Eleições
24 janeiro 2024 às 15h51
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Extrema-direita já não quer sair da União Europeia, basta conquistá-la

Estudo prevê uma subida grande dos partidos de extrema-direita nas eleições do Parlamento Europeu de 2024. Os resultados podem comprometer as políticas em matéria de clima e tornar mais restritiva a imigração.

"Pouco a pouco, a sala de jantar bem iluminada de um hotel rural perto de Potsdam enche-se de gente. São cerca de duas dúzias, uma mistura de membros da AfD (Alternativa para a Alemanha), seguidores do movimento Identitário e membros de fraternidades estudantis nacionalistas (Burschenschaft). Entre os participantes estão também pessoas da classe média – médicos, advogados, políticos e empresários. Até dois membros do Partido Democrata-Cristão (CDU), de centro-direita, participaram, ambos pertencentes à associação conservadora de base do seu partido, a "União dos Valores" (WerteUnion)”, assim começa o texto do site de investigação Correctiv, cuja reportagem ajudou a levar para a rua as maiores manifestações antifascistas na Alemanha, com mais de um milhão e meio de pessoas presentes, e deu força ao pedido de ilegalização da AfD, partido que está em segundo lugar nas sondagens na Alemanha e que é um dos que mais sobe no estudo europeu, encomendado pelo European Council on Foreign Relations (ECFR). 

“A neve está a cair sobre os carros estacionados no pátio. Os acontecimentos que vão ter lugar hoje no hotel Landhaus Adlon vão parecer um drama distópico. Só que são reais. E vão mostrar o que pode acontecer quando os líderes das ideias de extrema-direita, os representantes do AfD e os simpatizantes ricos se juntam. O seu objetivo comum é a deportação forçada de pessoas da Alemanha, com base num conjunto de critérios racistas, independentemente de terem ou não cidadania alemã.”, escrevem os jornalistas do Correctiv.

O site de investigação considera que estamos em presença de uma reunião que pode ter efeitos concretos, dado o poder e a fortuna das pessoas envolvidas. Será muito mais do que uma reunião de ideólogos de direita. Alguns são incrivelmente ricos. Outros têm muita influência no seio do AfD. Um deles gabou-se, no hotel, de falar em nome da direção do AfD. É o assessor pessoal de Alice Weidel, a líder do partido.

A extrema-direita cresce na Europa

No estudo do ECFR prevê-se que, pela primeira vez desde que há Parlamento Europeu, a extrema-direita possa fazer maioria com a direita, e que sobretudo possa conquistar tantos lugares que pode comprometer as decisões europeias em matéria de clima e de política externa. Mesmo em matéria de imigração, apesar de já ter sido aprovado um pacote de medidas europeias a reboque das reivindicações dessa mesma extrema-direita, as medidas podem tornar-se mais radicais. Como o chamado “Plano Mestre” e “remigração” que foi abordado na reunião alemã no início destas linhas. 

O novo estudo do ECFR, “A sharp right turn: A forecast for the 2024 European Parliament elections”, é sustentado por recentes sondagens de opinião dos 27 estados-membros da UE e moldado por um modelo estatístico do desempenho dos partidos nacionais em anteriores eleições para o Parlamento Europeu, incluindo os escrutínios de 2009, 2014 e 2019.

O documento  prevê uma “viragem acentuada à direita” nas próximas eleições para o Parlamento Europeu – com o grupo Identidade e Democracia (ID) de partidos de extrema-direita e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) a registarem avanços muito significativos.

O estudo revela que os partidos da direita populista “antieuropeia” estarão no topo das sondagens em pelo menos nove estados-membros da UE e ficarão em segundo ou terceiro lugar noutros nove países do bloco. 

Os resultados mostram que os dois principais grupos políticos – o Partido Popular Europeu (PPE) e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) – verão a sua representação diminuir ainda mais. No entanto, o PPE continuará a ser a maior bancada no próximo parlamento, manterá o poder de definição da agenda e terá uma palavra a dizer na escolha do próximo Presidente da Comissão Europeia.

 Os coautores deste estudo, Simon Hix e Kevin Cunningham, consideram que esta mudança deve servir de “alerta” para os decisores políticos, dada a possível ameaça que representa para os atuais compromissos da UE – incluindo o apoio à Ucrânia e o Acordo Verde Europeu. 

“As conclusões do nosso novo estudo indicam que a composição do Parlamento Europeu se deslocará acentuadamente para a direita nas eleições deste ano, o que poderá ter implicações significativas para a capacidade da Comissão Europeia e do Conselho de levar por diante os compromissos ambientais e de política externa, incluindo a próxima fase do Pacto Ecológico Europeu”, afirma  Kevin Cunningham.

Comentando as implicações políticas destes resultados, Simon Hix, coautor e presidente da cadeira de política comparada Stein Rokkan do Instituto Universitário Europeu de Florença, recordou a situação mundial em que vivemos.

“Num contexto de populismo agitado, que poderá atingir um novo pico com o regresso de Donald Trump à presidência dos EUA no final deste ano, os partidos das correntes políticas dominantes têm de acordar e fazer um balanço claro das exigências dos eleitores, reconhecendo simultaneamente a necessidade de uma Europa mais interventiva e poderosa na cena mundial.”

Os partidos “populistas” antieuropeus estão em vias de emergir como os principais vencedores das próximas eleições europeias, com as projeções a mostrarem que estarão no topo das sondagens em países como a Áustria, a França e a Polónia, e que terão um forte desempenho na Alemanha, Espanha, Portugal e Suécia em junho de 2024. O declínio previsto do apoio aos partidos centristas até agora dominantes, juntamente com um aumento dos partidos extremistas e dos partidos mais pequenos, é suscetível de colocar ameaças significativas a pilares cruciais da agenda europeia, incluindo o Pacto Ecológico Europeu, as políticas migratórias, a continuação do apoio à Ucrânia e, mesmo, o futuro do alargamento da UE. 

O Chega pode passar a AD

Em Portugal as principais alterações, dadas pelo estudo, são a subida da extrema-direita, podendo eleger quatro eurodeputados, e a perda de três eurodeputados no grupo da Esquerda, que na anterior eleição tinham eleito dois do BE e dois da CDU. 

O grupo da esquerda tem um desempenho desigual, subindo significativamente na Irlanda e Alemanha, e descendo em Portugal, por exemplo. No entanto, fica por saber se se passará assim, porque ainda não é claro em que grupo europeu se vai incorporar o novo partido de esquerda alemão anti-imigrante e a coligação espanhola Sumar. 

Sobre a subida da extrema-direita em Portugal, Almeida Ribeiro, diretor da empresa de sondagens Aximage caracteriza, para o DN, as regras que têm mapeado a política portuguesa.

“O eleitorado português está dividido em em dois hemisférios: esquerda e direita. E dentro da direita está a ocorrer um fenómeno de transferência de pessoas e votantes para as novas formações políticas. E verdadeiramente a única novidade é o Chega – no estilo, na linguagem, nos temas e fixou-se naquilo que as pessoas querem ouvir e não naquilo que os líderes querem dizer. Esta é uma característica clássica destes partidos populistas e de extrema-direita. É uma das coisas que explica a atração que eles exercem sobre o eleitorado jovem: são novidade, dizem as coisas de uma forma não habitual , hostil e provocatória.” 

Para Almeida Ribeiro, as nossas sociedades reconfiguram-se e estilhaçaram-se. “As sociedades contemporâneas modernas fragmentaram-se e tribalizaram-se. Isso tem muito que ver devido a não serem tão homogéneas e aos próprios dispositivos de comunicação e as redes sociais.”

Os conflitos sociais deixaram muitas vezes de serem expressão das desigualdades económicas, defende o diretor da Aximage. “Hoje os fenómenos ligados à pobreza e às desigualdade estão mais associados aos subúrbios , à imigração e a franjas de população que não constituem o grosso do eleitorado. Por isso é que eu não associo o crescimento da extrema-direita a questões económicas , como tradicionalmente se pensava, em países industrializados que tinham uma classe operária forte e partidos que representavam esses setores. As sociedades alteraram-se.” 

Uma das bandeiras da extrema-direita populista é o perigo da imigração, mas se formos a ver as estatísticas são menos de 7% os emigrantes fora da Europa na União Europeia. Sobre isso, Almeida Ribeiro alerta que há pesos diferentes e superiores em outros países e afirma que, mais que sobre factos, a extrema-direita concentra-se no medo que projeta.

“Enquanto os partidos políticos de protesto tradicional exploravam as questões relacionadas com a exploração, os partidos populistas de extrema-direita  exploram o medo. Todo o discurso deles é para provocar medo e emoções e transformar isso em voto. Isso é um dos segredos da sua atratividade”. 

Para o diretor da Aximage ainda não se atingiu o limite do crescimento do Chega em Portugal.

“É possível um cenário em que o Chega ultrapassa a AD. Há sempre um cisne negro à espera. Os sinais estão à vista, não só o número de votos, mas da transferência de pessoas dos partidos tradicionais de direita para o Chega”.  

Os resultados das próximas eleições no Parlamento Europeu podem servir de precursor para outras eleições nos Estados-Membros, incluindo na Áustria, Alemanha e França.

Na Áustria, qualquer aumento de apoio ao FPÖ pode prolongar-se até às eleições nacionais, previstas para outubro de 2024, enquanto o desempenho da AfD alemã, nas europeias, pode dar mais força à extrema-direita germânica para as eleições parlamentares em 2025. Entretanto, a França encontra-se num momento crucial. No meio de uma taxa de desaprovação de 70% do Governo de Emmanuel Macron e de um apoio crescente ao partido de direita radical de Marine Le Pen, o Presidente francês remodelou recentemente o seu Executivo, marcando uma mudança pronunciada para a direita, adotando medidas restritivas para a imigração. Estas medidas , juntamente com os resultados das eleições europeias de junho, poderão marcar o tom das eleições presidenciais do país em 2027.

Tópicos de uma grande mudança política

Viragem política: As eleições para o Parlamento Europeu de 2024 assistirão a uma grande viragem à direita em muitos países, com os partidos populistas da direita radical a ganharem votos e eleitos em toda a UE, e partidos de centro-esquerda e verdes a perder votos e eurodeputados.

Geografia da mudança: É provável que os populistas antieuropeus estejam no topo das sondagens em nove estados-membros (Áustria, Bélgica, República Checa, França, Hungria, Itália, Países Baixos, Polónia e
Eslováquia) e em segundo ou terceiro lugar em outros nove países (Bulgária, Estónia, Finlândia, Alemanha, Letónia, Portugal, Roménia, Espanha e Suécia).

O fim do Centrão: De acordo com o estudo, quase metade dos lugares serão ocupados por deputados fora da “super coligação” dos três grupos centristas.

Maioria de direita: Uma coligação populista de direita, composta por democratas-cristãos, conservadores e deputados da direita radical dominará o novo Parlamento Europeu. A direita populista somada ao Partido Popular Europeu, da direita clássica, poderá obter, pela primeira vez, uma maioria de lugares. 

Mudança dramática de políticas: Esta “viragem à direita” terá consequências significativas para as políticas a nível europeu, o que afetará as escolhas de política externa que a UE pode fazer, em especial questões ambientais, em que a nova maioria se oporá a uma ação ambiciosa de Bruxelas para fazer face às alterações climáticas. São também certas alterações mais radicais na política de imigração.