Portugal não está obrigado a construir as linhas de alta velocidade em bitola europeia. O país tem dois anos para provar que não há benefícios sociais e económicos em utilizar a distância entre carris de 1435mm em vez do padrão ibérico, de 1668mm. A exceção consta do novo regulamento para as redes transeuropeias, que entrou em vigor no passado dia 18 de julho e que interfere nas novas linhas Porto-Lisboa, Porto-Vigo e Lisboa-Évora.
Até 19 de julho de 2026, Portugal tem de submeter à Comissão Europeia “uma avaliação que indique as linhas ferroviárias existentes situadas nos corredores europeus de transporte, tendo em vista a eventual migração destas para a bitola nominal da norma europeia de 1435 mm”. O documento “deve incluir uma análise dos custos e benefícios socioeconómicos quanto à viabilidade da possível migração” e uma “avaliação do impacto” da alteração na interoperabilidade, isto é, na possibilidade de um mesmo comboio circular em vários países sem necessitar de grandes alterações.
A mesma análise tem de ser feita no caso de o país “não construir novas infraestruturas ferroviárias em conformidade com a bitola nominal da norma europeia de 1435 mm e uma avaliação do impacto na interoperabilidade”. O processo terá de ser coordenado com Espanha para os troços ferroviários que envolvem os dois países.
No máximo um ano depois de submetida a avaliação, Portugal tem de indicar as linhas que se situam nos corredores transeuropeus e qual deve ser o calendário da migração. A partir dos dois documentos, a Comissão Europeia pode conceder uma isenção temporária a Portugal, caso seja negativa a análise dos custos e dos benefícios socioeconómicos de uma eventual construção das novas linhas, logo à partida, em bitola europeia.
O pedido de isenção será avaliado à luz da justificação apresentada, bem como, se for caso disso, em termos do seu “impacto significativo na interoperabilidade e na continuidade da rede ferroviária”. Bruxelas pode pedir mais dados 30 dias depois de Portugal entregar o pedido de isenção. Se não for suficiente, há ainda um segundo pedido adicional de informação, no prazo de 30 dias a contar da data de receção dos elementos. Findo este período, será preciso esperar, no máximo, seis meses, para a decisão final da Comissão Europeia. A isenção é temporária embora não esteja definido por quantos anos.
Portugal, até agora, não apresentou qualquer análise socioeconómica junto da Comissão Europeia, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com Espanha e a Finlândia. O país escandinavo recusa a migração da bitola russa para a medida-padrão, porque os custos seriam superiores aos benefícios. O DN/Dinheiro Vivo ficou sem resposta ao pedido de esclarecimento feito junto do Ministério das Infraestruturas.
As novas linhas de alta velocidade em Portugal serão construídas em bitola ibérica, mas com travessas polivalentes, já prevendo uma eventual migração da distância entre carris para o padrão europeu, que depois também obrigaria a trocar todos os aparelhos de mudança de via. Com a bitola ibérica, um comboio proveniente de Porto-Campanhã pode seguir diretamente até Lisboa ou então fazer paragens intermédias em Aveiro e Coimbra.
Na proximidade destas estações serão construídas variantes em bitola ibérica para que seja feita a passagem entre a nova linha e a Linha do Norte. A alta velocidade em bitola ibérica já existe em Espanha, nas ligações Ourense-A Coruña-Vigo e entre Madrid e Badajoz. Neste caso, os operadores teriam de comprar comboios com eixos variáveis, já admitindo uma futura mudança para a bitola ibérica.
Se a linha fosse feita na medida-padrão, a variante para aceder a Aveiro teria de ter um terceiro carril nas vias colocadas em bitola ibérica e o acesso a Coimbra obrigaria ao uso da bitola europeia, aumentando custos de manutenção.
A opção também dificultaria a realização de serviços híbridos (34 das 60 viagens estimadas Porto-Lisboa) entre a linha de alta velocidade e a restante rede convencional. Seria uma “ilha ferroviária” dentro da rede portuguesa a não ser que fossem instalados vários intercambiadores ao longo da nova linha e que fossem comprados comboios com eixos variáveis.