Operação Concerto
04 julho 2024 às 10h26
Atualizado em 04 julho 2024 às 11h12
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Megaoperação da PJ. Luís Bernardo alvo de buscas por suspeitas de corrupção e MAI também visado

Empresa do consultor de comunicação, ex-assessor de Sócrates e antigo diretor de comunicação do Benfica, na mira da justiça. Em causa estão suspeitas de corrupção em contratos públicos para assessoria de entidades públicas, como autarquias. Operação policial visa a "execução de 34 mandados de busca e apreensão".

A Polícia Judiciária (PJ) está a realizar, na manhã desta quinta-feira, dezenas de buscas que visam Luís Bernardo, ex-assessor de José Sócrates e antigo diretor de comunicação do Benfica, e João Tocha, confirmou o DN. As buscas, segundo um comunicado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), também se estenderam à secretaria-geral do Ministério da Administração Interna.

Na operação "Concerto", estão em causa suspeitas de crimes de corrupção, prevaricação, participação económica em negócio e abuso de poder relacionados com contratos públicos que visam a empresa do consultor de comunicação, a Wonder Level Partners (WLP), e a First Five Consulting, de João Tocha

"Em causa estão fortes suspeitas de favorecimento de empresas do setor da comunicação, publicidade, marketing digital e marketing político, por parte de diversas entidades públicas", refere a PJ, em comunicado, dando conta que estão a ser investigados "factos suscetíveis de enquadrar a prática dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, prevaricação, participação económica em negócio, abuso de poderes (titulares de cargos políticos) e abuso de poder (regime geral)". 

O DCIAP, entretanto, emitiu um comunicado, onde confirma que também houve buscas na secretaria-geral do Ministério da Administração Interna. "As buscas foram realizadas em residências da região de Lisboa e em sedes de várias empresas comerciais e públicas, bem como em diversas instalações, sobretudo na região de Lisboa, designadamente de uma universidade, de municípios, de uma freguesia de Lisboa, de serviços municipalizados, de empresas municipais e da secretaria-geral do Ministério da Administração Interna", pode ler-se.

O DCIAP fala em "cerca de uma dezena de buscas domiciliárias, autorizadas por um juiz de instrução, e mais de duas dezenas de buscas não domiciliárias, para a recolha de elementos de prova"

"No processo investigam-se matérias relacionadas com contratação pública, existindo suspeitas de que diversas empresas comerciais da área de prestação de serviços de comunicação e marketing participaram num esquema concertado que passava pela apresentação de propostas em concursos públicos, criando falsamente um cenário de aparente concorrência e legalidade mas tendo em vista garantir, à partida, quais seriam as vencedoras das adjudicações. Os factos terão ocorrido entre 2020 e 2024 e são suscetíveis de constituir crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, prevaricação, participação económica em negócio e abuso de poder", acrescenta o mesmo comunicado do DCIAP.

O DN contactou o gabinete de imprensa do MAI, mas foi respondido não ser possível confirmar.

O período da investigação, entre 2020 e 2024, abrange o mandato de Eduardo Cabrita e de José Luís carneiro como ministros da Administração Interna.

O DN apurou que se suspeita que estas empresas faziam parte de um esquema concertado que passava pela apresentação de propostas em concursos públicos tendo à partida a garantia de que seriam as vencedoras das adjudicações.

Através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, a operação da PJ viso a "execução de 34 mandados de busca e apreensão, 10 buscas domiciliárias e 13 não domiciliária em organismos públicos, e 11 buscas não domiciliárias em empresas, em Lisboa, Oeiras, Mafra, Amadora, Alcácer do Sal, Seixal, Ourique, Portalegre, Sintra e Sesimbra".

No âmbito do inquérito dirigido pelo DCIAP,  a Unidade de Combate à Corrupção da PJ tem cerca de 150 elementos a efetuar as diligências. São "inspetores e peritos da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística e da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da PJ, além de 8 magistrados do Ministério Público, no DCIAP". 

A empresa de Luís Bernardo é uma das visadas pelas dezenas de buscas, nomeadamente pela forma como consegue contratos para liderar a comunicação de entidades públicas por ajuste direto ou consulta prévia.

As suspeitas de corrupção estendem-se a assessorias de comunicação de câmaras municipais, por exemplo. Segundo apurou o DN, as buscas aconteceram em casas particulares, empresas comerciais e públicas, instalações de municípios, de uma universidade, de uma freguesia de Lisboa, de serviços municipalizados e de empresas municipais.

"As diligências realizadas visam consolidar a indiciação de que, às empresas referenciadas pela investigação, terão sido adjudicados contratos, por ajuste direto ou por consulta prévia, em clara violação das regras aplicáveis à contratação pública, designadamente, dos princípios da concorrência e da prossecução do interesse público, causando elevado prejuízo ao Erário Público", explica a PJ. 

A Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ vai prosseguir com a investigação, tendo em vista "a análise aos elementos probatórios recolhidos, através do seu exame e eventual intervenção pericial, visando o apuramento integral de todas as condutas criminosas, o seu cabal alcance e, bem assim, a sua célere conclusão", resume a força policial.  

Quem são Luís Bernando e João Tocha

Consultor de comunicação, Luís Bernardo começou como jornalista em 1992, tendo feito parte da equipa fundadora da TVI, e chegou a assessor dos antigos primeiros-ministros e líderes do Partido Socialista António Guterres e de José Sócrates.
 
Antes de ascender ao gabinete de Guterres em 1999, aceitou um convite do malogrado dirigente socialista Jorge Coelho para se tornar assessor do então ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. O atual líder da ONU dedicou-lhe uma nota de louvor em 2002, após a demissão do seu Governo, reconhecendo-lhe “ponderação, sensatez, competência, profissionalismo e grande sensibilidade política”. Durante o Executivo de Guterres, Luís Bernardo acompanhou dossiers importantes como o processo de transição de Timor-Leste ou o acidente de Castelo de Paiva, que levou à demissão de Jorge Coelho.
 
Entretanto, criou a sua primeira empresa em 2002, a sociedade Ideia Prima – Consultoria de Imagem, Comunicação e Eventos, que teve como sócios algumas pessoas ligadas ao Partido Socialista, do qual é militante desde 1987, tendo integrado em 1990 o Secretariado Nacional da Juventude Socialista liderado por António José Seguro. A firma tornou-se proprietária de alguns órgãos de comunicação social dos concelhos de Sintra Oeiras, nomeadamente Cidade Viva (Sintra), Correio da Cidade (Queluz, Sintra) ou Correio de Oeiras.
 
Em março de 2005 voltou a estar ligado à política como assessor de imprensa no gabinete do ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, com quem havia trabalhado na TV, e em julho desse ano pediu a exoneração para dirigir a campanha eleitoral à presidência da Câmara Municipal de Lisboa de Manuel Maria Carrilho.
 
À derrota do candidato socialista seguiu-se a nomeação para assessor do gabinete do então primeiro-ministro José Sócrates em janeiro de 2006, tendo ficado no cargo até à derrota nas legislativas de 2011. Tal como Guterres, também Sócrates lhe dedicou uma nota de louvor, realçando a “forma extremamente leal, competente e dedicada” como trabalhou.

Posteriormente, trabalhou como consultor de comunicação do Sporting (2015-16) e diretor de comunicação do Benfica (2016-17 a 2020-21).
 
Mais recentemente, a sua empresa Wonderlevel Partners (WLP) prestou serviços de assessoria a entidades governamentais ou dependentes do Governo, autarquias e à Global Media Group (que detém o DN) após a entrada do fundo World Opportunity Fund (WOF) na estrutura acionista, em setembro de 2023, até pedir suspensão do contrato, no final de janeiro deste ano. Esse contrato nunca foi reconhecido pela atual administração da Global Media, tendo Luís Bernardo avançado com uma ação judicial por falta de pagamento durante a atual administração, precisamente por esta não ter reconhecido o negócio.
 
Já João Tocha, amigo pessoal de Luís Bernardo, é líder da empresa de serviços de comunicação Remarkable e um dos sócios da First Five Consulting (F5C), fundada em setembro de 2007, tendo também colaborado com o governo de Sócrates. Mas a sua entrada no mundo da comunicação sucedeu na Emirec, ainda na década de 1990.
 
Assumido maçom, iniciado no Grande Oriente Lusitano (GOL), onde integra a loja Lusitânia, Tocha é sócio-gerente da Tocha Global Communication, trabalhou nas empresas de comunicação LPM e Cunha Vaz e foi diretor do jornal Jovem Socialista nos tempos em que António José Seguro liderava o PS. Nessa altura, tornou-se militante do partido, mas diz não pagar as cotas desde as eleições internas entre Seguro e António Costa, em setembro de 2013.
 
Tocha foi ainda consultor do antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos, de diversos ministérios do Governo português, e do antigo presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, pelo qual fez campanha. Também coordenou diversas campanhas autárquicas em Portugal.

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