Festival
21 julho 2024 às 09h57
Leitura: 6 min

Até um grifo veio ver no castelo de Marvão 'O Rapto do Serralho'

Ópera de Mozart abriu 10.ª edição do Festival Internacional de Música. Presidente assistiu, e condecorou Poppen, o maestro alemão que pôs esta vila alentejana no mapa da música clássica.

Konstanze a cantar o seu amor a Belmonte, e depois o agradecimento ao Paxá Selim, por, magnânimo, libertar tanto a sua cativa como o nobre espanhol que a veio resgatar subiu pela primeira vez ao palco em Viena em 1782, mas julgo que mesmo o embaixador austríaco, um dos diplomatas que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa trouxe na sexta-feira a Marvão, terá sentido que este O Rapto do Serralho num castelo português erguido sobre rocha granítica a mais de 800 metros de altitude foi especial. Até houve um momento em que estava o Paxá Selim (João Grosso) a perguntar a Konstanze (Leonor Amaral) por que se recusava esta a amá-lo em vez de a Belmonte (Martin Mitterrutzner) quando um grifo surgiu no céu a planar magnificente. 

Falei do embaixador Christoph Meran por se tratar de uma ópera do austríaco Wolfgang Amadeus Mozart a escolha para espectáculo de abertura do Festival Internacional de Música de Marvão (FIMM) deste ano, que decorre até ao próximo domingo. Mas foram vários os diplomatas que vieram até ao Alto Alentejo a convite do Presidente da República, num dia intenso, que começou em Carregal do Sal com a inauguração da Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes, o nosso cônsul em Bordéus que passou cerca de 30 mil vistos a fugitivos do nazismo. 

Marcelo Rebelo de Sousa, que costuma trazer os embaixadores no último dia do FIMM, desta vez optou por comparecer na gala de abertura e condecorar o maestro Christoph Poppen, o alemão que um dia, a passear de bicicleta com a família por Portugal, avistou Marvão e apaixonou-se pela vila de traça medieval, rodeada por muralhas. Num breve discurso antes do espectáculo, o Presidente elogiou o maestro Poppen, codiretor artístico com a mulher, a soprano Juliane Banse, também Daniel Boto, um filho da terra que é responsável por toda a organização do FIMM, e ainda o autarca marvanense, Luís Vitorino. Marcelo Rebelo de Sousa, que descreveu Marvão como “um paraíso”, confessou que há muito queria ver uma ópera no castelo da vila.

Cantado em alemão, mas desta vez com narração em português por um Paxá Selim brilhantemente encarnado por João Grosso, O Rapto do Serralho é considerado uma turquerie, um género que revela um certo fascínio pelo orientalismo, sobretudo o turco, só possível porque tinha ficado para trás o tempo em que o Império Otomano ameaçava o dos Habsburgos, ao ponto de por duas vezes, 1529 e 1683, ter cercado Viena.

O Paxá Selim e Konstanze, a sua cativa espanhola.
FIMM

O enredo fala da espanhola Konstanze e da sua criada inglesa, Blonde (Heekyung Park), raptadas por piratas turcos, que as venderam ao Paxá Selim. Este, um renegado cristão convertido ao islão, possui um palácio (um serralho) com um harém mas apaixona-se pela dama espanhola ao ponto de querer que esta corresponda. Há outras duas personagens importantes, o espanhol Pedrillo (Patrick Grahl), também cativo, e o guardião do serralho, Osmin (Yannick Spanier). Nesta encenação em Marvão, de Sabine Theunissen, a dança de Cláudia de Serpa Soares também contribuiu para o deleite de uma audiência onde portugueses e espanhóis da vizinha Extremadura se misturavam com gente vinda de mais longe atraída pelo prestígio que o FIMM tem vindo a afirmar desde a primeira edição em 2014. Este O Rapto do Serralho conta com a Orquestra de Câmara de Colónia, dirigida pelo maestro Poppen, e será representado de novo hoje e sexta-feira, 26.

Quem me falou primeiro de Poppen foi Dennis Redmont, jornalista americano a viver em Portugal e que integra o círculo dos patronos do festival. Foi depois num almoço na Pousada de Marvão, em 2022, que ouvi o maestro e a mulher contarem a tal descoberta da vila e como tinham convencido muitos amigos músicos a virem uns dias a Portugal conhecer a magia deste cantinho do Alentejo. Essa magia pode ser simbolizada pelo grifo que plana sobre o castelo ou pela lua a iluminar Marvão e que vai ser possível testemunhar por quem assistir no sábado, 27, ao concerto da Orquestra do Algarve, com o maestro Martim Sousa Tavares, nas ruínas romanas de Ammaia.

São cerca de 30 os eventos desta décima edição do FIMM. Vários são de acesso livre, aliás como as visitas guiadas ao património de Marvão. Para os concertos, os espaços da vila são aproveitados ao máximo, das igrejas ao castelo. Toda esta magia em Marvão só é possível graças a mecenas como a Fundação Anja Fichte, o BPI - Fundação ‘la Caixa’, o Ageas e a BP. A gala de encerramento será domingo, dia 28, às 19.30, no pátio do castelo. Talvez o grifo volte a planar sobre os músicos e os espectadores.

Tópicos: Marvão, festival, Música