Cinema
05 julho 2024 às 07h28
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Eddie Murphy e companhia. Ser estrela dos 80’s e sobreviver

Será que as estrelas dos anos 1980 ainda são rentáveis? Tudo indica que sim. A partir da aposta nas plataformas a Eddie Murphy, esta semana na Netflix com mais um 'Beverly Hills Cop', uma viagem pelo estado das carreiras dos ídolos que formaram a memória de muitos cinéfilos.

Ser estrela dos anos 1980 e estar em alta. Não é para todos, aliás, é cada vez mais complicado essa gestão do sucesso. Não só a idade é um fator, mas sobretudo o cansaço de certa imagem. O facto da Netflix continuar a apostar em Eddie Murphy parece, no entanto, um sinal que a nostalgia ainda mexe na indústria americana.

Esta nova sequela de O Caça-Polícias que chega agora ao estúdio de Ted Sarandos não deixa de ser sintomática: há que rentabilizar o património do passado de Eddie Murphy. A própria rival Prime Video já tinha pensado antes o mesmo quando surgiu a decepcionante continuação de Um Príncipe em Nova Iorque, O Príncipe Volta a Nova Iorque, de Craig Brewer, de 2021. Fica-se um pouco com a ideia de que é o próprio Murphy a querer eternizar a sua juventude - não seria de espantar que voltasse às maquilhagens para mais um Professor Chanfrado.

Ao contrário de outras das estrelas dos anos 80, Murphy é, a bem dizer, bem mais novo. Quando apareceu com estrondo em 48 Horas, de Walter Hill, era muito novo… Seja como for, é uma estrela que se tornou ícone dessa década, mesmo quando, com altos e muitos baixos, nunca deixou de gerar trabalho e ser tratado como realeza em Hollywood. O şeu exemplo faz com que se faça um ponto de situação sobre o estatuto de alguns nomes dos 80 que ainda estão na ribalta.

Tom Hanks

Outro dos símbolos desse período será sempre o Tom Hanks das comédias. Foi aí que apareceu e impôs um registo próprio. Splash, de Ron Howard, e Big, de Penny Marshall, foram os títulos que o tornaram lendário, mas já antes, em 1984, era o rosto de uma comédia menor que se tornou sensação e veio a inspirar a saga American Pie, Solteiros e Tarados, de Neal Israel. Era um humor muito próprio da época e com grande objetivação do corpo da mulher, hoje não teria luz verde.

Hanks continua hoje uma superestrela porque posteriormente soube envelhecer bem, já para não falar que mostrou ser um ator de recursos ilimitados: ganhou o Óscar em Filadélfia, de Jonathan Demme, e Forrest Gump, de Robert Zemeckis, e foi esmagador em obras como Apolo 13, de Ron Howard, O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, e Liga de Mulheres, de Penny Marshall, todas dos anos 90. No novo século, foi sempre ator de topo, embora tenha tido períodos de seca. O ano passado era bastante irritante como Coronel Parker em Elvis, de Baz Luhrmann, mas nada que o tenha impedido de ser protagonista em dois dos mais ansiados filmes dos próximos tempos: The Phoenician Scheme, de Wes Anderson, e Here, de Robert Zemeckis. Hanks, convém recordar, é também um gestor de muitos negócios e produtor que gera  sucessos.

Tom Cruise

De todos os grandes nomes dos anos 80 será Cruise aquele que melhor soube manter o estatuto de estrela global. É óbvio que o Tom Cruise de Negócio Arriscado (1983), de Paul Brickman, já não é o mesmo da saga Missão: Impossível. A Palma de Ouro de tributo que o ano passado recebeu em Cannes é um testamento do seu poder como mega estrela. E não foi por acaso que Spielberg admitiu que Cruise salvou Hollywood com o sucesso do último Top Gun, sobretudo por ter sido o primeiro filme pós-Covid a faturar a sério.

Cruise atravessa os portões do tempo e, de alguma forma, é uma estrela sem idade. Claro que a sua ligação com a Cientologia já lhe beliscou a popularidade. Isso e alguns divórcios pouco simpáticos, mas o sucesso da galinha de ovos de ouro que é Missão: Impossível é uma prova de que soube sempre manter o carisma de estrela. O star system em Hollywood já não é o que era mas depois há sempre Tom Cruise. Dos 80 será sempre imortalizado por Top Gun - Ases Indomáveis, de Tony Scott, e Encontro de Irmãos, de Barry Levinson, mas também por ter feito parte da geração Brat Pack. Agora, aguarda-se o seu regresso ao cinema de autor no próximo projeto do mexicano Alejandro G. Iñarritu. A última vez que foi filmado por um autor, foi em Magnolia, de PT Anderson, ainda hoje a sua hora maior, estávamos em 1999.

Demi Moore

Terá sido a maior estrela da sua geração. Tinha uma voz rouca como ninguém, um sex-appeal real e um olhar intenso. Demi Moore era a rapariga “all american” que os americanos gostavam. O Primeiro Ano do Resto das Nossas Vidas (1985), de Joel Schumacher, foi o filme que lançou uma série de atores, os tais “brat pack”, fedelhos que incluíam Andrew McCarthy, Emilio Estevez ou Rob Lowe. Depois veio Lembras-te da Última Noite, de Ed Zwick, a partir de David Mamet, filme de culto ainda hoje. Demi explodia. Mas foi nos anos 90 que a sua fama ainda cresceu mais, sobretudo com o sucesso de Ghost - Espírito do Amor, de Jerry Zucker, e Proposta Indecente, de Adrian Lyne, filmes que a tornaram património geracional.

Com a chegada do milénio ficou mais conhecida por ser uma “cougar” respeitável e não precisou de grandes reinvenções, mas, como todas as mulheres em Hollywood com o nome à frente do título, teve problemas para arranjar papéis com dignidade.

Agora está com um comeback que a pode levar à temporada dos prémios, é em The Substance, de Coralie Fargeac, filme de género sobre a maneira como Hollywood trata as atrizes a envelhecer. Demi Moore a fazer de Demi Moore com uma coragem delirante.

Jamie Lee Curtis

Essência dos 80. Era a nepo baby da época. Jamie Lee Curtis, filha de Janet Leigh e Tony Curtis, rosto e corpo que seduziu uma geração. Primeiro, quando veio lançada dos anos 70 com o sucesso de Halloween - O Regresso do Mal, de John Carpenter, e chega aos 80 e explode como símbolo sexual em três filmes marcantes: Os Ricos e os Pobres, de John Landis, Perfeição, de James Bridges, e, sobretudo, Um Peixe Chamado Wanda, de Charles Chrichton.

Por estes dias está a viver o segundo momento de ouro na sua carreira após o jackpot (com direito a Óscar) em Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, dos Daniels. Ou a prova de que às vezes as mulheres maduras têm uma segunda oportunidade em Hollywood. E as coisas para o futuro estão lançadas: é a estrela de Bordelands, também com  Cate Blanchett, e está a rodar Freaky Friday 2, ao lado de Lindsay Lohan para a Disney…

Harrison Ford

A epígrafe do que era uma estrela dos anos 80. Carisma, profundidade e versatilidade. Harrison Ford confundia-se com a persona de Indiana Jones, mas os filmes de Indy de Spielberg não resumem o impacto deste homem no imaginário da cultura pop da época. É urgente não subestimar a sua nomeação ao Óscar em Testemunha, filme fundamental de Peter Weir. Depois, como nenhuma outra star, teve outro bingo: a franquia de Star Wars - o seu Hans Solo, ainda para mais, era a personagem mais “cool”.

Agora, debate-se com um impasse na idade avançada: vem de um fracasso monumental: Indiana Jones e o Marcador do Destino, de James Mangold. Vai voltar aos filmes dos super-heróis com o próximo Capitão América. Mas há ainda alguém entusiasmado com os filmes da Marvel? Seja como for, tem sempre o grande património de respeito pelo estatuto.

Winona Ryder

Provavelmente a grande atriz de culto da década de 80. Winona Ryder conseguiu ser uma estrela sem precisar de seguir as regras. A bem dizer, podemos até pensar que as contornou. A sua aparição em Beetlejuice, de Tim Burton, em  1988, deu esperança que Hollywood pudesse estar mais aberta ao alternativo. E Winona soube jogar com isso. Nos anos 90 de coqueluche para atriz respeitada foi um passo. Depois, teve problemas pessoais: a história da cleptomania não terá caído bem na indústria mas ultimamente tem ressurgido e este verão está em destaque em Beetlejuice Beetlejuice, também de Burton. Inacreditavelmente, os anos não passam por ela. Este seu ressuscitar de carreira só foi possível graças à histeria em torno da série Stranger Things

Tópicos: Cinema, 80s