Lucas Moreira veste a farda dos Bombeiros Voluntários da Batalha desde 2018. A corporação é um caso raro no Distrito de Leiria: aumentou o número de voluntários nos últimos anos, em contraciclo com a realidade da maioria dos quartéis da região e do país. São agora 106 os que integram o corpo ativo, muitos deles na faixa etária de Lucas, 24 anos, que acumula o voluntariado com o curso de Terapeuta Ocupacional na Escola Superior de Saúde de Leiria.
No final de 2017, o avô (que fora bombeiro na mesma corporação onde agora o neto o enche de orgulho) sentiu-se mal. “Quando vi a forma como os bombeiros socorreram o meu avô, deu-se o clique: era assim que eu queria ajudar as pessoas também”, conta ao DN. Foi ao quartel e pediu uma ficha de inscrição. “É uma questão de cidadania, também. De não me sentir impotente se acontecer alguma coisa. E de estar mais preparado, uma vez que nós recebemos muita formação”, afirma.
Lucas gosta de sentir “o pico de adrenalina” quando sai do quartel para prestar socorro, mesmo sabendo que “qualquer serviço nunca é por coisas boas”. Ainda assim, pode contribuir para que fiquem melhores. E é também por isso que considera a ação dos bombeiros “uma grande escola em termos pessoais e emocionais”. Nesse jogo de cintura que toca o perigo, já chocou de frente com o lado negro da realidade, quando foi o primeiro a chegar a um grave acidente de viação, e conhecia bem a vítima.
Nos últimos tempos voltou a ser posto à prova, num incêndio industrial de grandes dimensões. Não consegue identificar o serviço que mais gosta de fazer, “porque são todos diferentes”. Mas lamenta que “os bombeiros por vezes só sejam lembrados no verão, quando o combate ao fogo florestal é 10% do que fazemos”, sublinha.
No Quartel da Batalha, tem o que considera “uma verdadeira família”, na terra onde vive desde que nasceu.
O caso de Lucas Moreira ilustra bem uma das causas que ainda levam os jovens em Portugal a abraçar a causa humanitária. “Normalmente vão por duas razões: ou gostam do trabalho dos bombeiros, da adrenalina, da tarefa de salvar as pessoas, ou então da capacidade de aprender coisas para além da sua profissão. Isso também preenche muito. Mas muitos ainda vêm porque alguém da sua família também já foi bombeiro”, explica António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses.
Em 2004, Portugal contabilizava mais de 41 500 bombeiros voluntários, e o número foi subindo nos anos seguintes. Mas desde 2008 que começaram a sobrar fardas nos 465 corpos de bombeiros do país, segundo dados da Pordata. Em 2014 já não chegavam aos 30 mil e, desde então, ao longo da última década, a queda começou a acentuar-se.
Os últimos registos apontam para uma ligeira subida (em 2022 estavam registados cerca de 31 mil voluntários), mas o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses acredita que se trata “de uma questão meramente estatística”. Nos últimos dias começaram a soar alarmes, numa altura em que se aproxima o verão, que se prevê quente, e depois de meses de inverno com temperaturas muito acima da média.
Na hora em que os serviços de Proteção Civil fazem contas aos braços disponíveis para o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), o presidente da Câmara de Gondomar veio dar o alerta, temendo que haja menos equipas no terreno durante a época mais perigosa (ver peça ao lado).
Essa é, na verdade, a preocupação diária de António Nunes, desde que há dois anos tomou posse como presidente da Liga. E, também por isso, já separou um dossier com mais de 20 páginas para entregar à ministra da Administração Interna, na primeira ocasião.
Não são apenas os problemas inerentes aos bombeiros voluntários que o preocupam. Há outro, com os dirigentes associativos. “Hoje começa a haver falta de dirigentes nas associações e, por isso, temos que promover o estatuto do dirigente associativo, senão as pessoas não vão”, afirma ao DN. A montante, tem o problema mais vasto, do voluntariado. “É uma dificuldade que tem a ver não só com a demografia, mas sim também com uma questão económica”, sublinha.
E é fácil sustentar a afirmação de António Nunes, quando olhamos para o mapa, nomeadamente para o Pinhal Interior, que há sete anos foi palco da maior tragédia provocada pelo fogo. Pedrógão Grande, por exemplo, passou de 277 bombeiros no final da década de 90 para 148 na atualidade. Castanheira de Pêra passou de 166 para 51 bombeiros, e Figueiró dos Vinhos de 99 para 75. Foi essa dificuldade grande que este ano levou o comando a promover uma ação dirigida às crianças e jovens do concelho, na pausa letiva da Páscoa. A iniciativa juntou-se a outra, uma escola de infantes e cadetes, para miúdos entre os 6 e os 16 anos.