Como garantir a segurança e a privacidade dos dados, permitindo, ao mesmo tempo, a investigação criminal num mundo assumidamente virtual, onde as comunicações, as transações e os crimes se fazem cada vez mais online? Trinta e dois chefes das polícias europeias lançaram este mês um alerta sério sobre o risco para a segurança pública do crescente uso da encriptação ponta-a-ponta das comunicações nas plataformas de mensagens. “Prejudica a capacidade de investigar e prevenir crimes”, alegam.
Portugal esteve representado pelo diretor Nacional da PJ, Luís Neves, que lembrou ao DN a Declaração Conjunta de Chefes de Polícia Europeus - Declaração de Lisboa - sobre Metadados e Investigação Criminal, que resultou de um encontro que decorreu no ano passado na sede desta Polícia, visando alertar para as dificuldades colocadas à investigação criminal devido à proibição do armazenamento dos metadados das comunicações, que deixou os investigadores sem acesso ao histórico das comunicações de suspeitos.
“Sem metadados e, desde há alguns anos com as comunicações encriptadas, as polícias vão ter cada vez mais dificuldades em resolver crimes e em combater organizações criminosas tecnologicamente capacitadas e multifacetadas para escapar ao controlo das autoridades. Esperemos que nunca cheguemos a um patamar de dificuldades em que seja preciso recorrer a medidas de exceção”, adiantou Luís Neves, à margem da reunião de Londres.
Numa declaração conjunta, a Europol e a National Crime Agency, do Reino Unido, exortam os Governos e empresas como a Meta (dona do Facebook, do Instagram e do Whats- App) a “tomarem medidas urgentes para garantir a segurança pública em todas as plataformas tecnológicas”.
Em causa está a decisão comercial anunciada, em dezembro, pela Meta de fazer, de forma automática, a encriptação ponta-a-ponta dos dados trocados na sua aplicação de mensagens Messenger, depois de já o fazer no WhatsApp. Isso significa que a empresa deixa de deter ou vigiar conteúdos ilegais e, por maioria de razão, não poderá nem denunciá-los, nem fornecê-los às autoridades quando o solicitam e estão mandatadas para tal. Desde 2016 já existia essa possibilidade para o utilizador, mas era opcional, o que deixa agora de acontecer. A criptografia ponta-a-ponta protege mensagens durante o processo de transferência, com o conteúdo só acessível pelo remetente e pelo destinatário.
Como principal argumento para este apelo pungente, as polícias apontam a quantidade expressiva de ações preventivas de crimes e de detenções realizadas com recurso a estes dados, que não seriam possíveis com a total encriptação de dados ponta-a-ponta. Num comunicado, a National Crime Agency afirma ter produzido “informações que levaram a 327 detenções, à apreensão de 3,5 toneladas de drogas de classe A, à recuperação de 4,8 milhões de libras, à identificação de 29 ameaças à vida anteriormente desconhecidas e a mais 100 ameaças de danos, entre janeiro e março deste ano”. Isto em apenas três meses e num só país.
As polícias consideram que “também prejudicará a capacidade de as autoridades policiais acederem legalmente aos dados no âmbito de investigações para prevenir e processar os crimes mais graves, como o abuso sexual de crianças, o tráfico de seres humanos, o contrabando de droga, o homicídio, a criminalidade económica e o terrorismo”.
Por isso, tanto o diretor-geral da NCA, Graeme Biggar, como a diretora executiva da Europol, Catherine de Bolle, salientaram a necessidade de as empresas tecnológicas manterem o acesso legal aos dados por parte das autoridades policiais e garantirem que os seus sistemas operativos, dispositivos e aplicações são seguros desde a conceção. “A encriptação pode ser extremamente benéfica, protegendo os utilizadores de uma série de crimes. No entanto, a implantação brusca e cada vez mais generalizada da cifragem de ponta-a-ponta, sem ter suficientemente em conta a segurança pública, está a colocar os utilizadores em perigo”, afirmou Big- gar na recente reunião, em Londres.
“Não podem proteger os seus clientes porque já não conseguem ver os comportamentos ilegais nos seus próprios sistemas”. Mas, alertou, “o abuso de crianças não para só porque as empresas decidem deixar de o ver”.