O Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025) de Portugal tem algumas falhas em termos do ajustamento e das medidas que nele constam que levaram a Comissão Europeia (CE), esta terça-feira, a lançar um género de aviso amarelo ao governo e ao Parlamento, afirmando que a proposta orçamental "não está totalmente em conformidade com a recomendação" da CE ao País. Portugal não está sozinho: Luxemburgo e Malta receberam exatamente o mesmo aviso.
No caso de Portugal, o cerne do aparente problema está nos apoios concedidos desde 2022 às famílias e empresas em sede de imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) para amortecer o impacto da inflação muito elevada que afetou (e ainda afeta) os combustíveis e outras formas de energia, sobretudo as de origem fóssil.
Bruxelas quer, desde 2023 inclusive, que Portugal (e os outros) terminem todos esses apoios que deviam ter sido apenas temporários, direcionados às famílias e empresas "mais vulneráveis", argumentando que se justificam apenas se a inflação fosse muito elevada, o que já não é o caso.
Segundo a Lusa, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, diz que tomou nota do "reparo" da CE, mas diz que a intenção é não reduzir mais o referido apoio do ISP.
A Comissão Europeia "tem apenas um reparo ao plano, que é a necessidade que o País retire totalmente os apoios criados em 2022 e 2023 relacionados com a inflação e com guerra na Ucrânia, nomeadamente o desconto sobre o ISP na compra de gasolina e gasóleo".
"Tomamos nota", o Governo "vai analisar", mas neste momento "não tem nenhuma decisão" nesse sentido porque "entendemos que é importante manter os preços dos combustíveis baixos e a evolução do preço do petróleo condicionará a atuação do Governo".
Ou seja, "neste momento não há qualquer intenção de mexer neste beneficio relativo ao ISP", assegurou Miranda Sarmento em declarações no Parlamento, onde decorrem justamente as votações da proposta de lei do OE 2025.
Seja como for, na proposta de OE 2025, o governo inscreve a intenção de decretar "o fim da isenção de ISP sobre os biocombustíveis avançados" e prosseguir com "o descongelamento progressivo da taxa de carbono".
Neste novo pacote de outono do Semestre Europeu, que agora reflete as regras do Pacto de Estabilidade revisto e a reforma do novo quadro de governação económica da União Europeia (UE), que entrou em vigor em abril de 2024, a Comissão avaliou "os projetos de planos orçamentais para 2025 apresentados por 17 Estados-Membros da Zona Euro", nomeadamente se estas propostas de OE têm "as medidas adequadas para executar os respetivos planos de médio prazo".
Segundo explicaram, a partir de Estrasburgo, Valdis Dombrovskis, vice-presidente da CE para a Economia, e o ainda comissário da área, Paolo Gentiloni (termina o mandato este mês), esta nova avaliação "centra-se no crescimento das despesas líquidas em 2024-2025, avaliando se estas estão dentro dos limites máximos estabelecidos nos planos de médio prazo dos Estados-Membros".
Conclusão: "Oito Estados-Membros da área do euro estão em conformidade com as recomendações orçamentais, enquanto sete não estão totalmente em conformidade, um não está em conformidade e um corre o risco de não estar em conformidade".
"Luxemburgo, Malta e Portugal não estão totalmente em conformidade com a recomendação: embora se preveja que as respetivas despesas líquidas não ultrapassem os limites máximos, estes países não eliminam progressivamente as medidas de apoio de emergência ao mercado da energia até ao inverno de 2024-2025, tal como foi recomendado pelo Conselho".
Em causa estão, por exemplo, como referido, medidas de apoio tomadas pelo anterior governo (PS), quando rebentou a crise inflacionista espoletada pelo início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, para amortecer o impacto negativo que a subida do custo dos combustíveis teve no poder de compra das famílias e nas estruturas de custos das empresas.
Embora muitas das medidas estejam a ser descontinuadas (o descongelamento gradual da taxa de carbono tem sido um dos exemplos mais mediáticos), a Comissão quer que Portugal e os outros dois países sejam mais rápidos a retirar a totalidade dos apoios que, argumenta, têm de ser temporários para estarem em conformidade com as regras orçamentais.
Problema está no ISP
Na avaliação à proposta de OE português, a Comissão Europeia critica o facto de os benefícios fiscais concedidos na sequência da crise energética, que começou em março de 2022, "não serão totalmente suprimidos até à época do calor de 2024/2025" pois "a redução do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) deve manter-se em vigor".
Segundo a CE, a medida é pesada em termos orçamentais: "o custo orçamental líquido das medidas de apoio à energia está projetado em 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 e 0,1% do PIB em 2025", sendo que "este valor não está em conformidade com o recomendado pelo Conselho Europeu", alerta a Comissão.
Mais: "as medidas de apoio na energia que estão atualmente planeadas para permanecer em vigor não parecem ter como objetivo proteger as famílias e empresas vulneráveis, nem preservar incentivos à poupança de energia", lamenta a CE.
"O custo orçamental líquido destas medidas de apoio à energia não direcionadas à proteção das famílias e empresas mais vulneráveis é estimado em 0,1% do PIB em 2025", estima o estudo mais aprofundado feito em Bruxelas.
Na conferência de impresa que decorreu à margem da sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o comissário Gentiloni explicou que "em Portugal, a inflação está numa trajetória de declínio, embora o seu valor não seja ainda muito baixo, devo dizer, mas trata-se de um compromisso comum que foi tomado ao nível da União Europeia e por isso existe esta recomendação horizontal para cortar em 2023 as medidas extraordinárias tomadas durante a crise energética”.
Mesmo estando a descontinuar mais devagar do que pretende a CE os apoios em sede de ISP, a inflação portuguesa acelerou em outubro, ultrapassando uma taxa homóloga de 2,3%, segundo informou o INE.
Neste mesmo grupo de Portugal, dos que não respeitam o pleno das exigências de Bruxelas estão, por outros motivos, "Estónia, Alemanha, Finlândia e Irlanda". "Não estão totalmente em conformidade, uma vez que as suas despesas líquidas anuais (Finlândia, Irlanda) e/ou cumulativas (Estónia, Alemanha, Irlanda) deverão ser superiores aos respetivos limites máximos" definidos pela CE, explica a própria.
Países Baixos prevaricam
Mais severa é a avaliação às finanças holandesas e ao respetivo OE para 2025. Levou com um alerta vermelho.
Segundo Dombrovskis, que vai continuar na equipa da presidente Ursula von der Leyen no mandato de 2024-2029, mas como comissário da Economia, "os Países Baixos não estão em conformidade com as recomendações, uma vez que está previsto que o valor da despesa líquida ultrapasse o limite máximo".
Menos grave, mas quase a resvalar, está a Lituânia, que recebe um género de alerta laranja: "Corre o risco de não estar em conformidade com a recomendação, pois prevê-se que as despesas líquidas excedam as taxas de crescimento que a Comissão considera como primeiro passo adequado na aplicação do novo quadro de governação económica", disseram os altos responsáveis.
Os oito países cujos orçamentos receberam luz verde são Grécia, Chipre, Letónia, Eslovénia, Eslováquia, Itália, Croácia e França."São considerados conformes com as recomendações, uma vez que as suas despesas líquidas deverão situar-se dentro dos limites máximos".
(Atualizado às 16h30)