Educação
22 abril 2024 às 07h13
Leitura: 12 min

Colégios privados sem vagas para novas inscrições

Falta de professores nas escolas públicas é uma das causas da procura por estabelecimentos particulares. Perfil das famílias que recorrem a colégios tem mudado, havendo cada vez mais pais de classe média baixa a procurar alternativas ao público.

Escassez de professores, más condições físicas das escolas e sentimento de insegurança nos recreios por falta de assistentes operacionais são os principais motivos apontados pelos pais para recorrerem ao ensino privado. Mas não tem sido fácil conseguir vagas, principalmente na Grande Lisboa e no Grande Porto, segundo a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP). “A falta de vagas em Lisboa e no Porto deverá manter-se. Há novas ofertas, mas na verdade não esperamos uma diminuição da procura e a pressão deverá ser a mesma”, explica ao DN Rodrigo Queiroz e Melo, diretor-executivo da AEEP.

Segundo este responsável, esta conjuntura de procura superior à oferta tem-se mantido constante nos últimos anos. “Temos sentido desde a pandemia uma maior procura e admitimos que possa suceder por causa dos problemas do setor público. A instabilidade da escola pública, principalmente no que se refere à falta de professores, tem um peso relevante nas opções das famílias. Acreditamos que este ano possa haver um aumento da procura, mas ainda é cedo para ter dados concretos”, adianta.

Conforme assinala, tem havido um aumento da oferta de estabelecimentos privados, embora não em número suficiente para fazer face à elevada procura. “A zona do interior, fora do Porto e de Braga, começa a ter cada vez mais projetos, tal como na zona de Lisboa e na Margem Sul. Houve um aumento de vagas, mas, ainda assim, a maioria das escolas tem lista de espera”, sublinha. O maior problema “está nas novas inscrições”, pois “para os que vêm de fora é mais difícil conseguir colocação”. “Contudo, em muitos colégios as pré-inscrições estão abertas o ano inteiro. As famílias podem continuar a procurar colocação para os filhos”, salienta.

Aumento das mensalidades não faz diminuir a procura

As famílias com filhos a frequentar o ensino privado têm sentido aumentos nas mensalidades, mas a fatura mais pesada não tem levado a migrações de alunos para o público. “Os aumentos de mensalidade sentem-se mais porque a inflação está muito maior. Nos últimos anos as mensalidades acompanharam a inflação e, com o aumento da inflação, é mais visível em termos absolutos esse acréscimo. Na verdade, as famílias continuam a considerar que o investimento na educação dos filhos é muito importante”, refere o diretor da AEEP.

E esclarece ainda que o perfil das famílias que procuram o privado mudou. Uma mudança que se tornou mais visível no período da pandemia de covid-19. “Há mais famílias a fazer um esforço para ter os filhos no privado e, em muitos casos, com a ajuda dos avós. Começou na pandemia, o setor cresceu e estamos convictos de que vai continuar a crescer”, explica.

O aumento da oferta de escolas com currículo internacional também contribuiu para o crescimento do setor. “Temos cada vez mais estrangeiros com capacidade financeira que procuram os nossos colégios. É um fenómeno que já é bastante significativo”, conclui. Na Grande Lisboa, a oferta de escolas internacionais cresceu 93% nos últimos cinco anos.

“As famílias estão mais disponíveis para fazer um esforço”

Marco Carvalho, diretor do Colégio Júlio Dinis, no Porto, também apostou na criação de uma escola internacional, onde, à semelhança da oferta nacional do colégio, não existem vagas. “Temos as turmas totalmente cheias e sem qualquer capacidade de resposta, quer a nível nacional, quer a nível internacional. E a projeção para o ano letivo de 2025-2026 já ultrapassou a centena de pedidos de reserva de vagas”, adianta. Desde setembro de 2023, o responsável já fez “mais de mil apresentações do colégio” e somou “1128 pedidos de informações”. Números que revelam a elevada procura pelo setor privado, uma realidade transversal a todas as zonas do país. Recorde-se que os dados mais recentes divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) revelaram que dois em cada 10 alunos frequentavam escolas privadas no ano letivo de 2021/2022, ano em que havia mais de dois milhões de crianças e jovens inscritos desde o ensino pré-escolar até ao superior.

Marco Carvalho também encontra na instabilidade do ensino público a explicação para a elevada procura do setor particular, mas admite que as novas instalações do Colégio Júlio Dinis, um dos maiores colégios privados da zona Norte do país (com 1700 alunos), sejam também um fator do maior interesse das famílias pelo estabelecimento de ensino. O diretor do Colégio Júlio Dinis partilha a mesma opinião de Rodrigo Queiroz e Melo no que se refere à existência de uma maior aposta no investimento das famílias numa educação estável e de qualidade para os filhos.

“Fizemos um acerto na mensalidade e tivemos quase 100% de renovações. Não há quase saídas. As pessoas podem não ter mais recursos disponíveis, mas fazem um esforço para investir na educação dos filhos. As famílias estão mais disponíveis para fazer esse esforço”, justifica.

O setor privado também sente dificuldade na contratação de professores, mas parte em vantagem em relação ao público, pois pode melhorar as condições de carreira do seu corpo docente, retendo assim os seus recursos humanos. “É cada vez mais difícil contratar e é por isso cada vez mais importante criar boas condições para os professores, porque, se não o fizermos, estamos mais expostos a esse risco”, conclui Marco Carvalho. 

Colégios privados ganharam cinco mil alunos desde 2019

Os dados mais recentes divulgados pela DGEEC mostram que o ensino privado aumentou em cerca de cinco mil o número de alunos matriculados em 2021/2022, face a 2019/2020, o último ano antes da pandemia de covid-19. Ao longo do mesmo período, o sistema de ensino perdeu 16.761 alunos e o decréscimo foi ainda mais significativo no setor público (quase 22 mil). No privado, o maior crescimento foi no ensino secundário, com os colégios a  conseguirem quase quatro mil novos alunos, contando com 84.768 estudantes matriculados, o equivalente a cerca de 21% do total. Ainda segundo a DGEEC, os municípios de Lisboa e do Porto têm mais estabelecimentos privados do que escolas públicas.

Famílias fazem múltiplas pré-inscrições para garantir uma vaga

Joana Marques, magistrada, mãe de três crianças, fez pré-inscrição em três estabelecimentos de ensino privado para o ano letivo de 2025-2026. A escola que os filhos gémeos, de nove anos, frequentam não tem oferta de 2.º ciclo e “a janela temporal começa a ficar curta”. Apesar de tentar várias opções, não obteve garantia de vaga em nenhuma das escolas e terá de aguardar uma resposta. Esta dificuldade já não é nova para a encarregada de educação, que passou pelo mesmo quando transferiu os filhos de escola. “Não tem sido fácil. Fazemos pré-inscrição, pagamos a taxa, mas nenhum colégio garante vaga. A meio do ciclo, quando os transferi a primeira vez, foi muito difícil. Ficaram numa escola que não é na minha área de residência, mas era a única com vagas e a nível de ensino estou muito contente”, recorda.

A saga da procura recomeçou, embora as crianças, a frequentar o 3.º ano, só precisem de mudar de escola para o ano letivo de 2025-2026. “Esta situação deixa-me ansiosa e preocupada, porque não sei quando terei resposta. Tenho mais amigos na mesma situação. Cada vez mais as famílias têm de procurar uma escola com muito tempo de antecedência.” Questionada pelo DN sobre o motivo que a leva a não considerar a escola pública, Joana Marques aponta várias causas. “O público não é opção por causa da instabilidade do corpo docente, os professores contratados mudam de escola todos os anos e há muitos miúdos sem professor a uma ou mais disciplinas. E isso é assustador, principalmente para os alunos que vão fazer exame. Pelo menos essa parte as escolas privadas garantem”, justifica.

A somar a essas preocupações está “a ausência de atividades integradas no currículo e não apenas como AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular)”. “Não é fácil encontrar uma escola que ofereça valências diversificadas. A insegurança que há nas escolas também pesa muito na minha escolha. As escolas  são lugares pouco seguros, algo que vejo, na prática, na minha experiência profissional. Há poucos funcionários nos recreios para vigiar as crianças”, desabafa.

Alexandra e Ricardo Pereira, pais de uma menina de sete anos e um rapaz de 10, estão a passar pelo mesmo processo de procura de uma vaga e apresentam as mesmas justificações para não optar pelo ensino público. “Vão ficar em escolas diferentes, para já. As escolas que queríamos não tinham vaga. Procurámos três alternativas antes de termos um sim. Andámos quase dois anos à procura e percebemos que foi tarde. Fizemos pré-inscrição em três colégios e acabámos por ficar no terceiro”, recordam.

Contudo, numa fase inicial a opção era a escola pública. A falta de professores fez o casal mudar de ideias e procurar garantias de estabilidade. “O que nos fez mudar de opinião foi a instabilidade da escola pública, principalmente a falta de docentes. Temos amigos com filhos no público a viver esse drama da falta de professores. Acreditamos que no privado daremos mais oportunidades de futuro aos nossos filhos. Além disso, a escola pública pode ser gratuita, mas é preciso pagar as atividades extracurriculares e as explicações, se for necessário”, referem, sublinhando que “o privado já acautela essas situações”. 

Alexandra e Ricardo conseguiram vaga fora da área de residência, implicando deslocações mais demoradas. Contudo, garantem, o esforço é necessário para garantir uma educação estável para os filhos.