Ex-secretária de Estado da Indústria
12 novembro 2024 às 07h00
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Ana Lehmann: “Fundos europeus promoveram uma certa paralisia em Portugal”

A última secretária de Estado da Indústria que Portugal teve, já lá vão seis anos, falou sobre reindustrialiação e a “falta de estratégia” na alocação de fundos comunitários.

Ana Lehmann, antiga secretária de Estado da Indústria no primeiro governo de António Costa, não poupa críticas à “falta de estratégia” na alocação dos fundos comunitários em Portugal, “muitos deles focados em temas não transacionáveis”, diz. Para a ex-governante, o acesso a fundos “viciou o mindset de alguns agentes” e os investimentos ocorrem “em função de haver apoios para eles ou não”, o que conduz a uma “certa paralisia” numa economia em que as empresas estão “descapitalizadas”.

Ana Lehmann foi uma das oradoras na conferência A reindustrialização de Portugal que ontem decorreu em Vila Nova de Gaia, numa iniciativa conjunta da Rádio Renascença com a autarquia. Na sua intervenção, alertou que “se Portugal e a Europa se demitirem da sua tradição industrial, vamos ser um museu, que é o que já está a acontecer”.

Considerando que a indústria portuguesa poderia ter um “papel de liderança” em alguns nichos, como os têxteis técnicos, e outros, porque, apesar de ser um país pequeno, tem uma “tradição industrial notável”, esta responsável lamenta que os responsáveis políticos tenham optado, em geral, por “iniciativas políticas de pequeno fôlego”, atribuindo vales e vouchers. “Precisamos de uma iniciativa mais musculada, só que não soubemos aproveitar este comboio [dos fundos comunitários] nos últimos anos”, defende a agora administradora da Brisa.

Ana Lehmann não esconde, também, o seu desagrado pelo foco no turismo, um setor de “baixo valor acrescentado, que paga baixos salários e não é um driver de inovação”, considerando que Portugal deveria “reposicionar as suas políticas públicas para conferir dignidade ao setor da indústria, visto como motor do crescimento da economia e da inovação noutros países”. Apoios à transformação digital, desburocratização da economia e uma política de imigração que facilite a contratação da mão de obra que falta em Portugal são outras das questões levantadas pela ex-governante. “O nosso grande problema não é digital, é analógico. É a demografia”, sustenta.

Uma crítica patilhada pelo presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que considera que “faltam políticas públicas” que reforcem o apoio à indústria. Luís Miguel Ribeiro lembra que, em 2020, entregou ao Governo um “programa estratégico para a valorização da indústria portuguesa”, a que chamou Portugal Industrial 5.0, com medidas, devidamente quantificadas, garante, para aumentar em 10 pontos percentuais, numa década, o peso deste setor na economia portuguesa.

Falta agilidade à Europa

“As análises estão todas feitas”, defende o líder da AEP, considerando que o relatório de Mario Draghi sobre o futuro da Europa, apresentado em setembro, veio apenas “reforçar aquilo que se vem dizendo há anos”, nomeadamente a importância da inovação como fator competitivo face aos blocos económicos da China e EUA.

“Estamos hoje muito preocupados com os resultados das eleições nos EUA e com o impacto da China, mas isso é fruto do desinvestimento europeu na indústria e a sua dependência desses blocos. Não sei se é recuperável, porque a Europa demora muito tempo a tomar decisões, enquanto os outros são muito mais ágeis a reagir”, frisa.

Braz Costa, diretor-geral do Citeve, defende que a indústria “é o veículo para transformar em riqueza a capacidade inovadora” e lamenta que a Europa tenha “oferecido à Ásia a possibilidade de concorrer com a sua indústria tradicional, na expectativa de poder continuar a vender-lhes aviões e carros”. O que não aconteceu.

“A China tem hoje uma capacidade competitiva sem paralelo e ambiciona ter uma posição dominante em todo o planeta”, sublinha, lembrando que o país já lançou o seu primeiro avião comercial, totalmente concebido e produzido no país. A sustentabilidade é a grande aposta da União Europeia “que tem que garantir que aplica as mesmas regras a todos os que vendem no espaço europeu e não apenas aos que cá produzem”, argumenta. 

Grandes oportunidades

A abertura da conferência ficou a cargo do presidente da InovaGaia, para quem Portugal “tem que aumentar a sua proposta de valor”, melhorando o seu storytelling. “Temos de ser capazes de passar uma mensagem de confiança lá para fora”, argumenta António Miguel Castro, que recordou o estudo da Savills, o 'Nearshoring Index 2024', que coloca Portugal como o país mais atrativo para novos investimentos industriais, colocando a China em 12º lugar. E Vila Nova de gaia, garante, está a fazero seu trabalho para se tornar atrativa. 

Já o secretário de Estado da Economia, que saiu mais cedo e não ouviu os restantes oradores, considerou que a reindustrialização é “um dos temas mais decisivos” para o futuro da economia portuguesa, permitindo “garantir um país mais próspero e mais coeso”. Para João Rui Ferreira, os desafios “são imensos”, mas as oportunidades associados “são maiores”.

Reconhecendo que, nas últimas décadas, se assistiu a uma “redução significativa” do peso da indústria no produto interno bruto nacional, “o que diminuiu a capacidade competitiva da nossa economia e a sua resiliência”, o governante garante que o Ministério da Economia e o Governo “estão empenhados em reverter” essa tendência, convictos de que Portugal “tem condições e vantagens competitivas que nos permitem ter essa ambição”. O acesso “competitivo” a energia verde, uma nova geração de talento “qualificado”, infraestruturas de qualidade e um “posicionamento privilegiado” entre o Atlântico e a Europa, e enquanto “alavanca juntos dos países de língua oficial portuguesa”, foram algumas das vantagens citadas. 

A captação de investimento, seja ele estrangeiro ou nacional, é “crucial”, e, por isso, Portugal precisa de continuar a diversificar mercados e a olhar para novas geografias, “reforçando os seus atributos para continuar a atrair investimento e talento”. Precisa também, acredita João Rui Ferreira, de estabilidade política, para executar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o Portugal 2030, de reforçar a competitividade fiscal, de “aumentar a eficiência” dos processos de licenciamento, “robustecer” o abastecimento energético e “fortalecer”a diplomacia económica. Assegurar que os incentivos “chegam rapidamente às empresas” é uma questão “crítica e decisiva”.

Sobre o recém-aprovado Orçamento do Estado para 2025, o secretário de Estado destaca o “reforço significativo” da área da Economia, com “bem mais de dois mil milhões de euros”, o que, defende, “mostra bem o compromisso em colocar a economia a crescer ao lado das empresas, que é onde verdadeiramente se cria valor”. Um reforço direcionado às áreas de atração de investimentos estruturais”.