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Cultura
21 setembro 2024 às 00h04
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Projeto da centenária biblioteca da Brotéria dá nova vida aos livros

Cerca de 86 livros históricos foram já restaurados pela biblioteca do centro cultural Brotéria. O projeto, que recebeu recentemente o prémio Gulbenkian Património 2024, vai continuar a limpar, higienizar e restaurar mais volumes, alguns deles verdadeiros tesouros nacionais.

A biblioteca da Brotéria, na Rua de São Pedro de Alcântara, no Bairro Alto em Lisboa tem cerca de 160 mil livros. Até hoje foram restaurados 86  volumes  antigos que se têm vindo a deteriorar com o passar do tempo. A recuperação de mais obras vai continuar e agora com uma  “ajuda”  de 50 mil euros, como resultado deste  projeto de recuperação ter ganho o Prémio Gulbenkian Património 2024, atribuído recentemente.  “Estamos radiantes e muito contentes porque é o reconhecimento de um trabalho muito grande que temos feito. É sobretudo o reconhecimento de um projeto que resolveu ser uma biblioteca e que apesar de ter uma quantidade de tesouros nacionais bastante interessantes, continua a estar viva,  em diálogo e ao serviço desta casa de cultura”, afirma o diretor-geral da Brotéria, Padre Manuel Cardoso, em conversa com o DN. 

Apesar do legado histórico, a biblioteca da Brotéria - que tem obras que vão da Botânica à História - não está  fechada e continua a crescer. “Nós nunca paramos. Isto está sempre a andar e vamos continuar. A parte da higienização dos livros está praticamente concluída, mas temos ainda bastantes livros para restaurar, e alguns específicos aos quais nos queremos dedicar. Continuamos a receber livros todas as semanas ”, explica o diretor-geral  da Brotéria, centro cultural de jesuítas portugueses em Lisboa, acrescentando que os livros desta biblioteca estão a ser reunidos há 120 anos pela Companhia de Jesus. 

Manuel Cardoso mencionou que com este prémio da Gulbenkian, a primeira edição dos Les Misérablesde Vitor Hugo irá ser restaurada. Antes, já tinham restaurado a primeira edição dos Sermões  de Padre António Vieira.  E conta que  o livro mais antigo da biblioteca é uma Summa Angelica de 1452. “É um livro que não é um livro, ou seja, é um chamado incunábulo, que são livros, antes da invenção da imprensa”. Este foi um 86  livros restaurados  no  projeto designado Biblioteca da Brotéria - Limpeza, Higienização e Restauro do Livro.

Padre Manuel Cardoso SJ, diretor-geral da Brotéria
Créditos: Leonardo Negrão

Processo de restauro de um livro

“Ao restaurar um livro, a sua função continua, fazendo com que este possa continuar a a ser utilizado”, explicou ao DN uma das conservadoras  do projeto, durante a visita à Brotéria. Marina Afonso Moura, Rita Horta e Costa, Guedes M. Fontes, Clara de Sousa Rocha pertencem à empresa Salvarte e fazem parte da equipa de restauro . 

O edifício onde hoje se situa a Brotéria foi construído no século XVI, pertença dos Condes de Tomar. Mais tarde foi sede do Royal British Club e recebeu posteriormente a Hemeroteca Municipal de Lisboa. É nele que se encontram-se as duas salas onde é feita a limpeza dos livros e onde são removidos os insetos, poeiras e manchas de manuseamento e demais sujidade. Na limpeza, são utilizadas  trinchas macias, borrachas, bisturis e aspiradores de sucção controlada. A limpeza, minuciosa,  é feita folha a folha. 

Neste processo, foram já descobertos fragmentos de papel escritos com notas que ajudaram a criar a informação posteriormente colocada nas lombadas (parte lateral do livro). “Encontrámos elementos que podem ser do ponto de vista histórico interessantes. Podem ter informação da época”, explica outra das responsáveis pela limpeza dos livros. 

Todos os volumes intervencionados passam  pela higienização em conjunto, respeitando as suas posições na estante “Para não haver desencontros e desarrumações depois na estante”, explicaram as restauradoras. 

Durante o processo, as responsáveis anotam todas as patologias dos livros. “Temos de ter atenção à encadernação e ao corpo do livro. Anotamos  se há deformações, fragilidades, quebras, as lombadas. Registamos todas as patologias. Este registo  é introduzido na base de dados. A Brotéria tem uma base de dados com quatro mil livros, com a descrição do estado de conservação para cada um deles”.  São atribuídos níveis de urgência de intervenção e restauro de 1 a 4, sendo o nível 1 o mais urgente. 

Para as  restauradoras, a  maior dificuldade durante a limpeza são livros que  se encontram mais afetados, tornando as suas folhas mais fragilizadas. “Estes livros são os mais difíceis de conseguir limpar porque as folhas estão aglomeradas pelos excrementos e estão com muitas lacunas. Temos que ter muito cuidado a virar folha a folha para essa limpeza”. 

O objetivo principal é manter  a identidade do livro com materiais semelhantes aos originais nas suas folhas e capas. Todas esses materiais utilizados nos livros podem ser reversíveis. A escolha dos materiais procura ajudar  conservadores no futuro, caso o livro volte a sofrer danos. As restauradoras explicaram ao DN que anteriormente usava-se materiais como cola, o que dificulta o  trabalho de restauro. 

Para além da biblioteca, a Brotéria conta com uma programação que inclui exposições e apresentações de livros, palestras e workshops.