EUA
14 julho 2024 às 23h21
Leitura: 8 min

Trump pede “união” após tentativa de assassínio que o torna mais favorito

Candidato foi atingido na orelha num comício, com o atirador a ser morto pelos Serviços Secretos. O ataque, no qual morreu um dos seus apoiantes, deverá catapultar o ex-presidente na campanha de regresso à Casa Branca. Hoje, em Milwaukee, começa a Convenção Nacional Republicana.

Desde que deixou a Casa Branca que Donald Trump se apresenta como uma “vítima”, alegando que as presidenciais de 2020 lhe foram “roubadas” e ser alvo de perseguição política, devido aos vários processos que enfrenta na justiça. Mas esta segunda-feira chega à Convenção Nacional Republicana em Milwaukee, que o irá confirmar oficialmente como candidato às eleições de novembro, como uma verdadeira vítima, após ter sido alvo de uma tentativa de assassínio durante um comício na Pensilvânia.

Trump estava a criticar a imigração ilegal, poucos minutos após o início do discurso em Butler, quando se ouviram tiros. O ex-presidente disse na sua rede social, já depois de ter sido visto pelos médicos, que foi atingido “na parte superior da orelha direita”. O FBI classificou o ataque como uma “tentativa de assassínio”, mas investiga também como eventual caso de “terrorismo doméstico”. Um apoiante de Trump, antigo chefe dos bombeiros, de 50 anos, morreu e outras duas pessoas ficaram feridas.

“Soube imediatamente que algo estava errado, pois ouvi um zumbido, tiros e senti imediatamente a bala a rasgar-me a pele”, escreveu Trump na primeira reação na Truth Social. No vídeo do ataque vê-se como levou a mão à orelha antes de se esconder sob o púlpito e, ao ser levado pelos agentes dos Serviços Secretos, era visível algum sangue. Ontem voltou à rede social para pedir “união” aos norte-americanos , explicando que “o mal não deve vencer”. E alegou que “só Deus impediu que o impensável acontecesse”, mas deixou claro que não tem medo, aparentemente não ficando afetado com o que aconteceu.

O atirador, que disparou a arma semiautomática AR-15 do pai a partir de um telhado a menos de 150 metros de distância, foi abatido pelos Serviços Secretos. As autoridades identificaram-no como sendo Thomas Matthew Crooks, um jovem de 20 anos de Bethel Park, localidade a cerca de uma hora de distância de Butler. Segundo o The New York Times, estaria registado como republicano, mas também teria doado 15 dólares aos democratas. As razões por detrás do ataque ainda não são conhecidas, com a polícia a revelar que ele teria explosivos no carro e que na sua casa foi encontrado material para o fabrico de bombas.

Apesar de os agentes dos Serviços Secretos terem acorrido a proteger Trump - naquela que foi a primeira tentativa de assassínio de um presidente ou ex-presidente desde que Ronald Reagan foi atingido a tiro em março de 1981 -, havia este domingo quem já questionasse como tinha sido possível o atirador aproximar-se tanto sem ser intercetado.

Testemunhas ouvidas pelos media disseram ter visto o homem com a arma e tentado alertar a polícia. Os Serviços Secretos já abriram um inquérito, negando que tenha havido qualquer decisão de cortar na segurança de Trump. O FBI e o Departamento de Segurança Interna também estão a investigar.  

A resposta de Biden

Se até sábado à noite a corrida eleitoral estava centrada na possibilidade de o presidente Joe Biden desistir ou não, no meio de questões sobre a sua idade e capacidade mental, agora vai centrar-se no ato de violência contra Trump. Republicanos e democratas condenaram a tentativa de assassínio do ex-presidente, tal como muitos líderes mundiais.

Mas a desinformação também se espalhava rapidamente nas redes sociais. Se à esquerda havia quem alegasse que o ataque tinha sido “orquestrado” pelo próprio Trump, com objetivos eleitorais, à direita culpava-se Biden por ordenar a morte do rival ou por a incitar, ao repetir que ele representa “um perigo” para a democracia: “Se Trump incitou o ataque ao Capitólio, então Biden incitou isto.”  

O presidente demorou mais de uma hora a reagir: “Não há espaço nos Estados Unidos para este tipo de violência”, afirmou Biden, dizendo que tinha tentado, sem sucesso, falar com “Donald” - normalmente não trata Trump pelo primeiro nome. Mais tarde, a Casa Branca confirmou o telefonema entre ambos. Foi uma conversa “curta mas boa”, disse Biden, que este domingo voltou a falar e a repetir a mensagem da véspera.  

O presidente disse que aquilo que aconteceu “é contrário a tudo” o que os EUA defendem. “Não é quem somos enquanto nação. Não é a América e não podemos permitir que isso aconteça. A unidade é o objetivo mais ilusório de todos, mas nada é mais importante do que isso”, acrescentou. E pediu “união”, tal como Trump, instando os norte-americanos a não fazerem “suposições” sobre as “razões, motivos ou afiliações” do atirador.

Ao lado da vice-presidente Kamala Harris e do procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, o presidente anunciou ainda que deu ordens aos Serviços Secretos para darem a Trump “todos os recursos, capacidade e medidas protetoras necessárias para garantir a sua segurança”. Deu ainda indicações para a revisão das medidas de segurança previstas para a Convenção Republicana e uma investigação independente ao que aconteceu. 

Vitória inevitável?

O ex-presidente já estava em alta na maioria das sondagens e o tiro que lhe terá perfurado a orelha servirá, desde logo, para unir ainda mais os seus apoiantes - num contraste com os democratas, divididos sobre o apoio a Biden após o mau desempenho no debate. Essa união deverá ficar patente na convenção que começa hoje, onde Trump - que viajou já ontem, desistindo da ideia de adiar a viagem por dois dias - será recebido como “mártir” e um “herói” e “coroado” candidato republicano à Casa Branca.

O ex-presidente conseguiu transformar a foto oficial tirada pela polícia, quando foi detido num dos processos judiciais, numa imagem de marca para a campanha. Agora nem precisa de se esforçar - o facto de ter feito o gesto de desafio, com o punho no ar, rodeado pelos agentes dos Serviços Secretos que já tinham “neutralizado” o atirador, gritando “fight! ” (“lutem”), enquanto sangrava da orelha, é suficiente. As fotos já são icónicas.

Trump, que odeia mostrar fragilidade e tem feito campanha a apontar as de Biden, conseguiu transformar um momento de vulnerabilidade num de força. Os republicanos vão aproveitar, à espera do que os democratas - com Biden ou uma alternativa - podem fazer para impedir o que parece inevitável.

susana.f.salvador@dn.pt