Associações e oposição deixam críticas
15 agosto 2024 às 23h39
Leitura: 10 min

Apoio a pensionistas é “penso rápido” que não resolve reformas “muito baixas”

Medidas foram o trunfo de Luís Montenegro no Pontal. Mas as associações criticam a falta de visão estrutural ao não aumentar pensões. Oposição fala em “discurso de campanha”.

O anúncio foi feito por Luís Montenegro na Festa do Pontal: os reformados vão receber um “suplemento extraordinário”, pago em outubro, destinado às pensões mais baixas. Com isto, quem recebe até 509,26 euros terá um apoio de 200 euros; quem tem uma pensão entre 509,26 e 1018,52 receberá menos (150 euros); e para as pensões mais altas (entre 1018,52 e 1527,78) o valor será de 100 euros. Mas isto, entendem as associações de reformados, “não resolve nada”, é apenas um “penso rápido” e o necessário é “um aumento das pensões”.

À Lusa, Isabel Gomes, presidente da Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos, afirmou que não é isto que os idosos necessitam. “O que precisamos é de um aumento de pensões e o que colocávamos no início deste ano, de 7,5% sobre o valor de dezembro, num mínimo de 70 euros, é o fundamental porque os 100, 150 ou 200 euros de agora” não se vão alargar aos meses seguintes. Maria do Rosário Gama, da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, concorda: esta é “uma situação pontual, não estrutural”, ou seja, “começa e acaba no mesmo mês, paga-se em outubro e já não será paga mais vezes e, portanto, não resolve o problema das pessoas com pensões muito baixas”. O preocupante nesta situação “é o facto de não haver um aumento de pensões,  que possa fazer com que não haja reformados com pensões abaixo dos 591 euros [o valor que define o limiar de pobreza]”.

No entanto, quando anunciou o apoio, o primeiro-ministro (que discursou no Pontal na qualidade de líder do PSD) não excluiu a possibilidade de repetir esta medida no futuro. A sua vontade seria, até, que os valores fossem aplicados de “forma permanente”. Se “no próximo ano” houver “uma situação financeira igual”, serão tomadas decisões “de acordo com essa disponibilidade”. Será feito “acompanhando o aumento legal das pensões, com uma gestão equilibrada das contas públicas”. A razão para criar este “suplemento extraordinário” não foi, no entanto, anunciada por Luís Montenegro, que garantiu apenas não olhar para “os apoios sociais para ter retorno eleitoral” e reiterou que o PSD não governa para “dar benesses”.

Além deste apoio aos pensionistas, o primeiro-ministro anunciou ainda medidas para a ferrovia e para os médicos (ler na página 7). Em nenhum dos casos foi divulgada uma estimativa de custos para os cofres do Estado.

Esta medida junta-se a outras três já anunciadas pelo Governo destinadas a “dar maior dignidade” aos idosos: o aumento para 100% da comparticipação dos medicamentos com prescrição médica; a subida do valor do Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 600 euros; e a eliminação do critério dos rendimentos dos filhos para a atribuição do CSI.

A estratégia pode ser vista como uma tentativa de recuperação de um eleitorado importante para a AD, mas muito penalizado pelos cortes impostos pelo último Governo PSD, aquando da intervenção da troika. Em 2011, todas as pensões acima dos 1500 euros sofreram reduções, com o objetivo de poupar 445 milhões de euros e, em 2012, foram também suspensas as regras de indexação de pensões, exceto para as mais reduzidas.

Em 2014, depois de vários cortes, houve mais redução sobre pensões acima dos mil euros.

Perante o anúncio do Pontal, a oposição deixou críticas. O líder do PS, Pedro Nuno Santos assinalou que as mexidas nas pensões “não são um aumento, mas sim um suplemento”, afirmando que “não é preciso acompanhar a política para perceber o que está por trás de uma medida”. No passado, o PS fez algo semelhante, mas num contexto de “carga inflacionária”, disse Pedro Nuno. “Se quisessem resolver os problemas estruturais dos mais velhos, faziam um aumento permanente”, apontou.

Já o Chega, pela voz da deputada Patrícia Carvalho, viu nas palavras de Montenegro muito pouca ambição, num discurso “que mais parecia de campanha eleitoral”. “O primeiro-ministro continua sem reconhecer a sua responsabilidade naquilo que é a instabilidade política que vivemos”, apontou.

Mariana Leitão, líder parlamentar da IL, disse que “seria importante que houvesse medidas para a saúde”.

À esquerda, Fabian Figueiredo (BE) referiu que o “Governo ignora os problemas do país” e que Montenegro está “deslumbrado por si próprio”. Jorge Pinto, do Livre, apontou que o Governo faz “grandes anúncios e muito pompa”. Mas falha “na resposta aos problemas concretos” do país, como no setor da Saúde, que “está muito pior hoje” do que antes da tomada de posse do Executivo.

Ordem dos Médicos acusa Governo de “populismo”

Vamos fazer mais escolas de medicina em hospitais que, tendo um corpo docente, vão dar mais possibilidades dos novos médicos poderem progredir no conhecimento e na sua carreira”, anunciou o primeiro-ministro, na passada quarta-feira, na rentrée política do PSD.  Foi a primeira de três medidas que o Governo liderado por Luís Montenegro avançará, para “pensar estratégica e estruturalmente” o “futuro de Portugal”, justificou. No entanto, avolumaram-se as críticas por parte dos médicos.

Em entrevista à Lusa, o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, afirmou que o problema em Portugal não é a falta de médicos mas o facto de estes não estarem no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Em vez de desviarmos as atenções com medidas de algum populismo, mas irrealistas para este momento, devemos concentrar-nos no SNS e na sua capacidade para atrair recursos humanos agora”, criticou, acrescentando que “o país, neste momento, não tem um problema em estudantes ou diplomados em Medicina. O país tem um problema no SNS”. “Este aumento de vagas e a criação de novas faculdades só vai ter médicos especialistas capazes de integrar o SNS daqui a 15 anos”, advertiu o bastonário.

Uma posição semelhante foi defendida pelo vice-presidente da Federação Nacional de Médicos, João Proença. Em declarações à Renascença, sustentou que a prioridade deveria ser a valorização das “carreiras, os salários e as condições de trabalho” dos médicos.

Também a presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina, Rita Ribeiro, à Renascença, criticou Montenegro, considerando que esta medida “em nada resolve os problemas atuais do SNS. Por outro lado, poderá prejudicar alguma da qualidade formativa das escolas médicas existentes, por uma eventual necessidade de migração de docentes ou mesmo de sobrecarga dos hospitais”, asseverou.

Passes ferroviários já estavam previstos no OE

O primeiro-ministro anunciou  “a criação de um passe ferroviário que tem um custo de 20 euros mensais e dará a possibilidade de acesso, durante um mês, a todos os comboios urbanos, a todos os comboios regionais, a todos os comboios inter-regionais e também à rede do intercidades”, uma medida que está em vigor, mas com um custo de 49 euros e que, de acordo com a página da CP - Comboios de Portugal, não inclui “alfa pendular, intercidades, Inter-regional, internacional e urbanos do Porto, Lisboa e de Coimbra”. A atualização prevista pelo Governo prevê um alargamento do âmbito do passe e uma redução de 29 euros.

Esta medida, ainda sem estas duas alterações, chegou à discussão em torno do Orçamento do Estado para 2023, por proposta do Livre, tendo encontrado continuidade em 2024, mas não totalmente como é agora apresentada pelo Governo.

“O Passe Ferroviário Nacional já é uma realidade por causa do Livre e o seu alargamento já devia ter sido feito há meses”, criticou o deputado do Livre Paulo Muacho na rede social X, salientando que “Luís Montenegro acaba de apresentar uma das medidas que “ o partido já tinha inscrito nas contas públicas, mas desta vez como “como se fosse uma ideia do Governo”.

Com o argumento de que “isto não é uma benesse, é um investimento nas pessoas, é um investimento no ambiente, é um investimento no futuro”, o chefe do Governo apresentou o passe ferroviário como fazendo parte do plano de “mobilidade verde, que vai facilitar a utilização de meios de transporte que não inflijam problemas ambientais, que sejam, do ponto de vista ambiental, mais sustentáveis, mas ao mesmo tempo que facilitem verdadeiramente a vida dos cidadãos”.

Com a promessa de aposta na “alta velocidade ferroviária”, Montenegro repetiu, ao longo da sua intervenção, uma ideia: “Nós estamos a construir as bases de uma sociedade mais justa”.