Eleições Europeias
10 junho 2024 às 23h44
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Líder socialista inverte estratégia e aproxima PS do centro

Vitória por “poucochinho” nas eleições leva líder do PS a não apostar tudo no voto à esquerda. Discurso de aproximação ao centro foi “evidente”. Na direita, serenidade na AD contrasta com preocupação no Chega e receios de “euforia excessiva” na IL com os resultados.

“Eu sei que muitas vezes se diz que por um se ganha e por um se perde. É verdade, no futebol é assim. Na política não é assim. É que a diferença faz muita diferença, na política. É que quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho. E o que nós temos de fazer não é poucochinho. O que nós temos de fazer é uma grande mudança”.

A frase é de António Costa pouco tempo depois de António José Seguro, em 2014, ter ganho as europeias com 31,46% dos votos e com mais um deputado (ficou 8 a 7) do que a AD.

Em 2013, o então secretário-geral tinha ganhado as autárquicas com 36,26% dos votos.

Um acrescento de Costa: Para o “PS ser alternativa, não lhe basta ganhar”. Os argumentos e o caminho tiveram o apoio do atual secretário-geral socialista - e dos restantes três “jovens turcos”: Pedro Delgado Alves, João Galamba e Duarte Cordeiro que alimentaram a oposição interna ao segurismo - que levaram à queda de Seguro nas eleições internas de setembro de 2014.

A comparação, que começa a ser recorrente, é sublinhada ao DN, por fontes socialistas, que lembram que o “poucochinho” das eleições internas de 2014 repetiu-se ontem (um 8 a 7).

No entanto, nas palavras de Pedro Nuno Santos, foi um resultado que transformou o PS na  “primeira força política em Portugal (…) tivemos mais votos e mais mandatos”.

Na realidade, o PS ficou-se por um resultado abaixo do que o de António Costa em 2019 (9 eleitos) e igual ao de António José Seguro - o tal que Costa chamou de “poucochinho” - em 2014 (8 eleitos). E o “mais mandatos” traduz-se no singular: um mandato a mais.

As fontes socialistas, ouvidas pelo DN, que não escondem a insatisfação pelo resultado - “é positivo, mas não se pode estar contente” - , assinalam a gradual “aproximação” do líder socialista, “evidente no domingo”, ao eleitorado do “centro político e social”.

O “esquerdismo” no discurso após as legislativas que se manteve por semanas e semanas num “azedume quase contra tudo” e em garantias de que o PS não iria viabilizar o OE2025 da AD está a dar lugar a uma narrativa “mais moderada” - até por “pressão pública” do Presidente da República que já avisou por diversas vezes para os riscos da “instabilidade” se Pedro Nuno Santos “cumprir o prometido”.

Esta frase -“Não será pelo PS que haverá instabilidade política em Portugal. Não é o Governo que ficou em causa nestas eleições, mas sim uma determinada forma de governar. Essa sim foi derrotada nestas eleições” - foi entendida, por isso, pela fontes ouvidas pelo DN, como “uma inversão” que já “tardava”.

Porém, o “incómodo” existe e foi “visível na falta de mobilização” durante a campanha eleitoral.

A convocação de uns “Estados Gerais” no PS foi recebida com agrado. “Um líder tem que ouvir todos, todas as tendências, não pode fechar-se num círculo restrito de conselheiros. E quem está no parlamento vê e sente como se afasta de muitos deputados”, lamenta um antigo dirigente. 

Pedro Nuno Santos justifica a iniciativa com “renovação” à semelhança do que fez na equipa de eurodeputados que o PS tinha desde 2019.

“Nos próximos meses o PS lançará os estados gerais para que nós consigamos construir com o país uma alternativa programática e de poder ao Governo da AD”, adiantou.

Os “estados gerais para a nova maioria” foram uma estratégia de abertura do PS à sociedade civil lançados então por António Guterres quando estava na oposição e que lançaram as bases da sua governação.

À direita algo de novo

Na Aliança Democrática (AD) domina uma sensação de desafio foi superado, apesar de o PS ter voltado a ser o mais votado e de a lista de Marta Temido ter acabado por eleger mais um eurodeputado. 
Além do resultado, que pode ser descrito como derrota tangencial, a garantia deixada por Pedro Nuno Santos na noite eleitoral está a ser encarada como um forte indício de que o Governo de Luís Montenegro pode esperar um processo de aprovação do Orçamento do Estado menos penoso, ou potencialmente encaminhador para novas eleições antecipadas, do que as últimas semanas deixavam prever.

Por outro lado, o mau resultado do Chega, que perdeu perto de dois terços dos votos e metade da percentagem em relação às legislativas, permite alimentar a esperança de que André Ventura repense a estratégia parlamentar. Sobretudo na medida em que as constantes referências a “coligações negativas”, não só de governantes, mas também do líder da bancada social-democrata, Hugo Soares, poderão ter sido bem-sucedidas a afastar eleitores do partido mais à direita no hemiciclo.

O balanço do mau resultado de domingo, ainda que Ventura e outros dirigentes se tenham esforçado por realçar o óbvio - não tinham nenhum eleito no Parlamento Europeu e agora passam a ter dois -, levaram a uma preocupação generalizada, apesar das intervenções públicas em contrário. 
“O Chega, que ganhou dois eurodeputados é que é derrotado? Só pode ser piada e demonstra que as expectativas para os outros partidos eram tão baixas que os seus maus resultados não foram surpresa para ninguém”, escreveu a deputada Cristina Rodrigues no X, aludindo ao desaparecimento do PAN, à falha na estreia do Livre e à perda de deputados pelo BE e PCP.

Já na Iniciativa Liberal, uma das grandes vencedoras das europeias, existem receios de “euforia excessiva” com um resultado que retoma a trajetória de crescimento travada nas últimas legislativas. Mas que também denota diferenças entre João Cotrim de Figueiredo e Rui Rocha.