Salários
12 maio 2024 às 08h14
Leitura: 10 min

Nunca houve tanta gente a ganhar mais de 3000 euros líquidos por mês

Número de trabalhadores que acumulam dois empregos está em máximos também, passando já 262 mil casos. Salário mínimo ajudou, pois este ano subiu para 820 euros, um aumento de quase 8%, o maior desde 1992.

O salário médio líquido mensal registou, no 1.º trimestre deste ano, o maior aumento das séries do Instituto Nacional de Estatística (INE), uma subida de 6,3%, para 1090 euros por empregado. Os dados oficiais remontam ao início de 2011.

Segundo o INE, este indicador salarial é o rendimento mensal auferido pelos trabalhadores por conta de outrem “depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de Segurança Social e das contribuições dos empregadores para a Segurança Social”. É o dinheiro que, efetivamente, o empregado leva para casa ao final do mês.

E a puxar por esta média nacional estão, por exemplo, os empregados que mais ganham no país (ordenados superiores a 3000 euros líquidos), grupo que hoje ascende a 62,4 mil pessoas, o maior da série do INE. Há dez anos, em 2014, eram menos de metade.

O valor do ordenado médio líquido também aumenta porque há cada vez mais gente a acumular dois empregos, grupo cuja dimensão atingiu, no primeiro trimestre, máximos das séries do INE.

São agora 262,4 mil os que revelam ter um segundo emprego. Trata-se do segundo maior valor da série a seguir aos 271 mil trabalhadores nessa mesma condição estimados no segundo trimestre do ano passado, estava o país em pleno período explosivo do turismo e de preparação para o megaevento que foi a Jornada Mundial da Juventude, que trouxe o Papa Francisco a Portugal.

A necessidade ou opção por conciliar dois empregos é uma realidade que acontece, sobretudo, no Setor dos Serviços, onde os horários são mais fragmentados, as relações de trabalho mais desreguladas e onde há mais precariedade.

Para aumentar o rendimento mensal, cerca de 224 mil empregados do Setor dos Serviços dizem ter uma segunda atividade remunerada. Ou seja, nos serviços estão concentrados 85% dos casos de pessoas que acumulam dois trabalhos. 

Segundo dados recolhidos pelo DN/DV junto das bases de dados do INE, na indústria podem encontrar-se mais 33 mil pessoas com dois empregos. Na agricultura haverá 5 mil casos, sendo praticamente residual.

Nos últimos dois anos, a economias portuguesa e a maior parte dos países do mundo foram confrontados com uma nova realidade de inflação muito alta, um fenómeno que se agravou, sobretudo na sequência da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Este novo quadro, acompanhado por uma subida de rompente nas taxas de juros, veio provocar um rombo no poder de compra das famílias e dos trabalhadores.

O acordo dos salários

Em Portugal, a resposta surgiria em  outubro de 2022 com a assinatura do “Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade, que assumiu como prioridades a melhoria dos rendimentos e dos salários dos trabalhadores e também a melhoria da produtividade e da competitividade das empresas e da economia portuguesa”.

Nesse mês de outubro, a inflação homóloga em Portugal atingiria um pico de quase 11%, algo nunca visto na História do euro e mesmo no período mais recente que precedeu a adesão à moeda única.

O primeiro acordo assinado na altura entre o Governo anterior (de António Costa, PS) e as confederações patronais da Indústria (CIP), da Agricultura (CAP), do Turismo (CTP) e do Comércio e Serviços (CCP) e a central sindical UGT (a CGTP recusou o acordo) diz que “a economia portuguesa está num processo de recuperação de um enorme choque resultante da pandemia”.

“Esta recuperação foi dificultada pela invasão da Ucrânia por parte da Rússia, que desestabilizou as cadeias de produção, provocou um agravamento do aumento dos preços de matérias-primas, da energia e, consequentemente, dos custos de produção e contribuiu para o grande aumento da inflação enfrentada pelas famílias.”

O acordo, que teve uma reedição ou “reforço” (mas já sem o apoio da CIP) um ano depois, em outubro do ano passado, visa “o reforço do rendimento das famílias através do aumento do rendimento líquido dos trabalhadores, nomeadamente pela redução do IRS, a atualização dos escalões de IRS, a isenção de IRS no salário mínimo ou o reforço do IRS Jovem”.

Um dos eixos é, como se sabe, a atualização progressiva do salário mínimo. O acordo definiu o aumento do Salário Mínimo Nacional para os 820 euros em 2024 (valor onde atualmente está, na sequência de um aumento de quase 8%, o maior desde 1992) e um “reforço do referencial para a subida dos restantes salários dos 4,8% anteriormente previstos para 5%”.

Todas as confederações patronais concordaram, menos a CIP. Do lado dos trabalhadores, a CGTP também recusou assinar o documento, porque reivindica aumentos salariais muito superiores e mais melhorias das condições e dos direitos laborais.

Seja como for, a subida do ordenado mínimo tem sido e continua a ser também ela crucial para o aumento de salários na economia, já que faz subir o nível geral. Atualmente, em Portugal, cerca de 20% dos trabalhadores ganham este mínimo definido pelo Governo no acordo com os referidos parceiros.

O novo Governo PSD-CDS diz que irá dar sequência ao que está acordado, mas mostra vontade de medir a execução do acordo e de lhe acrescentar pontos novos.

“Acertámos com os parceiros sociais cumprir os acordos que estão assinados, avaliar o seu grau de execução e eventualmente neles incluir aspetos novos em diálogo com os parceiros sociais”, disse esta semana o primeiro-ministro, Luís Montenegro, no final da sua primeira Concertação Social.

Assim sendo, mantém-se a perspetiva de que os salários do privado possam subir 5% em termos nominais este ano e uma rota de subida para o salário mínimo até aos 900 euros em 2026.

Críticas dos economistas

Os aumentos salariais, que continuam a ajudar as famílias a resistir ao aumento do custo de vida, que pode ter aliviado, mas nunca regrediu ao nível pré-crise, levantam, no entanto, dúvidas a vários economistas.

A equipa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que segue Portugal vai avisando que “o aumento dos custos da mão-de-obra poderá travar o emprego com baixos salários e os grandes investimentos públicos previstos e as reduções permanentes do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares poderão aumentar as pressões inflacionistas”. Mesmo com salários mais altos “as taxas de juro elevadas continuarão a pesar”.

A equipa de economistas da OCDE diz mais: “Apesar da forte evolução dos salários em Portugal, o crescimento do consumo manter-se-á moderado, uma vez que o crescimento do emprego vai abrandar e os preços no consumidor e os custos do serviço da dívida vão continuar elevados”.

Para os peritos da organização, “as reduções de impostos e o aumento dos apoios sociais e dos salários do setor público darão algum apoio aos rendimentos das famílias, mas também vão dificultar a descida da inflação”.

Já o Conselho das Finanças Públicas (CFP) teme que a ascensão dos salários prejudique as contas públicas. Por exemplo, um dos riscos apontados recentemente pela entidade que avalia as políticas é o impacto que uma “eventual resposta a reivindicações salariais das forças de segurança e dos professores do Ensino Básico e Secundário” possa vir a ter na despesa deste ano e dos próximos.

O Banco de Portugal, governado por Mário Centeno, está mais relaxado quanto ao que aí vem em termos salariais.

No mais recente Boletim Económico, o banco central diz que “a recuperação foi mais notória no consumo privado - refletindo o impacto da redução da inflação sobre o poder de compra das famílias, a que se associou a robustez do emprego e o dinamismo dos salários.”

Mas considera que “após um aumento de 8% em 2023, o salário médio da economia deverá crescer 4,4% em 2024 e 3,8% em 2025 e 2026”.

“Este abrandamento dos salários nominais no horizonte de projeção reflete a redução esperada da inflação - mantendo-se os ganhos em termos reais alinhados com os da produtividade -, sendo consistente com uma aproximação do peso da remuneração do trabalho no PIB aos valores observados antes da pandemia”, espera do BdP.

luis.ribeiro@dinheirovivo.pt