TPI
20 maio 2024 às 22h51
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Netanyahu considera “absurdo” pedido de mandado de captura

Israel critica que se ponha ao mesmo nível o primeiro-ministro de um país democrático e os dirigentes do Hamas, igualmente visados pelo procurador.

A decisão do procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) de pedir a emissão de mandados de captura por crimes de guerra e contra a humanidade contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, e três líderes do Hamas, conseguiu pôr Israel e o grupo terrorista palestiniano de acordo numa coisa: a crítica face ao pedido de Karim Khan. Se para os israelitas é uma “desgraça histórica” colocar ao mesmo nível o dirigente de um país democrático e os de um grupo terrorista, para o Hamas é igualmente negativo “equiparar a vítima ao carrasco”.

O procurador britânico de ascendência paquistanesa pediu que sejam emitidos os mandados de captura contra Yahya Sinwar (líder do Hamas na Faixa de Gaza), Mohammed Deif (comandante das Brigadas Al-Qassam, o braço armado do grupo) e Ismail Haniyeh (líder político) por ter “motivos razoáveis para acreditar” que são responsáveis por crimes de guerra e contra a humanidade. Kharim Khan falou por exemplo, da morte de “centenas de civis israelitas” no ataque de 7 de outubro, assim como a tomada de quase 250 reféns ou crimes sexuais e tortura, acreditando que “planearam e instigaram a prática” destes crimes.

Mas o procurador pediu também a detenção de Netanyahu e Gallant pelos mesmos crimes, acusando-os de “dirigir intencionalmente ataques contra as populações civis” na Faixa de Gaza ou usar a fome como arma de guerra. “Israel, como todos os Estados, tem o direito de tomar medidas para defender a sua população. Esse direito, no entanto, não isenta Israel ou qualquer Estado da sua obrigação de cumprir o direito humanitário internacional. Não obstante quaisquer objetivos militares que possam ter, os meios que Israel escolheu para os atingir em Gaza (...) são criminosos”, indicou.

Num vídeo publicado nas redes sociais sob a frase “ninguém nos vai parar”, Netanyahu disse que o mandado de captura “absurdo e falso” visa todo o Estado de Israel e as Forças de Defesa de Israel (IDF). “Com que atrevimento ousa comparar os monstros do Hamas aos soldados das IDF, o exército mais moral do mundo?” O primeiro-ministro fala de uma “distorção da realidade”, denunciando um “novo antissemitismo”.

As críticas contra o procurador vieram também do lado do Hamas, que acusa Khan de “equiparar a vítima ao carrasco” e exige que o pedido de captura contra os seus dirigentes seja cancelado. Em relação ao que envolve Netanyahu e Gallant, dizem que vem “sete meses tarde demais” - a guerra na Faixa de Gaza está quase a entrar no oitavo mês - e é insuficiente. O Hamas defende que deve alargar-se a “todos os oficiais israelitas que deram as ordens e aos soldados que cometeram os crimes”. O grupo considera ainda que o procurador está “a violar todas as normas que permitem às pessoas sob ocupação, incluindo os palestinianos, resistir ao ocupante”.  

E agora?

O pedido de Khan tem agora que ser avaliado pelos juízes (num processo que pode levar semanas), sendo que Israel não ratificou o Tratado de Roma que criou o TPI e por isso não reconhece a sua jurisdição. É preciso não confundir com o Tribunal Internacional de Justiça, que também tem sede em Haia, e onde Israel se está a defender de uma queixa de genocídio (que nega) apresentada pela África do Sul. Se os juízes do TPI aprovarem a emissão dos mandados de captura, os visados arriscam ser detidos se viajarem para qualquer um dos 124 países que ratificaram o tratado - que inclui a maioria da Europa e do continente americano (sendo EUA uma das poucas exceções).

O presidente norte-americano, Joe Biden, considerou “ultrajante” o pedido de captura dos políticos israelitas. “Deixem-me ser claro: seja o que for que este procurador possa sugerir, não há equivalência - nenhuma - entre Israel e o Hamas. Estaremos sempre ao lado de Israel contra as ameaças à sua segurança”, indicou num curto comunicado. Já o secretário de Estado, Antony Blinken, considerou que o pedido de Khan “não faz nada para ajudar” a acabar com a guerra. Apesar da crítica, os EUA continuam contudo a trabalhar com o TPI em relação aos crimes de guerra na Ucrânia, que levaram o tribunal a emitir no ano passado um mandado de captura contra o presidente russo, Vladimir Putin.

O pedido de Khan contra Netanyahu teve como efeito unir a uma só voz os políticos israelitas, numa altura em que era cada vez mais visível a divisão em relação à guerra em Gaza. “Se a posição do procurador for aceite, isso seria um crime histórico inapagável”, indicou Benny Gantz, ex-líder da oposição que aceitou fazer parte do gabinete de guerra após o ataque do Hamas e fez há dias um ultimato a Netanyahu. Ainda assim, o apoio não parece chegar às ruas, onde os manifestantes continuam a exigir a demissão do primeiro-ministro.  

susana.f.salvador@dn.pt