Tensões
05 maio 2024 às 09h31
Leitura: 6 min

Povos indígenas do Brasil estão frustrados com o “aliado” Lula

Governo já demarcou 10 territórios mas a promessa de campanha era 14 nos primeiros 100 dias. Movimento não convidou o presidente, pela primeira vez em três anos, para acampamento e protestou em frente ao Planalto, na Praça dos Três Poderes.

"Apenas criar um ministério não é o suficiente!”, acusou Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em discurso em frente ao Palácio do Planalto no dia 25 de abril, por entre o som das maracas. Karipuna e mais oito mil indígenas chegaram ao local após mobilização no Acampamento Terra Livre, para o qual Lula da Silva, que esteve presente em 2022, ainda como candidato, e em 2023, já como presidente da República, não foi, desta vez, convidado.

Os povos indígenas sentem-se frustrados com o governo por culpa de promessas não cumpridas: quando Lula tomou posse, além de criar o inédito Ministério dos Povos Indígenas, anunciou que assinaria 14 demarcações de terras nos primeiros 100 dias de governo; a caminho dos 500 ainda só protocolou 10. “O que foi prometido deveria ter sido cumprido”, alerta Maria Helena Gavião, vice coordenadora das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Estado do Maranhão, ao portal UOL.

Em carta divulgada no citado Acampamento Terra Livre, a APIB manifesta-se não apenas contra o presidente mas também contra o Congresso Nacional em virtude da aprovação recente da “lei do marco temporal” no Senado por influência da poderosa bancada ruralista, também conhecida por ‘bancada do boi”, composta por representantes dos latifundiários. E ainda contra o Supremo Tribunal Federal (STF) por colocar aquela lei, considerada lesiva dos interesses dos povos originários, em negociação - segundo os indígenas, direitos fundamentais não se discutem.

“A nova lei proporciona a ‘legalização’ de crimes e premeia os invasores dos territórios”, diz o texto. “Apenas no primeiro mês da lei, a expansão do agronegócio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram nove assassinatos de indígenas e 23 conflitos em territórios localizados em sete estados e cinco biomas”.

Por isso, Karipuna continuou, ao som das maracas, a discursar em frente ao Planalto em tom duro. “Quero exigir ao presidente Lula o fortalecimento do nosso Ministério dos Povos Indígenas e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, garantindo um orçamento necessário, porque só assim conseguiremos implementar, na íntegra, a demanda da política indigenista do Estado brasileiro”.

O Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sônia Guajajara, vem respondendo que “houve uma forte retomada” no governo Lula da política de defesa dos povos originários. E sublinha que “as 10 demarcações ocorridas se aproximam do número de demarcações, 11, da última década”. Mas evita falar das 14 prometidas.

”Vocês pensam que é fácil a gente chegar numa mesa de reunião, onde todo mundo chega com suas gravatas, suas camisas brancas, e a gente chega ali apenas uma, duas mulheres, com um cocar? E a gente enfrentar, falar de igual para igual. Dizer por que nós estamos ali”, disse, durante o Acampamento Terra Livre, a ministra Guajajara, que nas presidenciais de 2018 foi candidata a vice-presidente de Guilherme Boulos, pelo PSOL, partido de esquerda.

“A luta que a gente faz é um enfrentamento muito pesado”, continuou, segurando o choro, de acordo com relatos da imprensa local. “A gente enfrenta o próprio Estado brasileiro. A gente enfrenta as forças económicas, forças políticas fortes, que estão aí há muitos anos. E a gente chega ali com a nossa cara, com a nossa força ancestral, muitas das vezes sendo ignorados”.

Outras reivindicações

Além da demarcação de terras aquém do esperado, os povos originários do Brasil têm outras queixas. Indígenas do povo avá-guarani invadiram, também no dia 25 de abril, o escritório da barragem hidroelétrica binacional (brasileira e paraguaia) de Itaipu, em Brasília. O protesto pede que seja assinada uma carta de compromisso da empresa com as reivindicações do movimento.

Os indígenas pedem que seja feita uma reparação histórica das áreas alagadas nas suas terras, no estado do Paraná, para o reservatório da barragem. “Viemos reivindicar o território que Itaipu nos deve”, clamaram. Segundo eles, os territórios utilizados pela empresa pertencem ao seu povo, para moradia e por serem sagradas para seus antepassados.

O povo avá-guarani move contra Itaipu uma Ação Cível Originária, que levou o STF a criar uma mesa de negociação para tratar do tema mas a que a administração da barragem não compareceu. E não justificou a ausência nem apresentou ainda argumentos para se iniciarem as negociações.

Outra exigência tem a ver com a pasta da Educação. A professora Danielle Munduruku, representante do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas, pediu mais assistência aos estudantes indígenas que saem dos territórios e passam dificuldades nos centros urbanos por sofrerem preconceito.

“Todos precisam entender que a busca por educação é um dos grandes fatores que tiram os indígenas dos seus territórios. A educação não é uma mercadoria. Queremos uma educação que respeite as nossas tradições e os nossos saberes. Precisamos de valorização”, disse Munduruku.