EUA
11 setembro 2024 às 00h03
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11 de Setembro continua na memória dos americanos, mas é longe da união de 2001 que hoje o assinalam

No 23.º aniversário dos ataques que fizeram quase 3000 mortos nos EUA, é um país profundamente dividido o que hoje vai recordar as vítimas. O terrorismo já não é a maior preocupação dos americanos, mas o tema não deve escapar aos candidatos às Presidenciais. Kamala Harris vai estar nas cerimónias. Trump talvez.

Passadas mais de duas décadas sobre os maiores atentados terroristas de sempre nos EUA, hoje ainda 36% dos americanos dizem estar preocupados com a possibilidade de serem vítimas de terrorismo. Longe dos 59% que confessavam esse receio em outubro de 2001, um mês depois do ataque que matou quase 3000 americanos, quando piratas do ar desviaram quatro aviões e os lançaram contra as Torres Gémeas em Nova Iorque, contra o Pentágono e um que se despenhou num campo da Pensilvânia, mas bem acima dos 24% de abril de 2000, um ano antes dos atentados reivindicados pela Al-Qaeda de Bin Laden. Com a América e o mundo em choque, o momento era de união dentro e fora de portas. Hoje, a data mantém todo o seu simbolismo, mas são uns Estados Unidos profundamente divididos que vão assinalar o 23.º aniversário do atentado.

“O 11 de Setembro continua a ter - e suspeito que tenha para sempre - um impacto profundo e duradouro. Outros assuntos têm vindo a criar ondas de preocupação, internos e externos, mas o 11 de Setembro foi um ataque contra almas inocentes e entrou na nossa psique coletiva”, explica Katherine Vaz.

Apesar de hoje viver em Nova Iorque, foi na sua Califórnia natal que a escritora, de origem portuguesa, soube dos atentados. “Costumo levantar-me cedo e a primeira coisa que vi foram notícias que uma amiga de Nova Iorque me enviou” e garante: “Toda a gente que conheço está ligado a alguém que estava nas Torres e sobreviveu ou a alguém que morreu. Tenho uma amiga que tinha saído tarde na véspera e quando ia para o trabalho naquele dia recebeu uma chamada para não apanhar o metro para o World Trade Center e sobreviveu. Outro amigo conseguiu sair da segunda torre antes de ela cair. Uma amiga perdeu o marido. Temos todos uma história.”

Também Francisco Resendes está convencido de que se se fala menos do 11 de Setembro do que há uns anos: o ataque “é um acontecimento incontornável na História do país e do mundo, o dia em que os Estados Unidos sofreram o maior ataque no seu território desde o bombardeamento à Base de Pearl Harbor, no Havai, em 1941, continuando bem vivo na memória de todos os americanos”.

Recordando que foi depois dos atentados de 2001 que surgiram medidas de segurança que ainda se mantêm até hoje, por exemplo nos aeroportos ou no acesso a edifícios público, bem como “leis, procedimentos e a criação de departamentos federais em nome da Guerra ao Terror, que moldou a estratégia de política externa norte-americana e redefiniu o conceito de segurança nos EUA”, o diretor do jornal Portuguese Times garante que “a História recente dos EUA conta-se em dois capítulos: o pré-11 de Setembro e o pós-11 de Setembro.

Momento em que o segundo avião embateu nas torres do World Trade Center.
Crédito: SETH MCALLISTER / AFP

Naturalmente que hoje há outras preocupações que se impõem, como o combate ao radicalismo, xenofobia, racismo, a reforma das leis da imigração, a economia, e as relações  diplomáticas e comerciais com as principais potências mundiais”, admite o luso-americano, nascido nos Açores, mas a residir há quase meio século em Massachusetts.

Francisco Resendes descreve o ambiente no pós-11 de Setembro como sendo de “terror e uma certa incredulidade perante o que se passava num país considerado o mais seguro do mundo, com um poderio militar inigualável, com os mais bem apetrechados e sofisticados serviços secretos”. Mas, garante, o ataque também “trouxe profunda reflexão e acima de tudo um sentido de união entre todos os norte-americanos. O país estava todo ele unido em apoio às famílias das vítimas e ao presidente de então, George W. Bush, irmanados num símbolo máximo do país: a bandeira nacional, que se erguia em vários estabelecimentos e residências e até mesmo nas viaturas”.

Katherine Vaz também destaca como, “naquele dia, a união prevaleceu, independentemente das crenças ou dos partidos políticos. Isso está destruído agora, para nossa tristeza, e a dolorosa reação contra os muçulmanos que se seguiu é bem conhecida. As divisões são muitas hoje, e quem pode dizer quanto resultou desse medo?” 

Essas divisões são personificadas pelos dois candidatos às Presidenciais de 5 de novembro: a democrata Kamala Harris e o republicanos Donald Trump. “De uma forma direta ou indireta, penso que a luta contra o terrorismo continua presente no discurso dos dois candidatos à Casa Branca. É verdade que as prioridades na sua agenda são outras, mas ambos são unânimes em admitir que um novo 11 de Setembro não pode acontecer. Por isso é admissível que a segurança dos cidadãos e do país perante a ameaça constante vinda do interior e do exterior continue a ser uma prioridade e esteja também na agenda de Kamala Harris e Donald Trump”, afirma Francisco Resendes.

Para Tim Sieber, o que se esconde por trás da retórica atual é “mais ansiedade e incerteza em relação ao papel dos EUA, tanto política como economicamente. Além de uma sensação generalizada de que o mundo se tornou mais multipolar, tanto em termos de rivalidade com a China, como do impacto do grupo do BRICS.  É mais claro que os EUA não têm exatamente o mesmo nível de hegemonia nestas áreas que costumavam ter.” Segundo o professor da Universidade de Massachusetts, “Kamala Harris está especialmente ansiosa por afirmar as suas credenciais como alguém que pode exercer uma ampla liderança global, e quer aproveitar o aniversário do 11 de Setembro para reformular o seu compromisso com a força e o propósito dos EUA”.

O académico explica que “nos EUA, nos últimos anos, existe uma perceção generalizada de que a resposta ao 9/11 foi ‘exagerada’, que a necessidade de uma Guerra ao Terror foi exagerada e que a indignação causada pelo 11 de Setembro atraiu os EUA para duas guerras dispendiosas e sangrentas no Iraque e no Afeganistão que foram ineficazes”.

A presença militar americana no Afeganistão, que os EUA atacaram logo em outubro de 2001 por recusar entregar Osama bin Laden, o líder da Al-Qaeda e cérebro dos atentados do 11 de Setembro, só terminou já com Biden no poder, numa retirada mal organizada que acabou por permitir o regresso ao poder dos talibãs, que os americanos tinham afastado há mais de duas décadas. Para Sieber, “depois do 11 de Setembro, houve uma enorme histeria sobre a vulnerabilidade dos EUA ao terrorismo, um forte apetite de vingança pelas 3000 mortes nos ataques e um jingoísmo generalizado e afirmações de orgulho patriótico. O clima hoje é mais calmo e um sentimento de ameaça à nação é sentido principalmente pela direita e, desta vez, concentra-se mais nos imigrantes e refugiados do que nos terroristas.”

Secretário de Estado adjunto para os Assuntos Públicos entre 2009 e 2011, Philip J. Crowley está convencido de que o facto de o 11 de Setembro hoje já não ter o mesmo destaque mediático que tinha há uns anos é, “ao mesmo tempo, boa notícia e má notícia”. 

“A boa notícia é que parte, senão toda, a resposta dos EUA e do mundo tem sido eficaz. As capacidades da Al-Qaeda e do Estado Islâmico foram bastante reduzidas. A nossa capacidade de impedir ataques foi melhorada. É difícil imaginar que os acontecimentos do 11 de Setembro se possam repetir hoje. A má notícia é que a ameaça do terrorismo islâmico foi substituída, como admitiu o Departamento de Segurança Interna, pelo terrorismo interno de direita.” 

Quanto à pouca atenção que o tema tem tido nestas Presidenciais, para o antigo porta-voz do Departamento de Estado no tempo de Hillary Clinton, “as Eleições Presidenciais nos EUA são geralmente sobre política interna, não sobre política externa. China, Taiwan, Rússia, Ucrânia, Israel e Gaza fazem parte da tapeçaria da campanha de 2024, mas as pessoas estão muito mais focadas na economia do que na política externa.” E acrescenta: “O terrorismo está na agenda, mas com uma reviravolta. Mais americanos estão preocupados com a repetição do dia 6 de Janeiro [o ataque ao Capitólio por apoiantes de Trump em 2021, para tentar impedir a oficialização da vitória de Biden] do que com o 11 de Setembro.”

Harris e Biden no local. Trump talvez

Acabada de regressar da Pensilvânia, onde na véspera vai estar frente a frente com Trump no primeiro debate entre os dois candidatos, Kamala Harris deverá estar nesta quarta de manhã no World Trade Center para participar, ao lado do presidente Joe Biden, nas cerimónias dos 23 anos do ataque. O presidente, que no ano passado assinalou a data numa base militar no Alasca, no regresso de uma viagem pela Ásia, estará este ano em Nova Iorque ao lado da sua vice e candidata à sua sucessão. Os dois deverão depois seguir para Shanksville e para o Pentágono, os outros dois locais dos atentados - o primeiro foi onde se despenhou o voo 93 da United Airlines, que se pensa ter tido como alvo o Capitólio ou a Casa Branca, e o segundo foi o alvo escolhido pelos piratas do ar para ser atingido pelo voo 77 da American Airlines.

Donald Trump também estará a ponderar visitar o Ground Zero, onde, como todos os anos, serão lidos os nomes das 2603 pessoas que ali perderam a vida naquele dia. Na altura dos ataques, o milionário nova-iorquino foi entrevistado por uma emissora local. Com o país em choque diante das imagens das Torres Gémeas que poucas horas antes se tinham desmoronado após o embate dos dois aviões, o empresário explicava como tinha visto “uma explosão enorme” da janela do seu escritório na Trump Tower.

“Não queria acreditar. Agora, estou a olhar para nada. Desapareceu. É difícil de acreditar”, afirmava. Questionado pela pivô sobre eventuais danos sofridos pelo edifício de que era dono no 40 Wall Street, Trump garante que não. Mas entretanto faz questão de sublinhar: “O 40 Wall Street era o segundo edifício mais alto da baixa de Manhattan e antes do World Trade Center era o mais alto - depois eles construíram o World Trade Center e passou a ser o segundo mais alto. E agora [o meu edifício] voltou a ser o mais alto.”

Em 2016, enquanto candidato às Pesidenciais, Trump esteve nas cerimónias no World Trade Center, tal como a rival democrata Hillary Clinton, que fora senadora por Nova Iorque. A última vez que o republicano esteve no local foi em 2021, para o 20.º aniversário do ataque.