Na sua opinião, o que se pode fazer em termos de medidas de combate à corrupção?
Em primeiro lugar, é preciso entender que não estamos perante um problema de moralidade. Estamos perante um problema social, de cariz organizacional, que tem a ver com culturas organizacionais e atitudes das pessoas em relação a este tipo de práticas e comportamentos. É um tema de valência. As pessoas, tal como no desemprego ou no combate à pobreza, querem menos disso. Querem menos corrupção, querem uma resposta política adequada que não as faça passar por esse tipo de situações, como solicitações de subornos. É preciso, também, desmistificar. Há outras formas de corrupção que nada têm a ver com o pagamento de subornos, mas sim com a promiscuidade entre pessoas que têm cargos de decisão ou politicamente expostos e os grupos económicos. Essa é que tem sido a corrupção que tem vindo a abalar a opinião pública nos últimos anos, sobretudo após a crise financeira, quando vieram à luz uma data de conluios e promiscuidades. Trouxeram um enorme prejuízo direto e indireto aos contribuintes. E é exatamente isso que se precisa perceber: que é um problema que requer uma política pública. Para a desenhar é também preciso pensar que o Governo fará a sua parte, que não se combate nem casuisticamente, nem pontualmente. É verdade que, de há uns anos para cá, os Governos têm vindo a incluir o tema do combate à corrupção nos seus programas, mas muito vagamente.
Como deve ser feito esse combate?
O combate, prevenção e repressão deve ser feito com base em três pilares: conhecimento; pensado de forma integrada, porque não há balas de prata para este problema; e, por fim, com inovação. Conhecimento, por um lado, porque há toda uma narrativa sobre a especialização na Convenção das Nações Unidas de Combate à Corrupção, especialização na prevenção, especialização na repressão, especialização até na educação, na investigação que se faz na Europa. De forma integrada porque estamos a falar de um sistema, ou de uma engrenagem com várias componentes. Não há um autor único. Temos de pensar com tudo aquilo que temos. E, por fim, com inovação porque é preciso uma reforma. O programa da AD - e gostei de ver isso - incluía uma proposta sobre a reforma institucional das entidades públicas especializadas na transparência e prevenção da corrupção, designadamente o Mecanismo Nacional Anticorrupção, a Entidade da Transparência e a Entidade das Contas, baseada na avaliação do seu desenho institucional, formato, competências e desempenho. Podíamos ficar só pelo desempenho, mas temos de discutir também o desenho. Será que faz sentido a Entidade das Contas estar sob alçada do Tribunal Constitucional? Não, nunca na vida.
Indo nessa ótica da inovação de que fala, deixe-me introduzir outro tema: o lobby. Os dois maiores partidos (PS e PSD) concordam na necessidade de regular esta prática. Deve essa ser outra prioridade?
Vamos ter de encontrar algumas respostas inovadoras e essa questão vai nesse sentido. Não é tudo só sobre como pôr o sistema a funcionar, o que temos de capacitar ou aumentar em termos de especialização, que conhecimento de setores de risco temos de ter. A inovação passa também por processos legislativos que toquem áreas que já venham sendo discutidas há algum tempo, mas também com um processo legislativo pouco adequado. Ou seja, não se ouvem peritos, não se fazem estudos prévios. Mas toda a gente dá palpites sobre a regulação do lobby. Gostava de saber quantos são os atores - e, digo, legisladores - que estão nas comissões a avaliar essas propostas, que estudaram a matéria, que têm estudos comparados com outros regimes feitos lá fora. E assim continuamos. Muito de dedo molhado no ar para ver de onde sopra o vento. Não se faz avaliação, nem legislação assim. Mais do que haver diferentes perspetivas sobre a questão do lobby - porque às vezes anda-se ali numa discussão estéril - é saber se essas perspetivas se enquadram com regimes existentes noutros países, quais as vantagens, desvantagens e resultados conseguidos. E é isso que nunca é dito. As verdadeiras questões ficam à margem.