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Política
15 novembro 2024 às 23h38
Leitura: 13 min

Aumento de pensões nas mãos do Chega e AD ainda ameaçou PS com descida maior no IRC

Prazo para apresentar propostas terminou, com o registo histórico de mais de duas mil alterações. Em causa estão sobretudo duas áreas em que a divergência do Governo com o PS é evidente, mas à noite os socialistas concordaram com o IRC a 20%.

O último dia do prazo para apresentar alterações à proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) confirmou que a redução do IRC e o aumento extraordinário das pensões mais reduzidas serão os pontos quentes da fase de especialidade. E mais uma demonstração dos desafios decorrentes de uma legislatura em que a Aliança Democrática está muito longe de ter maioria absoluta para garantir a aprovação das suas iniciativas e em que os dois maiores partidos da oposição (PS e Chega), ainda que incompatíveis ideologicamente, podem convergir em votações e fazer valer a força dos 128 deputados que têm em conjunto.

Excluído pelo Governo está um aumento extraordinário das pensões, com essa mensagem a ser repetida nesta sexta-feira pelos ministros das Finanças e do Trabalho, Joaquim Miranda Sarmento e Maria do Rosário Palma Ramalho, nas audições que os levaram à Assembleia da República. Tanto eles como os líderes parlamentares do PSD e CDS-PP, Hugo Soares e Paulo Núncio, defendem que o maior reforço dos rendimentos dos pensionistas no próximo ano estará dependente da evolução da economia nacional. Os responsáveis pelos grupos parlamentares resultantes da vitória da Aliança Democrática não foram mais longe do que a apresentação de um “compromisso em letra de lei de atualização extraordinária das pensões no ano de 2025 caso as condições económicas e financeiras do país o permitirem”.

Apesar disso, tanto o PS como o Chega defenderam que as suas respetivas propostas de aumento extraordinário não põem em causa o equilíbrio orçamental. Os socialistas, que tiveram a líder parlamentar Alexandra Leitão a apresentar as propostas de alteração, juntamente com os deputados António Mendonça Mendes e Marina Gonçalves, garantem que  o aumento adicional de 1,25% nas pensões até três indexantes de apoios sociais (1527 euros) terá um impacto orçamental de 265 milhões de euros. E que o conjunto das propostas “justas e responsáveis” do PS fica abaixo dos 475 milhões de euros de margem orçamental libertada pela alteração que o Governo aceitou fazer no IRS Jovem.

O aumento extraordinário de pensões advogado pelo Chega é superior em termos percentuais (1,5%), mas em simultâneo mais contido no universo abrangido (quem recebe até dois indexantes de apoios sociais, ou seja, 1018 euros). Referindo-se ao “problema estrutural” de haver idosos em Portugal que “têm de escolher entre a alimentação e a medicina”, André Ventura defendeu esta sexta-feira que a proposta do seu partido prevê a aplicação do excedente da Segurança Social, pelo que diz que é “responsável e não procura violar o equilíbrio orçamental”. E, depois de recordar que o Chega defende que a pensão mínima seja equiparada ao salário mínimo nacional “de forma progressiva”, o líder partidário deixou claro que não exclui a aprovação da proposta socialista. “Vamos avaliar”, disse.

Reviravolta no IRC

Ainda mais imprevisível é o equilíbrio de poder entre os três principais blocos da Assembleia da República no que diz respeito à redução do IRC. Isto porque o recuo do Governo, que limitou a descida do imposto cobrado às empresas a um ponto percentual (de 21% para 20%) permitiu que o PS viabilizasse o OE2025, mas não conseguiu convencer os socialistas, que pretendem a manutenção da taxa atual e recusam “reduções transversais”.

O líder parlamentar social-democrata Hugo Soares anunciou durante a tarde que, perante a indicação de que “dirigentes destacados do PS” se opõem à descida para 20%, a Aliança Democrática “sente-se legitimada para voltar à sua proposta inicial, consagrada no Programa do Governo e no Programa Eleitoral”. Ou seja, a retoma da descida para 19%, sabendo-se que reduzir o IRC “é um ponto fundamental da política económica do Governo e um compromisso eleitoral com os portugueses”.

A “ameaça” de uma redução maior nos impostos pagos pelas empresas está a ser encarada como uma forma de pressionar o PS para aceitar os 20% constantes da proposta orçamental aprovada na generalidade. Ao final da noite, foi isso mesmo que aconteceu, com o PS a indicar à Lusa que aceitará viabilizar a descida para 20%. Sendo certo que, a haver ainda assim um impasse, isso constitui um desafio às garantias de Pedro Nuno Santos de que o OE2025 também contará com a viabilização socialista na votação final global, que se encontra agendada para 29 de novembro.

A descida do IRC para 19% teria o condão de agradar mais aos outros partidos do lado direito do hemiciclo, pois tanto o Chega como a Iniciativa Liberal têm defendido uma redução maior. André Ventura salientou que essa proposta constava do “caderno de encargos” da Aliança Democrática, apontando a limitação da descida como um dos sinais de que está em causa um “Orçamento de continuidade” com a governação socialista, devido às “cedências do PSD”, que permitiram uma carga fiscal “praticamente igual à que havia com o PS”. 

De igual forma, o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, garantiu que o seu grupo parlamentar não inviabilizará “nenhuma proposta que implique uma descida de IRC”. Apesar de os liberais pretenderem 12% para a generalidade das empresas.

Partidos com novo recorde de propostas

O Orçamento do Estado para 2025 conta desde já com um novo máximo de propostas de alteração apresentados pelos partidos, ultrapassando por larga margem o anterior recorde de 1864, estabelecido no ano passado. À hora de fecho desta edição, quando ainda era tecnicamente possível registar propostas na Assembleia da República, tinham sido colocadas 2113. Para tão grande número contribuíram sobretudo o Chega, o BE e o PAN, estando garantido que as votações na especialidade, antes da final global, a 29 de novembro, serão processos morosos.   

PRINCIPAIS PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO

Todos os partidos com representação parlamentar querem alterar o Orçamento do Estado aprovado na generalidade. Impostos, Saúde e Administração Pública são notas dominantes. 

Aliança Democrática

Ultrapassada a hipótese de o PS obstar à diminuição de um ponto percentual na taxa de IRC, que consta da proposta de Orçamento do Estado viabilizada na generalidade, os grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP deixarão cair a proposta de alteração no sentido de regressar à descida de dois pontos percentuais (para 19%) que constava do Programa de Governo. Mas pretendem reforçar os cuidados continuados e a rede nacional de cuidados paliativos, bem como a promoção da maior utilização de medicamentos genéricos.

Partido Socialista

O aumento extraordinário das pensões mais reduzidas não é a única exigência de Pedro Nuno Santos nas negociações para a aprovação da proposta de Orçamento do Estado a voltar à discussão. O PS também defende a criação de um regime de dedicação exclusiva ao Serviço Nacional de Saúde, e de uma dotação plurianual específica para investir em habitação a preços acessíveis e alojamento para estudantes. E quer garantir a manutenção de publicidade na RTP e eliminar o teto máximo de 472 milhões de euros desejado pelo Governo na transferência de verbas do IRC para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Chega

André Ventura garante que fará tudo para que haja aumento de pensões e descida do IRC, ainda que não nos termos defendidos pelo Chega. Mas entre as cerca de 600 propostas encontra-se a equiparação do suplemento de missão atribuído à Polícia Judiciária para as restantes forças policiais, a atribuição de suplemento de risco para os bombeiros e a criação de uma taxa de solidariedade que incida sobre os setores que beneficiaram da inflação.

Iniciativa Liberal

Entre as cerca de 50 propostas dos liberais destacam-se as que visam reduzir a carga fiscal. O partido votará a favor de uma descida do IRC, mas  também propõe o fim da derrama estadual e tributação autónoma. E defende uma taxa única de 15% no IRS aplicado aos rendimentos de trabalho extraordinário e segundo emprego, a descida do Imposto sobre Produtos Petrolíferos, uma reforma da Administração Pública que reduza 50 mil empregos e a eliminação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, mais conhecido por “Imposto Mortágua”.

Bloco de Esquerda

A medida mais emblemática é a criação de um novo imposto sobre grandes fortunas, para contribuintes com património igual ou superior a três milhões de euros, inspirado no que já vigora em Espanha. Em sentido contrário, o Bloco propõe que as taxas intermédia e reduzida do IVA sejam reduzidas num ponto percentual (passando a 12% e a 5%), aliviando o peso dos impostos indiretos. No que toca às privatizações, Mariana Mortágua não quer que sejam “feitas pela calada da noite”, pelo que espera introduzir uma norma a estipular que a venda de capital da TAP a privados não possa ocorrer sem consultar a Assembleia da República. E advoga-se que o subsídio de refeição dos funcionários públicos passe para 10 euros ou o aumento na comparticipação de medicamentos e aparelhos auditivos e próteses - até 100% para quem tenha um rendimento abaixo de 14 salários mínimos nacionais).

PCP

Os comunistas propõem um novo imposto de 0,8% sobre património imobiliário superior a um milhão de euros, tal como uma taxa especial de 35% nas transferências para offshores. E o partido também pretende um aumento do subsídio de refeição para 10,50 euros, tanto no setor público como no privado, tal como a integração dos trabalhadores com vínculos precários na Administração Pública, a universalidade do abono de família e o reforço dos direitos de maternidade e paternidade. Nomeadamente com o alargamento da licença paterna em 60 dias e a dispensa diária de uma hora e meia para amamentação de bebés até dois anos.

Livre

O partido quer introduzir a herança social, que consiste numa conta-poupança de cinco mil euros disponibilizada pelo Estado e mobilizável pelos nascidos em Portugal, quando atingem a maioridade, para a compra de casa própria, criação de empresa ou propinas. E o alargamento da experiência dos quatro dias semanais de trabalho, o reforço programa de combate à pobreza energética 3C e a criação de um fundo de emergência de 20 milhões de euros para áreas ardidas.

PAN

Entre as mais de 200 propostas destaca-se a redução do IVA nas rações e nos cuidados médico-veterinários, de 23% para 6%, tal como o fim da isenção de IMI para espaços dedicados a espetáculos tauromáquicos e da isenção de IVA para os profissionais desse setor. Também se propõe aumentar para 12 milhões de euros o Fundo de Emergência Municipal e a criação de um Fundo Sísmico para Desastres Naturais. Advoga-se ainda o fim das “borlas fiscais” às empresas mais poluidoras e a utilização dessas verbas para subsidiar a gratuidade dos transportes públicos. Por fim, no IRS Jovem, o PAN pretende a exclusão dos contribuintes com rendimentos mais elevados e o alargamento a quem ainda não conseguiu sair de casa dos pais.