Ana Lehmann, antiga secretária de Estado da Indústria no primeiro governo de António Costa, não poupa críticas à “falta de estratégia” na alocação dos fundos comunitários em Portugal, “muitos deles focados em temas não transacionáveis”, diz. Para a ex-governante, o acesso a fundos “viciou o mindset de alguns agentes” e os investimentos ocorrem “em função de haver apoios para eles ou não”, o que conduz a uma “certa paralisia” numa economia em que as empresas estão “descapitalizadas”.
Ana Lehmann foi uma das oradoras na conferência A reindustrialização de Portugal que ontem decorreu em Vila Nova de Gaia, numa iniciativa conjunta da Rádio Renascença com a autarquia. Na sua intervenção, alertou que “se Portugal e a Europa se demitirem da sua tradição industrial, vamos ser um museu, que é o que já está a acontecer”.
Considerando que a indústria portuguesa poderia ter um “papel de liderança” em alguns nichos, como os têxteis técnicos, e outros, porque, apesar de ser um país pequeno, tem uma “tradição industrial notável”, esta responsável lamenta que os responsáveis políticos tenham optado, em geral, por “iniciativas políticas de pequeno fôlego”, atribuindo vales e vouchers. “Precisamos de uma iniciativa mais musculada, só que não soubemos aproveitar este comboio [dos fundos comunitários] nos últimos anos”, defende a agora administradora da Brisa.
Ana Lehmann não esconde, também, o seu desagrado pelo foco no turismo, um setor de “baixo valor acrescentado, que paga baixos salários e não é um driver de inovação”, considerando que Portugal deveria “reposicionar as suas políticas públicas para conferir dignidade ao setor da indústria, visto como motor do crescimento da economia e da inovação noutros países”. Apoios à transformação digital, desburocratização da economia e uma política de imigração que facilite a contratação da mão de obra que falta em Portugal são outras das questões levantadas pela ex-governante. “O nosso grande problema não é digital, é analógico. É a demografia”, sustenta.
Uma crítica patilhada pelo presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que considera que “faltam políticas públicas” que reforcem o apoio à indústria. Luís Miguel Ribeiro lembra que, em 2020, entregou ao Governo um “programa estratégico para a valorização da indústria portuguesa”, a que chamou Portugal Industrial 5.0, com medidas, devidamente quantificadas, garante, para aumentar em 10 pontos percentuais, numa década, o peso deste setor na economia portuguesa.