Guerra
27 janeiro 2024 às 23h30
Leitura: 6 min

Oito países travam ajuda a agência da ONU por ligações ao Hamas

UNRWA demitiu e investiga funcionários que terão estado alegadamente envolvidos no ataque de 7 de outubro a Israel. Portugal pede “investigação completa e rigorosa”.

Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Itália, Finlândia, Países Baixos e Alemanha... o número de países que anunciaram a suspensão do apoio financeiro à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA, na sigla em inglês) não para de aumentar. Em causa está o alegado envolvimento de funcionários da agência, que já viram o seu contrato terminado e que estão a ser investigados, no ataque do Hamas de 7 de outubro. Israel já disse que, depois da guerra, não haverá lugar na Faixa de Gaza para a UNRWA. 

Esta agência da ONU foi criada em 1949 e garante cuidados de saúde, educação e ajuda humanitária aos palestinianos na Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia ocupada, na Jordânia, no Líbano e na Síria. Os EUA são o maior financiador, garantindo um quarto dos seus fundos (340 milhões de dólares em 2022), tendo anunciado logo na sexta-feira a suspensão da ajuda, após a UNRWA confirmar a demissão de funcionários e a abertura de uma investigação. Seguiram-se outros países ocidentais - entre eles a Alemanha, o segundo maior doador com 202 milhões de dólares em 2022 -, sendo que a União Europeia não afasta a hipótese de tomar “novas medidas” após a investigação.

“Portugal expressa forte preocupação face às alegações de envolvimento de funcionários da UNRWA no ataque terrorista de 7 de outubro”, reagiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros português no X (antigo Twitter). Portugal contribuiu com 105 mil euros para a agência em 2022. “Reconhecendo o trabalho vital da UNRWA, Portugal associa-se à União Europeia e apela à adoção de medidas adequadas e a uma investigação completa e rigorosa”, acrescentava a mensagem, remetendo para uma declaração do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. 

Bruxelas mostra-se “extremamente preocupada” com as suspeitas, lembrando o “papel vital” que a agência da ONU tem desempenhado no apoio aos palestinianos. “Estamos em contacto com a UNRWA, esperamos total transparência sobre as alegações e que tome medidas imediatas contra os funcionários envolvidos. A Comissão avaliará novas medidas e tirará lições com base no resultado de uma investigação completa e abrangente”, indicou Borrell. 

Na sexta-feira, o comissário-geral da UNRWA, Philippe Lazzarini, disse em comunicado que Israel tinha fornecido “informações sobre o alegado envolvimento” de funcionários da agência nos ataques de 7 de outubro. “Para proteger a capacidade da agência de providenciar assistência humanitária, tomei a decisão de terminar de imediato os contratos destes funcionários e lançar uma investigação para estabelecer a verdade sem demora”, reiterando que qualquer funcionário que se prove que esteve envolvido nos atos de terrorismo “será responsabilizado, inclusive através de processo criminal”. 

Não foram dados mais pormenores do número de pessoas envolvidas (apesar de a imprensa israelita falar de 12) e de que forma estiveram envolvidos no ataque do Hamas. Mark Regev, um conselheiro do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, falou à BBC de professores que celebraram abertamente os acontecimentos ou de uma refém que disse ter estado na casa de alguém que trabalhava para a UNRWA.

O Hamas reagiu, ontem, condenando “firmemente a campanha de incitamento lançada pela entidade criminosa sionista contra as instituições internacionais” que contribuem para ajudar o povo palestiniano que, dizem, “está a ser sujeito a um genocídio nazi”. Já a Autoridade Palestiniana criticou a suspensão dos apoios antes do fim da investigação. “Apelamos aos países que anunciaram a cessação do apoio à UNRWA para que revertam imediatamente a sua decisão, que envolve sérios riscos”, disse Hussein al-Sheikh, secretário-geral do Comité Executivo da Organização de Libertação da Palestina.

Israel, pelo contrário, congratulou-se com a decisão dos países ocidentais que suspenderam a ajuda, apelando a que outros lhes sigam o exemplo e deixando claro que não quer que a agência da ONU desempenhe um papel em Gaza no “dia seguinte” à guerra. “Os laços da UNRWA com o Hamas, providenciando refúgio para os terroristas e perpetuando o seu poder, são inegáveis. A liderança deve ser afastada e investigada minuciosamente pelo seu conhecimento destas atividades. Na reconstrução de Gaza, a UNRWA deve ser substituída por agências dedicadas à paz e ao desenvolvimento genuíno”, indicou o chefe da diplomacia israelita, Israel Katz, no X. 

"É chocante assistir à suspensão de fundos em reação às alegações contra um pequeno grupo de empregados", atendendo às medidas já decididas e desempenho da agência "da qual dependem dois milhões de pessoas para a sua simples sobrevivência", declarou em comunicado Philippe Lazzarini.

susana.f.salvador@dn.pt

(Uma versão deste texto sai na edição em papel de dia 28 de janeiro, tendo o artigo sido atualizado com o anúncio de que mais países suspenderam ajuda)