Terminou esta sexta-feira a quarta etapa dos protestos convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane sem se vislumbrar um desenlace para a crise social e política na sequência de umas eleições que, à exceção da Frelimo, o partido no poder desde a independência, todos reconhecem terem sido viciadas. A mais recente voz a lamentar a falta de transparência e de credibilidade do processo eleitoral foi a missão de observação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), presidida pelo ex-ministro português João Gomes Cravinho.
Com o candidato independente - em parte incerta - a declarar que os protestos não vão parar até ser reconhecida a verdade eleitoral, a resolução para o conflito que já provocou dezenas de mortos e perdas para a economia avaliadas em 24,8 mil milhões de meticais (367 milhões de euros) depende, em primeiro lugar, do acórdão do Conselho Constitucional. No entanto, desconhece-se quando é que a mais alta instância judicial moçambicana irá decidir sobre os recursos apresentados pelos partidos da oposição. Os juízes do Conselho Constitucional são indicados pelos deputados em função da sua representação eleitoral; ou seja, a maioria foi indicada pela Frelimo. “Aqueles juízes deveriam ter a coragem de renunciar à capa política”, considerou o reitor da Universidade Católica de Moçambique, o padre Filipe Sungo, que aconselhou ainda os magistrados a “serem mais profissionais e técnicos para credibilizarem o processo”, o que passa por analisarem de facto as “evidências apresentadas”, disse à Vatican News. Há dias, o bastonário da Ordem dos Advogados, Carlos Martins, disse que, perante a ausência de “dados fidedignos”, anular as eleições é “uma das equações que deve estar em cima da mesa”.
O professor universitário e investigador Fernando Jorge Cardoso, que viveu mais de três décadas em Moçambique, duvida que daquele órgão saia uma decisão consequencial. “O que a lógica ou a história do passado nos indica é que vai, seguramente, fazer alterações e modificações àquilo que foi enviado”, tal como aconteceu nas eleições municipais de 2023. “Não estou à espera que o Conselho Constitucional faça quaisquer alterações que invertam o sentido dos resultados indicados pela CNE. Porém, tudo vai depender entre hoje e o momento em que eles vão fazer essa declaração, porque muito provavelmente vai arrastar-se até meados de dezembro. E daqui até lá não sabemos como é que isto vai decorrer”, afirma ao DN.
Fernando Jorge Cardoso sublinha que o que se passa é “uma questão social complicadíssima, que tem a ver com o subdesenvolvimento de Moçambique, e com a incapacidade por parte das elites de desenvolver e conseguir criar condições para as pessoas”.
No último dia da quarta etapa das paralisações, uma notícia mais abala as estruturas do regime. Uma investigação da ONG sul-africana Open Secrets revelou que as elites no poder da República Democrática do Congo, Guiné Equatorial e Moçambique desviaram milhões para comprar imobiliário de luxo na África do Sul. Os investimentos ocorreram no âmbito das “dívidas ocultas”, o maior escândalo de corrupção pública da história de Moçambique. “A investigação da Open Secrets revelou que o filho do presidente Filipe Nyusi, Jacinto Ferrão Filipe Nyusi, comprou uma casa de luxo no valor de 17,5 milhões de rands (911 mil euros) em Sandhurst, um subúrbio de Joanesburgo”, lê-se no relatório de cem páginas. A aquisição aconteceu em 2015, “dois anos após a campanha política do seu pai ter aceitado subornos da Privinvest”, uma das empresas indiciadas no caso das dívidas ocultas de mais de 2 mil milhões de euros. Mas há mais: dois filhos do anterior presidente, Armando Guebuza, também compraram imóveis de luxo no país vizinho. Ndambi viria a ser condenado em 2022 por ter aceitado 33 milhões de dólares em subornos.
“O que é a Frelimo? A Frelimo não é o conjunto dos militantes. A Frelimo foi tomada por 100 a 150 pessoas, que são quem na verdade manda no país. São eles que têm as riquezas, foram eles que tomaram conta dos bens públicos. São eles que estão nas posições-chave. São eles que determinam de facto aquilo que está a acontecer”, considera Fernando Jorge Cardoso. “E o chefe desta Frelimo não é o Nyusi. O Nyusi tem menos força do que um conjunto de outros elementos que estão lá dentro.” Quem? “Há vários chefes, há várias tendências. Estão todos de acordo com uma coisa, não querem grandes mudanças. Porque se houver grandes mudanças, eles vão perder negócios que entretanto dividiram entre eles. Portanto, a solução tem que sair fora da Frelimo.”
A pressão externa não deverá mudar o rumo das coisas. Os países da região vão reunir-se no quadro da SADC (a sigla em inglês pela qual é conhecida a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), no entanto os analistas não esperam proclamações de apoio à indignação popular. O ANC da África do Sul, o MPLA de Angola, a ZANU do Zimbabué ou o CCM da Tanzânia são partidos no poder com fortes laços com a Frelimo. E, por exemplo, o presidente angolano João Lourenço felicitou de pronto Daniel Chapo, o candidato da Frelimo.
Quanto a Portugal, tem mantido o silêncio sobre os resultados eleitorais. “O antigo colonizador não deve tomar posição absolutamente nenhuma, exceto silenciosamente no sentido do diálogo, no sentido da paz. Portugal é o último país a poder fazer isso, seria um erro político muito grave”, diz Fernando Jorge Cardoso. “O que o governo português não pode fazer é pronunciar-se a dizer que o Daniel Chapo ganhou. É a melhor posição política e a melhor ajuda que Portugal pode dar a Moçambique.”
Então, que cenários restam para a saída da crise? Segundo o professor catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa, além das hipóteses da certificação dos resultados pelo tribunal e a continuação da convulsão social, há a hipótese de um golpe de Estado militar - contam-se quase mil golpes em África desde as independências, lembra. Mas a melhor de todas é um “diálogo forçado”. Por quem? “Não se vai dialogar com as pessoas que estão no meio da rua. Não se vai dialogar com Venâncio Mondlane, que está provavelmente fora da região. Então, esse diálogo tem que ser feito com os partidos políticos. Mas, principalmente, com os líderes religiosos. Os bispos da Igreja Católica, os principais representantes das associações islâmicas e os principais bispos das igrejas protestantes são, do meu ponto de vista, a grande esperança que Moçambique tem”, garante Fernando Jorge Cardoso.