Menos de um mês depois de Joe Biden ter renunciado à reeleição, os democratas reúnem-se na convenção nacional de Chicago com uma energia renovada em torno da candidatura de Kamala Harris. Mas há um tema que ameaça a união no partido: a guerra em Gaza e a posição da Administração sobre o conflito. Os protestos anti-Israel e pró-palestinianos ameaçavam ensombrar os trabalhos dos delegados na primeira noite, sendo o discurso do marido de Kamala, o judeu Doug Emhoff, um dos momentos chave da segunda.
O “segundo cavalheiro”, que pode tornar-se no “primeiro cavalheiro” se Harris vencer Donald Trump em novembro, tem sido uma voz dentro da Casa Branca contra o antissemitismo. “É um veneno que corre nas veias da democracia e dos ideais democráticos”, disse Emhoff, de 59 anos, num evento há dias em Paris, defendendo que “parte da luta contra o ódio é viver aberta e orgulhosamente como judeu e celebrar a nossa fé e a nossa cultura”.
Emhoff, um antigo advogado da indústria do entretenimento que conheceu Harris num encontro às cegas em 2013 quando ela era procuradora-geral da Califórnia, ajudou a desenhar a estratégia nacional contra o antissemitismo. Um problema que já existia antes do ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro, no qual cerca de 1200 pessoas morreram, mas que piorou com a resposta israelita em Gaza, com o número de mortos na guerra a ultrapassar já os 40 mil (segundo as contas das autoridades locais, controladas pelo Hamas).
Biden apoia Israel, sendo criticado pela ala mais progressista do Partido Democrata por ser permissivo com o governo de Benjamin Netanyahu. Entre os democratas, há quem queira um embargo de armas a Israel, algo que é rejeitado pela Administração. Mas, dentro do partido, há também quem critique os pró-palestinianos, especialmente os mais radicais que acusam Israel de “genocídio” em Gaza.
Harris, que condenou os manifestantes pró-Hamas como “desprezíveis” quando recebeu Netanyahu no mês passado, apoia o direito de Israel a defender-se contra o terrorismo. Mas deixou claro que não iria deixar de falar do sofrimento e da destruição causados pelo exército israelita em Gaza, insistindo na necessidade de um cessar-fogo. É vista como mais próxima da tendência progressista do que Biden.
Mas isso não tem travado as interrupções em alguns dos seus comícios, com cânticos pró-palestinianos. Em Detroit, Harris respondeu: “Eu estou a falar. Se querem que Trump ganhe, continuem com isso. Caso contrário, calem-se e deixem-me falar.” No final, a sua equipa de campanha explicou que os manifestantes tinham falado em “genocídio”.
Dezenas de milhares de manifestantes desfilaram esta segunda-feira em Chicago, que tem uma das mais importantes comunidades palestinianas dos EUA. As autoridades diziam estar preparadas para travar eventuais cenas de violência, como as que marcaram a convenção de 1968 (na altura os protestos eram contra a guerra no Vietname) - um cenário que ninguém queria ver repetido.
Mas a contestação era esperada também no interior do United Center. Um grupo de 30 delegados foram escolhidos como “não comprometidos”, numa iniciativa para chamar a atenção para a guerra em Gaza. E esperavam ter uma palavra a dizer.
Além do marido de Harris (bem mais presente na campanha do que a mulher de Trump, Melania), haverá outros judeus em palco. Destaque para o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, que estava na lista final das opções para candidato a vice-presidente - e foi preterido pelo governador do Minnesota, Tim Walz. Uma decisão que os republicanos se apressaram a apelidar de antissemita, algo que o próprio Shapiro rejeitou.
Harris, que esta terça-feira contará também com o apoio do ex-casal presidencial Barack e Michelle Obama, terá que defender bem a sua posição em relação à guerra de Gaza. Tudo para não perder nem o apoio dos árabes-americanos, importantes em estados como o Michigan, nem o dos judeus americanos, que podem ser cruciais por exemplo na Pensilvânia.