As associações que representam os técnicos de emergência pré-hospitalar têm vindo a pedir que a sua formação passe a ser dada pela academia, nomeadamente pelas escolas médicas e pelas escolas de enfermagem integradas nos institutos politécnicos. Isto mesmo foi proposto pela classe a vários ministros da Saúde e até aos deputados da Assembleia da República, para que fosse tomada alguma posição. Nada foi feito. Ao DN, representantes do Conselho Nacional das Escolas Médicas (CNEM) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) dizem que esta formação já há muito deveria estar na academia.
O presidente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (UBI), que integra o CNEM, e a presidente da Escola de Enfermagem de Lisboa, que integra o CCISP, concordam até que o processo não seria assim “tão burocrático” ou “moroso”, até porque dentro das escolas médicas ou das escolas de enfermagem, onde esta formação poderá ter lugar, já há “estruturas formativas para a área da emergência”.
A presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência e Emergência, e diretora de vários cursos de formação no INEM, aceita que a formação possa sair do instituto, e só tem um receio: “É preciso saber quem serão os formadores, que capacidade têm, porque isto é uma atividade muito específica, e como vai ser todo o processo de formação”, afirma Adelina Pereira, relembrando que “a formação dada hoje aos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) foi aprovada pela Ordem dos Médicos. Ganhou muita qualidade nos últimos anos e é preciso acautelar que esta não se perde”.
A necessidade de aumentar a capacidade formativa de Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar surge precisamente pela necessidade de colmatar a escassez de recursos, devido à saída de mais de 500 profissionais nos últimos anos, que atirou o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para uma das maiores crises desde a sua criação.
Depois das contas feitas para as necessidades atuais, tanto o sindicato como as associações que representam esta classe indicam que serão precisos cerca de 1100 novos técnicos nos próximos anos. E isto, como salvaguarda o vice-presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH), Rui Cruz, se se “conseguir manter os 724 técnicos que ainda aqui trabalham”. Se não, o número irá continuar a aumentar. “O INEM só tem capacidade para formar 200 técnicos por ano, pelo que seriam necessários vários anos até se chegar ao número ideal de técnicos. Rui Cruz salienta mesmo que “os técnicos que estão a dar formação, neste momento, fazem falta no terreno”.
Miguel-Castelo Branco, presidente da FCS da UBI, acredita que a qualidade que marca hoje a formação destes técnicos não será perdida se esta passar para academia. Até porque, sustenta, “quer no caso das Escolas Médicas como no das Escolas Superiores de Saúde a responsabilidade formativa e de criação de competências já existe”, defendendo mesmo que “deve haver uma valorização do que já existe localmente”. No entanto, concorda que “quem vai ministrar essa formação devam ser pessoas habilitadas nos vários níveis de competências e na sua diversidade”.
Este representante do CNEM diz mesmo que, hoje em dia, “muitas escolas médicas já têm, além dos cursos de graduação e dos doutoramentos, um conjunto de formações para desenvolvimento de competências e para aperfeiçoamento profissional, nomeadamente na área da emergência”. Por exemplo, refere, “no caso da UBI, temos o Centro Académico Clínico das Beiras que desenvolve parcerias com várias entidades, até com associações de bombeiros, no sentido de melhorar as competências técnico-profissionais”.
Por isto, Miguel Castelo-Branco, professor catedrático, reforça que, no contexto atual, “é perfeitamente possível desenvolver produtos formativos na área da emergência pré-hospitalar”, de forma “a habilitar pessoas que queiram desenvolver tais competências”.
Na sua opinião, a formação nesta área já deveria estar na academia, porque, destaca, “no fim de contas, estamos a falar em processos de ensino e de criação de competências diferenciadas, que, ainda por cima, são de elevada responsabilidade. Portanto, compete às escolas fazer essa formação no sentido de criar as condições básicas para que haja pessoas que possam exercer essa atividade profissional”.
O curso em si não existe nas Escolas Médicas (faculdades) nem nas Escolas Superiores de Saúde, “teria de ser criado e desenvolvido”, mas, afirma, “não será sequer complicado, porque as escolas têm preparação para desenvolver novos produtos formativos e novos cursos e submetê-los à Agência de Acreditação do Ensino Superior para que sejam aprovados”.
Quando questionado sobre o timing, até porque a ideia de levar o curso de emergência pré-hospitalar para a academia não é nova, embora urgente, Miguel Castelo-Branco responde que “é perfeitamente possível, razoável e lógico iniciar esta formação dentro de um período de um ano a ano e meio, embora se saiba que a Agência de Acreditação do Ensino Superior tem os seus prazos para submissão de candidaturas para novos cursos”.
Patrícia Silva Pereira, presidente da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (ESEL), instituição que integra o CCISP, além de concordar que a formação para a emergência pré-hospitalar possa passar para a academia, defende até que dentro do INEM há várias atividades que podem e devem ser desempenhadas pelos enfermeiros, “que têm formação específica para essa área, tal como já é feito na linha de atendimento SNS24”.
E destaca que no caso dos politécnicos, aqueles que dispõem de escolas de enfermagem, “têm toda a competência técnica e científica, dentro do que é a sua missão e autonomia, para ministrar um curso de emergência na área da saúde”. Mas, salvaguarda, “primeiro é preciso refletir sobre que competências queremos e devemos atribuir e a quem. E em função dessas competências, então pensar-se na formação”.
Quanto ao processo para o início de formação para a emergência pré-hospitalar, a presidente da ESEL considera que “não seria difícil. As escolas de enfermagem têm competências nessa área. No nosso caso, por exemplo, temos um conjunto de cursos de pós-graduações na área da emergência e do trauma. A minha questão em relação ao tema é que a sua discussão seja concertada entre os vários formadores envolvidos, nomeadamente com as escolas médicas, para ser definido um plano de estudo propriamente dito”.
Para Patrícia Silva Pereira o processo também não deverá ser “muito burocrático e nem demorará muito tempo”.
Segundo afirma, irá “dependerá mais das vontades e da determinação em se querer colocar a formação nos lugares certos”. Confessa não conhecer em detalhe a formação que é dada agora aos TEPH: “Não passa por nós e fica-me a dúvida se uma formação de 910 horas, em seis meses, consegue capacitar, de facto, as pessoas para a exigência do que é pedido”.
A presidente da ESEL refere, a titulo de exemplo, “o constrangimento ocorrido nesta semana em que falhou o sistema informático e a triagem teve de ser feita ‘à moda antiga’, mas um técnico com menos experiência pode não estar tão à vontade, porque não tem o algoritmo a dizer-lhe o que pode fazer, e neste sentido são precisos técnicos qualificados”, salienta. Mas de uma coisa tem a certeza: é que “as escolas de enfermagem estão preparadas para ministrar a formação com a exigência da atividade” .
O sindicato e as associações que representam os TEPH só desejam que o assunto seja resolvido e que a solução encontrada valorize a sua atividade. Rui Cruz, do STEPH, defende mesmo que “quanto mais cedo for feita esta transição, mais ganhos e eficiência haverá para o INEM”.
O dirigente da Associação Nacional dos Técnicos de Emergência Médica (ANTEM) Paulo Paço aceita a formação fora do instituto, mas desde que “tenha a coordenação do INEM”.
A ministra da Saúde assumiu esta semana no Parlamento que os TEPH poderão ter uma formação equiparada a paramédicos, mas que para isso é “necessário alterar o estatuto do próprio INEM”.