Dos 278 municípios de Portugal Continental, 153 ainda não têm registo cadastral dos seus terrenos. Ou seja: não se conhecem, oficialmente, as configurações geométricas (e a área), nem quem são os donos das terras nesses locais, que representam 55% do território.
A maior parte, sobretudo de caráter rústico, localiza-se no norte do país, onde o levantamento é mais difícil por várias razões, entre as quais, aponta Paulo Pimenta de Castro, presidente da Acréscimo - Associação de Promoção ao Investimento Florestal, está a própria natureza do terreno, “composto sobretudo por minifúndios”.
No entanto, isso não justifica tudo, segundo o também engenheiro silvicultor. “Já há uma parte considerável do território cadastrado, mesmo em termos de minifúndio, que tem a ver com toda a rede de infraestruturas, como a rede ferroviária ou a rede de telecomunicações”, explica, criticando: “Na prática, era apenas preencher as partes que ficavam no meio, digamos assim, dessas retas constituídas por este tipo de infraestruturas. Não se faz porque não se quer.”
Segundo o mapa disponível no site da Direção-Geral do Território (DGT), há apenas sete concelhos já mapeados a norte do Distrito de Aveiro (Paredes, Penafiel, Santa Marta de Penaguião, Mesão Frio, Peso da Régua, Lamego e Mogadouro). De resto, a carta cadastral da maior parte dos concelhos nessa região é desconhecida - e na Região Centro só algumas zonas da Beira Interior estão registadas. Tudo o resto é uma incógnita, à exceção do sul, onde a cobertura da DGT já é maior.
Rui Pedro Julião, investigador na Universidade Nova de Lisboa, acrescenta ainda que é “fundamental” e “imprescindível” conhecer a estrutura das propriedades em Portugal. Mas a “falta de capacidade financeira do Estado para investir nesse processo, aliada à complexidade do mesmo, e, mais recentemente, ao crescente desconhecimento que há sobre a propriedade”, acabam por dificultar o processo. “Ou seja”, especifica, “as pessoas foram falecendo e os herdeiros, muitas vezes, nem sabem onde se localizam as propriedades”.
Isto, diz Luís Vidigal, especialista em governação eletrónica e cronista do DN, origina uma “situação de faroeste”, em que não se sabe nada sobre esses territórios. E as implicações são várias, podendo interferir em diversas áreas, desde as “políticas de Educação à Saúde” até, por exemplo, à contratação de seguros para propriedades.
No entanto, mais do que organizar o território, o cadastro é também importante para que se possa saber quem são os proprietários, explica Paulo Pimenta de Castro. Em caso de incêndios, como aqueles que assolaram Portugal na semana passada, é importante saber “quem é o público-alvo” em cada território para que possa haver “responsabilidade” nessas zonas. Mas “não pondo aí o foco”, acrescenta o engenheiro, “pode olhar-se, até, para a questão de incentivos comunitários”.
“Esse, de facto, é um problema” que se verifica há vários anos e que, no passado, já obrigou o Estado a fazer um parcelário para poder receber fundos da Política Agrícola Comum. “Aí tiveram de saber exatamente em que parcelas é que era um objeto de financiamento” e quando se fez o parcelário para “cereais e vinha” poder-se-ia “ter feito também o da floresta”, sendo que o parcelário não é “o cadastro propriamente dito”, mas apenas “uma indicação”. Portanto, reitera: “Não se tem cadastro porque não se quer.”
Além de Portugal, apenas a Grécia não tem também cadastro. Mas aí, explica Paulo Pimenta de Castro, “a situação é menos problemática”, uma vez que a igreja tem uma grande parte dos terrenos do país.