, de tal maneira me familiarizei com aqueles olhos e aquela voz. Surreal!”

Sim, os olhos e a voz... e tudo o resto, numa série em que não há personagens com superpoderes, mas onde se sente a realidade numa versão aumentada, com gente pronta a usar dos mais bárbaros atos de vilania para alcançar objetivos ou, numa camada mais profunda, dar azo a vinganças motivadas por traumas passados.

Sofia Falcone é particularmente rica em mazelas familiares, e o DN quis saber como foi abraçar a fúria feminista da personagem, contextualizada pela mágoa. “Embora as suas ações não se possam justificar, pode-se contar com um nível de compreensão, pelo facto de o espectador conhecer a história dela”, começa por sublinhar Milioti. Nunca esquecendo a parte divertida: “Foi muito empolgante interpretar alguém que simplesmente deixou de se preocupar com o que os outros pensam e começou a fazer exatamente o que quer... apesar de ser vilanesco e hiper violento! Mas a questão é a liberdade a que ela se entrega”.

Psicologia e cinefilia

A verdade é que não há aqui quem tenha um arco de evolução tão grande. O próprio Oz, eterno candidato ao topo da hierarquia do crime, equivale a uma viagem menos espalhafatosa. Como diz Matt Reeves, um dos produtores executivos da série, noutra mesa-redonda: “Mais do que o percurso que levou Penguin a tornar-se Penguin, a história que apresentamos tem que ver com as peças internas da personagem: quem é ele? Que tipo de ódio, que tipo de feridas... que tipo de vazio precisa de preencher? Esta história é sobre a origem e a tragédia das suas fraquezas.”

Algo indissociável do Sonho Americano e de uma exploração psicológica que não poderia ser tratada apenas num filme. “O potencial da escuridão de Oz está em todos nós”, refere também Reeves. E para se chegar a essa conclusão é preciso estar com o monstro de Farrell – “ele consegue criar realmente uma outra presença”, reconhece o produtor.

Na tradição dos filmes de gangsters, The Penguin tenta a sua nota de originalidade pelo tal retrato que vem de dentro e explode quando menos se espera. Vem à conversa Scarface (1983) e Chinatown (1974), mas há outra dimensão de cinema bem presente na série: de Rita Hayworth em Gilda (1946) a Gena Rowlands em Gloria (1980), passando por Fred Astaire em Chapéu Alto (1935), as citações são um mimo irresistível, que não deixámos de perguntar de onde veio.

“Isso veio da Lauren LeFranc [showrunner]. Diria que somos todos cinéfilos, mas ela foi mais longe. Viu aí algo encantador... Tipo, Oz a ter Gilda e o tema Put the Blame on Mame como inspiração? É um ponto de vista adorável. Portanto, todas essas citações vêm da sua imaginação e das ligações que fez”, revela-nos Reeves. Com uma pequena ajuda de outro produtor executivo, Dylan Clark, que chama a atenção para o facto de Penguin ser filhinho da mamã: “Lauren escreveu essas referências, ou pontos de contacto, no sentido de enriquecer a relação de Oz com a mãe. Há aqui um valor emocional que, de resto, me parece muito bonito e poético”. Quem diria.