Uma vitória para o Ministério Público (MP). Uma “desilusão” para José Sócrates. É assim que se pode resumir a decisão do Tribunal da Relação sobre a Operação Marquês, que entendeu que existem indícios suficientes para o ex-primeiro-ministro e outros 21 arguidos irem a julgamento, depois de o juiz de instrução Ivo Rosa ter decidido em abril de 2021 arquivar 171 crimes que constavam da acusação deste processo, mantendo apenas 17 crimes e cinco arguidos.
A Relação entende que Sócrates deve ser julgado por três crimes de corrupção, 13 crimes de branqueamento de capitais e seis crimes de fraude fiscal, num total de 22 crimes.
Em causa estão mais de 34 milhões de euros, reunidos entre 2006 e 2015, a maior parte dos quais guardados em contas offshore na Suíça, controladas por Carlos Santos Silva. Segundo o Ministério Público, o dinheiro terá sido fruto de subornos vindos de três proveniências diferentes: o Grupo Lena, os acionistas do empreendimento de Vale de Lobo e o Grupo Espírito Santo.
“Não me conformo”, reage José Sócrates ao DN, anunciando que vai recorrer da decisão das três desembargadoras que assinam o acórdão. “Esta decisão é uma profunda desilusão para mim e vou contestá-la perante os tribunais a que possa recorrer”, declara Sócrates, que diz ainda estar a estudar com a sua defesa os moldes desse recurso.
O recurso de José Sócrates deve assentar em “duas dimensões”. Por um lado, o ex-primeiro-ministro vai contestar o facto de a Relação considerar “indiciadas alegações que foi provado na instrução que eram falsas”, relativamente aos factos relacionados com a OPA da Sonae, com o processo do Vale do Lobo e com o TGV. José Sócrates entende que na fase de instrução foram apresentados “contra indícios” que fizeram com que essas alegações fossem desmentidas. As três juízas da Relação dão agora essas alegações como indiciadas. “Vamos recorrer disso. As alegações são falsas, são insultuosas”, afirma José Sócrates.
Outro ponto que Sócrates pretende contestar é o facto a Relação aceitar a correção feita pelo MP relativamente à acusação de corrupção ser relativa a atos ilícitos e não lícitos (como constava inicialmente da acusação). “O Ministério Público vem agora dizer que se enganaram e as juízas são cobertura a isto, são provimento a um erro”, ataca José Sócrates, para quem isso “constitui uma alteração de factos”.
Além disso, Sócrates entende que a decisão do Tribunal da Relação vai contra uma sentença do Tribunal Constitucional (TC) sobre a contagem dos prazos de prescrição dos crimes de corrupção, segundo a qual essa contagem se iniciava no momento do pacto corruptivo e não na data do último recebimento indevido de vantagem. “Há várias questões jurídicas que tenho de estudar melhor, mas não sou pronunciado nos mesmos termos da acusação e vou recorrer para um tribunal superior”, vinca Sócrates.