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Sociedade
09 outubro 2024 às 00h20
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Imigrantes dão saldo positivo de quase 2200 milhões à Segurança Social

As contribuições dos trabalhadores estrangeiros para a Segurança Social somaram 2677 milhões de euros em 2023, e as prestações sociais recebidas totalizaram 483 milhões. Os brasileiros são os que mais contribuem e também a comunidade imigrante com mais representatividade.

O aumento do número de imigrantes em Portugal está a encher os cofres da Segurança Social. No ano passado, as contribuições dos trabalhadores estrangeiros geraram um saldo positivo superior a 2194 milhões de euros, um excedente gerado pela diferença entre o valor dos descontos para o sistema da Segurança Social e as prestações sociais auferidas. Em 2023, foram atribuídos perto de 483,3 milhões de euros em prestações sociais, essencialmente no âmbito do desemprego, das prestações familiares e da parentalidade, revelou ao DN o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Já as contribuições atingiram os 2677 milhões de euros, valor que engloba os descontos da entidade empregadora e do trabalhador, um crescimento de 44% face a 2022.

Os brasileiros, a comunidade imigrante mais representada em Portugal, contribuíram com 1033 milhões de euros para a Segurança Social, valor que representa 38,6% do total das contribuições dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira. Traduz também um aumento de 54% face a 2022. Seguem-se os cidadãos oriundos da Índia, cujos descontos ascenderam a 168,4 milhões de euros, bem longe da participação contributiva dos brasileiros. Os imigrantes provenientes do Nepal descontaram 102,9 milhões, os de Espanha com 102,8 milhões e, a fechar a lista dos maiores contribuintes, os de Cabo Verde, com 88,8 milhões. Estas cinco nacionalidades foram responsáveis por 56% do total das contribuições de trabalhadores estrangeiros para a Segurança Social em 2023. Contudo, nem todas figuram no top 5 das comunidades estrangeiras residentes em Portugal.

Segundo o último relatório estatístico das migrações, referente a 2023, contavam-se 1 044 606 estrangeiros com autorização de residência em Portugal, um aumento de 33,6% face a 2022. A comunidade brasileira representa 35,3% do total de imigrantes, com 368 449 cidadãos a viver no país. E, na sua larga maioria, vieram para ficar. Segundo dados do Banco de Portugal, os brasileiros foram responsáveis por 28% do montante de crédito à habitação contratado por estrangeiros em 2023, reforçando a posição cimeira que, pelo menos desde 2021, ocupam neste indicador. No top 5 das nacionalidades mais representativas em Portugal, figuram ainda os angolanos (55 589 cidadãos), cabo-verdianos (48 885), britânicos (47 409) e indianos (44 051), revela o documento da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). A larga maioria destes imigrantes estão em situação potencialmente ativa. Do total de estrangeiros, mais de 80% têm idades entre os 20 e os 65 anos. Os jovens (até aos 19 anos) representam 11,6%, e a população com mais de 65 anos situa-se nos 7,9%. 

População ativa

O fluxo migratório oriundo do Brasil fortaleceu-se também no ano passado. O documento da AIMA dá nota que foram atribuídos 328 978 títulos de residência, mais do dobro dos emitidos em 2022, com os cidadãos brasileiros a representarem quase metade das autorizações para viver em Portugal (147 262). A uma grande distância, segue-se Angola (24 374), Cabo Verde (14 623), S. Tomé e Príncipe (14 504) e Índia (12 185). Segundo a AIMA, 85% das novas concessões respeitam a pessoas em idade ativa.

Este incremento migratório foi impulsionado pelas Autorizações de Residência para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que representaram 45,3% dos novos títulos atribuídos no ano passado. Os brasileiros obtiveram 108 232 auto- rizações CPLP, fortalecendo o movimento migratório. Mas entre os cidadãos de outros países de língua portuguesa verificou-se também um forte crescimento, embora sem a mesma expressão numérica. A segunda origem que obteve mais títulos de residência CPLP foram os angolanos, com 15 750. Verificou-se ainda um aumento de 195% na atribuição de residência a pessoas oriundas da América do Sul e um acréscimo de 210% entre as provenientes de África. Saliente-se que ainda há de cerca de 400 mil pedidos pendentes de regularização. 

Baixos salários

A chegada de imigrantes é uma resposta aos apelos de vários setores económicos, de que se destacam a construção, o turismo e a agricultura. A Confederação dos Agricultores de Portugal considerou já “imprescindível” a contratação de trabalhadores estrangeiros para dar resposta às carências de mão de obra. No mês passado, o presidente da Confederação do Turismo de Portugal afirmou que “a falta de mão de obra é uma realidade”. “Tem sido ultrapassada pela imigração, e eu acho que não há outra maneira de o fazer”, disse Francisco Calheiros, numa intervenção nas jornadas parlamentares do Chega. Também a construção tem procurado colmatar a falta de trabalhadores com a imigração. Aliás, o presidente da AICCOPN (associação do setor), considerou mesmo que o fim do mecanismo de manifestação de interesse - regime excecional que permitia a um estrangeiro entrar em Portugal e só depois pedir autorização de residência - veio criar dificuldades acrescidas na contratação de imigrantes.

Esta necessidade de mão de obra estrangeira parece não acompanhar a valorização do trabalho destes imigrantes. Apesar de ainda não haver um estudo sobre a média salarial destes trabalhadores em 2023, é de admitir uma desigualdade entre os profissionais com menores qualificações. No último relatório anual do Observatório das Migrações é revelado que os trabalhadores estrangeiros com qualificações inferiores têm remunerações mais baixas do que os portugueses na mesma situação. O estudo indica que essa diferença era de -4,1% no caso dos trabalhadores estrangeiros semiqualificados, de -3,4% entre os não qualificados e de -4,6% nos estagiários, praticantes e aprendizes em 2021. O documento adianta ainda que existe “uma sobrerrepresentação dos trabalhadores estrangeiros nas atividades com nível de qualificação mais baixos, e uma menor proporção de trabalhadores estrangeiros nas atividades de nível de qualificações superiores”. Neste contexto, os estrangeiros recebem em média um salário base mensal mais baixo do que os trabalhadores portugueses, -6,7% em 2020 e -5,3% em 2021. 

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, os inquéritos relacionados com crimes de tráfico de pessoas e auxílio à imigração ilegal aumentaram exponencialmente em 2023. No que se refere ao crime de “tráfico de pessoas”, com destaque para a exploração laboral, a variação em 2023 reflete “um acréscimo em termos percentuais de 158%”, aponta o documento. Já os inquéritos pelo crime de “auxílio à imigração ilegal” registaram um aumento de 298%. Entre os casos de presumível tráfico de pessoas, 84% estão relacionados com exploração laboral, em setores como a silvicultura, pesca, agricultura e futebol.

Refira-se que a discrepância salarial entre imigrantes e portugueses já não sucede com os estrangeiros com qualificações superiores. Pelo contrário. Estes apresentam, em média, remunerações base mais altas do que os trabalhadores portugueses com idênticas qualificações: +29,6% no caso dos quadros superiores, +15,3% nos quadros médios, +59,3% no caso dos profissionais altamente qualificados em 2021.